A mais recente v�tima em BH foi Thales Martins Cruz, de 10 anos, que morreu no in�cio do m�s contaminado por picada de carrapato, depois de visita ao Parque Ecol�gico da Pampulha. O diagn�stico de maculosa traz � tona a pergunta inevit�vel: sendo desafios t�o antigos, por que persistem, e matam?
O infectologista Alexandre Moura, da Secretaria Municipal de Sa�de, afirma que a maior parte dessas doen�as tem reservat�rio em animais, o que dificulta o combate. Caso da febre maculosa, transmitida pelo chamado carrapato-estrela infectado pela bact�ria Rickettsia rickettsii. O cont�gio ocorre se o carrapato contaminado ficar pelo menos quatro horas fixado na pele. “Para erradicar, � preciso uma vacina muito boa e uma doen�a circulando s� em humanos, pois, quando contagia tamb�m animais, o combate � dificultado, pois a transmiss�o se sustenta na natureza”, diz. “Os pr�prios carrapatos infectam-se uns aos outros, e a capivara n�o � a �nica fonte deles.”
O especialista cita o exemplo da var�ola, que, por atacar apenas humanos, p�de ser erradicada com vacina. Moura destaca que a dengue tem grandes chances de ser erradicada depois que a vacina entrar para o calend�rio oficial do governo e for oferecida a toda a popula��o. Enquanto isso n�o ocorre, de acordo com o �ltimo boletim epidemiol�gico da Secretaria de Estado de Sa�de, Minas registrou 525.452 casos prov�veis da doen�a e 227 mortes s� neste ano.
Mas nem mesmo a imuniza��o dispensa o estado de aten��o. “O sarampo, por exemplo, ocorre s� em humanos, conta com vacina boa, mas n�o se conseguiu controlar o mal ainda. Ou seja, mesmo quando n�o h� animais na cadeia, � essencial manter uma boa cobertura vacinal”, afirma. Segundo ele, quando uma doen�a est� controlada e para de circular, � comum que surjam correntes contra a necessidade da imuniza��o, criando bols�es de pessoas sem prote��o e abrindo brecha para novos surtos.
Ciclo inquebr�vel de doen�as
N�o � poss�vel erradicar doen�as que t�m reservat�rios silvestres, como a febre amarela, a doen�a de Chagas e a febre maculosa, enfermidades que persistem ao longo de s�culos. Isso porque os reservat�rios mant�m um ciclo em animais que � imposs�vel interromper. A afirma��o � do m�dico Heitor Franco de Andrade J�nior, pesquisador do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de S�o Paulo (USP). Ele defende a tentativa de erradica��o de vetores, como carrapatos e mosquitos, mas mediante medidas agressivas do sistema sanit�rio, como uso de inseticidas dom�sticos.
“A popula��o considera uma invas�o de domic�lio e, ao mesmo tempo, � muito caro o combate com os inseticidas atuais. Quando da campanha que controlou a mal�ria e a doen�a de Chagas, a popula��o era mais receptiva e se podia usar inseticidas baratos, como o BHC e o DDT, que s�o relativamente t�xicos e considerados perigosos. Os inseticidas agr�colas atuais s�o muito eficientes, mas t�xicos demais para uso em cidades”, afirma. “A administra��o do controle de vetores tamb�m � muito complexa, porque cada estado ou munic�pio depende de uma infraestrutura cara e que inexiste nas pequenas cidades, fazendo com que a pol�tica atual seja transferir o controle para o dono do domic�lio, com a aquisi��o de inseticidas muito menos eficientes e de alto custo individual.”
O infectologista Alexandre Moura, da Secretaria Municipal de Sa�de, ressalta que, no caso de doen�as transmitidas por vetor, s�o v�rias as raz�es para a impossibilidade de erradica��o. No caso da leishmaniose, que tem reservat�rio animal (c�o e animais silvestres) e � end�mica em Belo Horizonte, o combate � doen�a esbarra na rela��o afetiva que os donos t�m com seus cachorros, fazendo com que se recusem a sacrificar animais infectados.
