Cada vez mais a Pra�a da Liberdade faz jus ao nome, principalmente desde que os mais belos casar�es hist�ricos de Belo Horizonte abandonaram a maior parte das fun��es administrativas, abrindo as portas a museus interativos, caf�s e livrarias de tend�ncia cosmopolita. Sentado nos degraus da escadaria do Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), onde j� trabalhou como recepcionista, o publicit�rio Walter Costa, de 24 anos, de tra�os �rabes e bigodes cofiados a la Salvador Dal�, marcou um encontro. Minutos depois, chega o universit�rio Felipe da Cunha, tamb�m de 24, que recentemente assumiu o cabelo blackpower, contra a vontade da fam�lia dele, natural de Teres�polis (RJ). Com a maior naturalidade, os dois se entreolham, trocam um beijo e saem abra�ados pelos arredores da pra�a, que lembra um cen�rio cinematogr�fico.
N�o � in�dito o filme do amor (quase) livre entre gays na capital mineira, que tem na Pra�a da Liberdade um dos pontos de refer�ncia ou, como se costuma dizer, tornou-se um espa�o amig�vel aos casais de mesmo sexo (gay friendly). Para quem quiser assistir �s demonstra��es de afeto em p�blico, Walter e Felipe transbordam felicidade, �s v�speras do primeiro Dia dos Namorados que v�o passar juntos, ap�s seis meses de relacionamento.“Por que n�o? Quem n�o gosta de ver um casal de m�os dadas? Para mim, ver essas cenas rom�nticas at� aquece o cora��o”, defende Walter, radiante com o atual companheiro. “Se n�o estamos fazendo nada de errado, nem nos agarrando em p�blico, qual � o problema?”, questiona Felipe, cujos parentes come�aram, agora, a implicar com o visual afro, depois de aprender a respeitar a quest�o da identidade.
Nem sempre foi simples se assumir abertamente para ambos. Por quatro anos e meio, Walter foi casado com um homem nove anos mais velho, que sempre o apresentou como “amigo” nas festas da fam�lia e do servi�o. “Com o Felipe, a gente pegou na m�o um do outro e entendeu que estava cansado de mentir para as pessoas. Foi libertador, pois eu n�o saberia ser algo que n�o sou, a vida inteira, s� para agradar ao companheiro”, diz Walter. “� claro que, para ter esta postura, voc� tem de conseguir bancar e suportar as consequ�ncias. Nunca sofri amea�a verbal muito forte e, quando come�am a olhar demais, encaro de volta”, completa Felipe, que j� foi convidado a “maneirar” em um restaurante da regi�o central. Meses depois, com seguidos epis�dios de homofobia registrados nas redes sociais, a casa passaria a sofrer boicote do p�blico gay.
Libera��o
“Aqui em Nova York, vejo pessoas de m�os dadas, abra�adas. A cidade � superliberada. N�o existem aqueles olhares de rep�dio, como temos �s vezes no Brasil”, afirma, olhando ao redor, o mineiro Diego Callisto, de 27 anos, respondendo �s perguntas por interm�dio do celular. Na �ltima semana, o jovem estava na capital do mundo como um dos 16 l�deres globais selecionados para falar sobre o enfrentamento da epidemia de Aids na reuni�o da Assembleia Geral da Organiza��o das Na��es Unidas (ONU). “Acredito que algumas capitais melhoraram, sobretudo os maiores centros urbanos. Agora, essa realidade n�o � percept�vel quando se interioriza a quest�o”, compara ele, nascido em Juiz de Fora, com 5.722 seguidores no Facebook.
� vontade, mas com discri��o
Ao contr�rio de outros pontos da capital, existe um acordo t�cito de que, na Pra�a da Liberdade, os casais heterossexuais e os de mesmo sexo, especialmente formados por mulheres, podem andar de m�os dadas e se beijar sem tanto medo, resguardados pelas sombras das �rvores, fontes de �gua e esparsos guardas municipais, contratados para vigiar o patrim�nio p�blico. “N�o podemos aparecer na reportagem, pois a fam�lia dela ainda n�o sabe”, recusa um casal, no qual uma das meninas chama a aten��o pelo cabelo pintado de lil�s. “N�o falei que ficou bonito? Ela est� insegura”, elogia a mo�a, toda sorrisos.
Meia hora depois, chegam a produtora audiovisual Mariana Silveira, de 30 anos, e sua companheira, a designer gr�fica Sheila Scott Rocha, de 29, que faz o tipo mulher�o, de olhos claros e cabelos soltos. Em particular, uma das duas revela o pedido da m�e que, embora aceite o relacionamento de ambas, prefere evitar a publica��o de fotos de beijos. Por sinal, as duas n�o se d�o as m�os e nem se tratam publicamente como namoradas, embora cogitem formar uni�o est�vel, em breve (desde 2011, essa possibilidade de formaliza��o no papel entre pessoas do mesmo sexo est� aprovada pelo Supremo Tribunal Federal). J� usam anel de compromisso.
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Sheila se op�e ao racioc�nio pouco rom�ntico, mas acaba concordando: “Penso que os adultos se incomodam mais do que as crian�as, mas entendo a sua necessidade de se autopreservar. J� me aconteceu, aqui nesta pra�a, de estar com uma garota e uma senhora criticar, em tom alto: “Mas que pouca vergonha!”. Para Sheila, que se diz mais combativa, chega a ser curioso como a maioria das pessoas que faz esse tipo de coment�rio n�o tem vergonha ou mesmo pudor de expor o pr�prio preconceito. No Brasil, a express�o da homofobia em p�blico ainda n�o � tipificada como crime.
Juntas h� 10 anos, mas ainda namoradas, a produtora teatral Talita Vaz, de 28 anos e a atriz Vanessa Moreira, de 30, moradoras de Nova Lima, fazem quest�o de se apresentar de m�os dadas. No Dia do(a)s Namorado(a)s, as duas v�o sair para um jantar de comida japonesa. Depois de muitos anos de conviv�ncia, o presente ser� conjunto: um edredon. “A gente celebra muito o amor, pois estamos juntas n�o porque somos parentes ou por obriga��o, mas sim por que a gente se gosta!”, frisa Talita, que faz uma ponta no filme M�e, precisamos conversar, de Matheus Torres. Apaixonada, ela conta j� ter fabricado muitos presentes pessoais, como colagens, quadros e at� um pote de cocada. No ano passado, as duas passaram o fim de semana prolongado em Macacos. “Somos como uma extens�o uma da outra. Precisamos nos casar, n�o �, Talita?”, cobra Vanessa, enquanto Talita avisa que s� tomar� esse passo depois de se formar. “Ela est� me enrolando”, emenda a outra, brincando.