
“Conhe�o bem esta regi�o, onde trabalhei com o transporte de alunos para a prefeitura. Aqui moravam muitas fam�lias, que foram embora depois que a �gua come�ou a faltar”, testemunha o aut�nomo Heleno Soares de Jesus, ao visitar uma vereda devastada por queimada na regi�o do C�rrego da On�a, zona rural de Arinos, onde v�rias nascentes desapareceram e manancial parou de correr.
“Os produtores usavam a �gua para manter o gado e plantar hortas. Como come�ou a faltar �gua, muitos moradores abandonaram a regi�o”, conta Heleno. Outros tiveram que deixar o cultivo pr�prio e tentar a vida em terras alheias, com parcos sal�rios e forte depend�ncia de benef�cios sociais.
Ali perto, na comunidade de Bom Jesus, Jordelina Gomes Cavalcante conta que a lavoura cultivada por seu marido, Ernestino Francisco dos Santos, de 53 anos, teve que ser abandonada. Arroz, feij�o e outras culturas, tudo ficou para tr�s depois que a Vereda da Bananeira secou, h� cerca de 10 anos.
Os plantios eram feitos em brejos abaixo vereda. N�o houve sa�da. Ernestino passou de produtor a empregado. Ganha em torno de R$ 40,00 a R$ 45,00 por dia como lavrador. Jordelina, m�e de seis filhos, recebe R$ 300,00 do programa Bolsa-Fam�lia.
Em companhia de Heleno, a reportagem visitou, tamb�m em Arinos, o agricultor J�lio Leite Barbosa, que, ao lado da mulher, Hilda Alves Barbosa, labutava pr�ximo a um tacho na produ��o de rapadura. Hilda reclamou da dificuldade de acesso � �gua, pois h� dois anos a Vereda do Aleixo, vizinha de sua casa, come�ou a secar.
Em efeito cascata, um c�rrego que passa pelo local teve sua vaz�o muito reduzida. Hoje, o casal faz a capta��o de �gua por uma bomba em um po�o. “Vou falar a verdade. J� tivemos muita �gua. Reduziu muito. Se ela acabar de vez, n�o sei o que ser� da gente”, afirmou.
�rf�os das veredas, para muitos a salva��o � a chegada do caminh�o-pipa, que fornece �gua pot�vel, ainda que apenas o suficiente para matar a sede e cozinhar. Na zona rural do munic�pio de Urucuia, a lavradora Carmelita Versiane, que j� teve �gua perto de casa retirada da Vereda das Areias, na comunidade de Santa Cruz, h� seis anos tem que se valer do caminh�o-pipa da prefeitura do munic�pio, duas vezes por semana. Para lavar roupa, a mulher precisa se deslocar 3,5 quil�metros a p� at� o local onde h� uma mina.
O caminh�o-pipa tamb�m leva �gua pot�vel para a fam�lia do agricultor Il�dio de Oliveira Rodrigues, de 67, morador da comunidade de Tamburil, na zona rural de Urucuia. Il�dio recorda que h� poucos anos o C�rrego Tamburil era cheio o ano inteiro perto de sua casa, mas agora s� corre em �poca de chuva. “O c�rrego era fundo, com muito peixe. Depois, foi minguando. Hoje, nem piaba tem, pois n�o h� �gua”.
A agricultora Isabel Cristina Dur�es Lisboa, de 63, mora perto do c�rrego da Cuia, que era caudaloso o ano inteiro e secou depois da degrada��o nas veredas que o alimentam. O marido dela, Adailton Dur�es Alves, busca �gua em uma carro�a, a cinco quil�metros de dist�ncia, para abastecimento da fam�lia e para manter os animais. “N�o imaginava que a gente fosse enfrentar uma situa��o dessa”, alarma-se a agricultora, que atribui o “fim das �guas” ao desmatamento, � produ��o de carv�o e ao plantio de eucaliptos nas cabeceiras dos rios e nas veredas.
Drama semelhante � vivido por Joaquina Jos� de Almeida, de 83, da comunidade de Esconta, ainda na zona rural de Urucuia. Ela usa a �gua retirada de uma cisterna. A 100 metros da casa dela h� uma vereda, tamb�m conhecida como Esconta, que h� quatro anos secou completamente. “Aqui tinha muita �gua. Era cada tra�ra! Cada curimat�! Mas, secou tudo e agora estamos bebendo �gua de cisterna”, relata Joaquina.
Quem veio de longe para tentar a vida na regi�o tamb�m se assusta. Natural de Patos de Minas, no Alto Parana�ba, h� 10 anos o ex-caminhoneiro Ant�nio Carlos de Souza comprou uma fazenda cortada pelo Rio Tamburil no munic�pio de Urucuia. Ele conta que a princ�pio tudo correu bem. Mas a situa��o degringolou h� cinco anos, quando o Tamburil –que at� ent�o corria o ano inteiro – “cortou”. No in�cio de outubro, quando a reportagem visitou a regi�o, estava completamente vazio.
Com a falta d’�gua, Ant�nio Carlos abriu um po�o em sua propriedade no fim do ano passado. Mesmo assim, teve preju�zos com a seca. “Vou esperar mais um pouco. Se n�o chover, vou abandonar a fazenda e trabalhar como caminhoneiro”, anuncia.
Agonia das veredas
Na primeira reportagem da s�rie, publicada na edi��o de ontem, o Estado de Minas mostrou que os o�sis do cerrado retratados na saga de Riobaldo agonizam junto com os rios e c�rregos. A reportagem percorreu 2,1 mil quil�metros em 11 cidade do trajeto de Guimar�es Rosa. Mostrou, ainda, que queimadas criminosas para a forma��o de pasto transformam as veredas em cen�rio de morte e que o fogo atinge o subsolo e pode durar at� seis meses.