J� a doen�a de Chagas est� praticamente controlada, de acordo com Alexandre Moura. “Os casos atualmente s�o de ingest�o do barbeiro, amassado com produtos como o a�a� ou a cana-de-a��car. Por picada intradomiciliar, que era o grande problema de Minas Gerais, praticamente n�o existe mais”, diz o m�dico, esclarecendo que, no caso do a�a�, � a fruta in natura que representa a amea�a, e n�o os produtos pasteurizados comercializados em lanchonetes.
A mal�ria � outra enfermidade com reservat�rios na natureza para a qual se tenta desenvolver vacina h� anos. Apesar de ter cobertura vacinal, a febre amarela ainda registra microendemias. A rapidez do tr�nsito de pessoas pelo mundo � outro agravante apontado pelo infectologista, que exemplifica citando a velocidade com que o zika v�rus se espalhou pelo mundo.
Mudan�a de comportamento e conscientiza��o da popula��o devem andar tamb�m lado a lado com os esfor�os cient�ficos. A dengue ilustra bem essa situa��o. Controlada nas d�cadas de 1960/70, quando o Aedes aegypti circulava em locais mais restritos, sem contato com tantos reservat�rios, a dengue foi reintroduzida na d�cada de 1980. O mosquito ficou mais adaptado ao ambiente humano com o passar do tempo e, se antes havia matas e competi��o com o pernilongo Culex, hoje o transmissor encontra na selva de concreto um ambiente sem concorr�ncia. “No in�cio do s�culo passado, o poder p�blico entrava na casa das pessoas � for�a, borrifando. Hoje isso n�o � f�cil. H� locais em que n�o conseguimos fazer a preven��o em 20% das casas, o que � uma taxa muito alta”, relata o infectologista da secretaria.
DIFICULDADES O m�dico Heitor Franco de Andrade J�nior, respons�vel pelo Laborat�rio de Protozoologia do Instituto de Medicina Tropical da USP, vai al�m e diz que as dificuldades do sistema de sa�de nesse enfrentamento passam por recursos e por uma pol�tica de gest�o de sa�de p�blica “agrad�vel”. Segundo ele, com a evolu��o do conhecimento da sociedade e o efeito eficiente das medidas impopulares antigas no controle dessas doen�as, elas tiveram a preval�ncia reduzida, com queda de mais de 90% em morbidade e mortalidade. “Isso funcionou com inseticidas e interven��o feroz: o borrifador invadia as casas e deixava tudo branco de DDT. Hoje isso n�o � poss�vel, a popula��o � mais esclarecida e o sistema p�blico � formado por pessoas menos afeitas � �rea, mais voltadas para as doen�as cr�nico-degenerativas e ao tratamento individual”, relata.
“Nossos sanitaristas foram eficientes em afastar essas doen�as da cidade, mas isso precisa de manuten��o. Ent�o, ocorre um c�rculo perverso: como certas doen�as s�o menos frequentes, h� poucos pacientes afetados e existe terapia eficiente, n�o se mant�m tanta vigil�ncia”, afirma. Ele ressalta que assim aparecem os casos espor�dicos. “Os m�dicos demoram para diagnosticar e n�o t�m meios para isso, porque a Anvisa (Ag�ncia Nacional de Vigil�ncia Sanit�ria) s� permite que o SUS pague o diagn�stico de kits aferidos por ela. As universidades n�o podem cobrar pelos diagn�sticos que elas fazem e os laborat�rios n�o veem retorno comercial em testes raros ou rem�dios de baixa produ��o. Assim o problema se perpetua.”
O pesquisador avalia como grande desafio, entre os fatores que mais pesam para combater essas doen�as, convencer cientistas a se dedicarem a um problema que os administradores n�o consideram importante, j� que as pesquisas migram para �reas mais vis�veis. “E n�o temos muitos pesquisadores, porque somos um pa�s com baixa forma��o de doutores”, diz.