
Visto pelo mapa ou por livros de geografia, um dos principais eixos de transporte do pa�s, ligando as capitais de duas das maiores economias brasileiras, � sin�nimo de tr�fego r�pido e pesado – de ve�culos e dinheiro – pelas pistas que se estendem por 586 quil�metros entre Belo Horizonte e S�o Paulo. Percebida com mais tempo e menos correria, nas pedaladas cadenciadas sobre uma bicicleta, nota-se que a Rodovia Fern�o Dias, ou BR-381, abriga um outro tipo de movimento, vida mais lenta, com uma riqueza peculiar, na maior parte das vezes ignorada por quem faz do trecho apenas caminho at� o destino. Atra�dos pela boa estrutura e pelo grande n�mero de pontos de apoio, andarilhos an�nimos percorrem h� anos os acostamentos da rodovia, muitos deles refazendo os trajetos infinitas vezes. Com um quarto da popula��o mineira acomodada em cidades de sua �rea de influ�ncia, a estrada � tamb�m casa e ponto de trabalho para uma legi�o que leva a vida �s margens do asfalto e da sociedade.
Dinheiro, consegue catando latinhas – saindo de Beag�, juntou R$ 45 at� Perd�es. Nos 120 quil�metros anteriores, havia conseguido outros R$ 18. Usa o que recebe s� para lugares onde n�o ganha marmita. Mas isso � raro, revela: “A Fern�o Dias � a m�e dos trecheiros; aqui ningu�m nega nada”, define Polaco. “Tem gente que s� faz esse trecho por isso. Tem o Cabelo, que anda com uma foice na bicicleta, tem a Beatriz, que � meio grande e s� vai de carona, se oferecendo pros caminhoneiros...”, enumera. Com a experi�ncia de quem vive no trecho, conta que s�o sete ou oito os mais frequentes, os “mestres da 381”.
Rodando por Goi�s, Distrito Federal, S�o Paulo, Rio de Janeiro e toda a Regi�o Sul, s� n�o andou mais no Nordeste porque n�o encontrou acostamento quando esteve na Bahia. “O resto que eu queria conhecer, eu conhe�o”. O melhor mesmo, considera, � a BR-381. A placa do seu “ve�culo”, FGY **40, Polaco achou em S�o Paulo. “Encontrei assim, n�o sei a cidade, t� jogando no bicho direto”, segreda. Natural de Itarar�, na divisa com o Paran�, o homem vive como n�made h� 12 anos, desde que se separou e caiu na estrada. Bebia muito e brigava com a mulher, at� que a deixou com a filha, hoje com uns 18 anos. Largou tamb�m emprego com carteira assinada e perdeu direito � aposentadoria. Conta ter deixado a bebida h� seis anos.
Conhecendo cada metro da estrada, Polaco calculava a dist�ncia at� o pr�ximo posto, onde planejava tomar banho e fazer a barba. Com um macac�o com faixas fluorescentes, presente que ganhou de trabalhadores na rodovia, refere-se � Fern�o Dias como quem fala de uma cidade onde se sente em casa. Despede-se seguindo para S�o Paulo, e j� planejando a volta: “L� pra novembro, este ano ainda, volto de novo pra Belo Horizonte”.
Trecho de romance
Em dire��o contr�ria, o andarilho Daniel Dias Ferreira, de 38, mineiro de Montes Claros, rumava a p� de S�o Paulo para a capital mineira. Num fim de tarde de chuva fina, ele conta, no acostamento, na altura de Cambu�, Sul de Minas, que j� rodou de bicicleta, mas enjoou. Afirma ter viajado mais ou menos 15 vezes naquele trecho da Fern�o Dias. Al�m de Minas e S�o Paulo, j� passou pela Bahia, Paran� e Tocantins. “J� trabalhei muito; agora eu quero andar”, decreta. “Rola romance na estrada”, revela ele, que acabara de deixar uma “moreninha boa”, com quem contou ter passado dois dias pr�ximo a Extrema, na divisa com o estado vizinho. Entre goles da cacha�a que carrega num saco e oferece, lembra romances no Nordeste e no Tri�ngulo Mineiro. “Melhor lugar pra mulher onde passei � Uberl�ndia”, define. Com a garrafa acabando e a chuva apertando, volta � pista, sonhando um dia subir novamente a BR-116, que corta o pa�s de norte a sul. “A estrada � aventura, rapaz”.
Muita gente pensa o mesmo. � o que se percebe pr�ximo ao trevo que segue para Oliveira, no Centro-Oeste, em cruzamento com a BR-494, onde um posto de combust�vel movimentado atende caminhoneiros no hor�rio de almo�o. Do outro lado da pista, no km 618 sentido sul, duas mulheres aproveitam a sombra de eucaliptos sentadas sobre ra�zes que fazem de bancos. Conversam e por vezes acenam em dire��o a caminh�es que buzinam e seguem viagem. Alguns sorriem, como se fossem velhos conhecidos. O in�cio de tarde � movimentado para uma personagem de sand�lias, short jeans e camiseta branca com detalhe transparente. Mal sa�a de um carro de passeio prata e um caminh�o j� a aguardava uns 30 metros acima. Em meia hora, atende tr�s motoristas.

M., como prefere ser chamada a mulher de 34 anos, mora no Barreiro, em Belo Horizonte. Nos �ltimos sete anos, viaja de �nibus os quase 300 quil�metros ida e volta at� o ponto de trabalho, � beira da 381. Alguns locais, como aquele, s�o conhecidos por motoristas de todo o Brasil, conta. Como prova, embalagens de preservativo se espalham no ch�o, por todo lado. M. diz cobrar R$ 50 por programa e contabiliza, em dia razo�vel, “uns R$ 300”. “Varia muito, mas depois que a Dilma saiu, os caminhoneiros se animaram mais”, avalia, sobre a situa��o do pa�s p�s-impeachment. Segundo ela, na freguesia “tem de tudo: solteiro, casado”. A maioria chega em caminh�es. Uns poucos, em carros pequenos. Concordando com uma foto antes de se despedir, M. responde � amiga que a chamava de louca: “N�o tem problema miga, meu namorado sabe que eu fa�o programa”.
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