
No canto, o arm�rio; no centro, a mesa com o computador sob a frase “Sala do Notebook”; no lado direito, a gangorra do parquinho. E mais um detalhe feito a l�pis de cor, na folha de papel: uma �rvore com frutas vermelhas, cercada de tra�os lembrando montanhas. O desenho de Lavynia Beatriz Felipe Silva, de 9 anos, expressa o que ela imagina de uma escola ideal, com estudos, recreio e natureza. Grande parte a menina j� teve, e a perda chega a doer de tanta saudade, enquanto a outra durou pouco, alguns dias, at� a lama destruir tudo.
Junto a 23 colegas na faixa et�ria de 8 a 11 anos, da Escola Municipal Bento Rodrigues, de Mariana, na Regi�o Central, a aluna participou de uma oficina na qual a turma exp�s sonhos e desejos, um ano depois do rompimento da Barragem do Fund�o, da mineradora Samarco, que arrasou o subdistrito de Bento Rodrigues e outras comunidades.
“Quero tudo como era antes”, resumiu Lavynia, na tarde de sexta-feira, logo depois de uma avalia��o na Escola Municipal Dom Luciano Pedro Mendes de Almeida, que passou a abrigar os 100 alunos da unidade de ensino depois da trag�dia.
O notebook faz todo sentido no desenho, conta a diretora Eliene Geralda dos Santos, que, na dram�tica tarde de 5 de novembro de 2015, retirou a crian�ada da escola riscada do mapa pela lama – o maior desastre socioambiental do pa�s deixou 19 mortos, devastou a vegeta��o e degradou toda a Bacia do Rio Doce at� o mar.
“No fim de outubro, hav�amos recebido, em doa��o, 10 computadores e mobili�rio para a sala de inform�tica e de jogos. Ainda estavam sendo feitas as liga��es dos cabos, ainda n�o havia internet, mas os alunos j� tinham visto os equipamentos. Tudo ocorreu de forma muito brusca”, diz a diretora. “Agora os alunos est�o mais tranquilos, v�o se adaptando, acostumando com a vida em Mariana, embora sintam muita falta de lugar para brincar”, acrescenta Eliene.
SAUDADE
Uma constru��o ampla, de telhado vermelho, toma conta da folha de papel e a palavra “amor” marca o desenho. No meio da folha, pode-se ler E. M. Bento Rodrigues escrito a l�pis. Essa foi a ideia dos alunos Rayssa, Luiz, Diogo e Arthur, do quarto e quinto anos, para registrar seus sentimentos sobre o local onde estudavam. “O que essa palavra significa para voc�?”, pergunta o rep�rter a Diogo Lucas In�cio dos Santos, de 10. Sem qualquer divaga��o, o menino vai direto ao ponto. “Saudade”, responde com voz firme, explicando que na palavra est�o contidos o “parquinho, os professores, o que queremos de volta”.
J� Ana Lu�za Euz�bio Pinto, de 10, preferiu frases em vez de desenhos e mencionou tamb�m os computadores, que nem eram notebooks, mas ficaram assim marcados na mem�ria dos estudantes. “A escola tem que ter tudo que t�nhamos antes no Bento, com a sala de aula muito legal, com alegria”, reivindica a garota.
Ana Lu�za faz quest�o de ressaltar o p�tio, para as brincadeiras do recreio; a biblioteca, para as pesquisas; e o audit�rio, espa�o de encontros e celebra��es. Os outros desenhos trazem imagens do escorregador, pr�dios de cobertura amarela, de �rvores com c�u azul ao fundo, sala de aula com todos os equipamentos, jardim e amizade. De forma carinhosa e �ntima, os antigos moradores de Bento Rodrigues se referem ao lugar de forma simples, apenas como Bento.
VALOR
A oficina foi realizada no �ltimo dia 10, logo depois da exibi��o, na escola Dom Luciano, no Bairro Ros�rio, em Mariana, do longa-metragem O que queremos para o mundo?, do diretor mineiro Igor Amin, que tem viajado mundo afora participando de festivais de cinema e vem realizando, em Minas, sess�es educativas.
No caso da turma de Bento Rodrigues, houve uma parceria do projeto educativo do cineasta com o Coletivo Mica (M�dia, Identidade, Cultura e Arte), formado por ex-alunos da Universidade Federal de Ouro Preto (Ufop) e da professora Ju�ara Brittes, do Instituto de Ci�ncias Sociais Aplicadas da universidade.
Igor, que se declara educador audiovisual, explica que, antes da atividade, perguntou primeiramente aos meninos e meninas do segundo ao quinto anos “o que elas querem para o mundo” e, depois, “o que elas querem para a escola”. As repostas feitas a l�pis de cor t�m o mesmo significado para Igor Amin de um storyboard (guia visual e objetivo que norteia as cenas a serem gravadas de um filme). Tanto que pretende fazer uma anima��o com os desenhos.
“As crian�as falaram de perspectivas e, principalmente, de um mundo que n�o existe mais. Elas se divertiram durante a oficina e tamb�m mostraram suas ang�stias”, afirmou o diretor, citando palavras importantes para a garotada de Bento Rodrigues, como uni�o, amor e paz. “A turma sabe que tem um futuro e vive uma nova hist�ria. Assim, tivemos uma escuta profunda das propostas de cada um”, afirma o diretor.
O filme infantojuvenil O que queremos para o mundo? narra a trajet�ria de Luzia, apelidada de Luz, adolescente muito t�mida e com dificuldades de enxergar. Mesmo sofrendo bullying, a jovem decide montar uma banda com as amigas Bela e Sol, que, a exemplo dela, n�o tocam instrumentos. O longa foi rodado em BH e no distrito de S�o Gon�alo do Ba��o, em Itabirito, na Regi�o Central. No in�cio de dezembro, as sess�es educativas ocorrer�o em cidades do Vale do Jequitinhonha.
“Nossa ideia � valorizar as crian�as como agentes transformadores da sociedade. Em BH, o projeto pretende levar 1,4 mil crian�as de escolas p�blicas ao cinema, para ter a experi�ncia da sess�o educativa”, adianta o diretor.