
No lugar dos jalecos brancos, rostos pintados; em vez do estetosc�pio pendendo do pesco�o, cocar com grandes penas e muitos adere�os coloridos. Foi assim que dois estudantes da etnia patax�, Amaynara Silva Souza e Vazigton Guedes Oliveira, ambos de 27 anos, subiram ao palco do audit�rio da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) para receber o diploma e se tornar os mais novos m�dicos de origem ind�gena do pa�s – est�o entre os primeiros com forma��o pela UFMG. Ela veio das terras ind�genas de Carm�sia, no Vale do Rio de Doce mineiro, e ele de Cumuruxatiba, no Sul da Bahia, para se juntarem � turma com 130 alunos.
“Eu decidi fazer medicina ainda na minha adolesc�ncia, quando eu tinha cerca de 14 anos. Ao crescer, fui percebendo a necessidade da comunidade na �rea da sa�de. N�s precisamos de profissionais”, afirma Amaynara. J� Vazigton, mais conhecido como Zig por todos os colegas de classe, afirma que os m�dicos que atendem nessas �reas costumam se deslocar de S�o Paulo e do Rio de Janeiro. “Eles ficam muito pouco tempo. Tem um rod�zio muito grande e, consequentemente, n�o h� o acompanhamento do paciente. Quando voc� se acostuma, ele j� vai sair”, conta Zig.
Adapta��o A mudan�a dos estudantes patax�s para a capital mineira foi um processo de descobertas e desafios. As dificuldades da transi��o da aldeia para o meio urbano envolveram desde a geografia � dist�ncia da fam�lia. Entretanto, segundo Amaynara, essas adversidades foram minimizadas pelo apoio dos outros estudantes. “O maior impacto foi o estilo de vida, que � mais corrido e individualista”, afirma a jovem. Apesar da dificuldade inicial, os jovens fizeram muitos amigos e se dizem bem adaptados aos h�bitos belo-horizontinos: “Mas, sinto falta das comidas feitas com base de farinha, como � muito tradicional na Bahia”, conta Zig.
A dist�ncia foi a maior dificuldade para os dois jovens m�dicos. Quando o cora��o apertava, era o incentivo instant�neo da tribo que salvava. “A fam�lia se sentiu muito feliz e contemplada por podermos representar o nosso povo”, diz Amaynara. A dupla conta que a aceita��o da migra��o para a cidade � muito bem resolvida.
Para os colegas da faculdade a troca de experi�ncias tamb�m foi muito importante.“Assim como vamos levar o conhecimento para as nossas comunidades, n�s trouxemos tamb�m informa��o sobre o nosso povo, que ainda � muito desconhecido, para as salas de aula. Acho que essa troca � muito enriquecedora para a universidade. Se voc� conhece uma cultura, voc� aprende a respeit�-la”, afirma Amaynara, exaltando o orgulho por sua origem.
Prioridade no processo seletivo
Tanto Amaynara quanto Vazigton entraram para o curso por meio de um programa da universidade federal que integra as a��es afirmativas para ind�genas, assim como as cotas e a forma��o de educadores ind�genas, abrindo vagas adicionais a integrantes desses povos. O preenchimento ocorre em processo seletivo espec�fico e beneficia estudantes oriundos de diversas etnias (patax�s, xakriab�s, kaxix�s, tupiniquins e terenas) que n�o tiveram acesso ao ensino regular. “� de grande import�ncia o Programa de Vagas Suplementares. � dif�cil pensar em concorrer com pessoas que estudaram nas melhores escolas da capital”, pontua Zig.
O professor e pr�-reitor de gradua��o Ricardo Hiroshi Caldeira Takahashi afirma que, se n�o fosse pelo programa, seria muito dif�cil os alunos ind�genas ingressarem na universidade. “As cotas federais n�o s�o suficientes para a inser��o desse grupo. A gente desenha o projeto com o intuito de corresponder �s necessidades dessas comunidades ind�genas. � de muita import�ncia o conhecimento desse tratamento prim�rio da sa�de para ser levado �s aldeias”, afirma. As vagas foram disponibilizadas para os cursos de agronomia, ci�ncias biol�gicas diurno, ci�ncias sociais, medicina e odontologia. At� momento, chega a 11 o total de alunos ind�genas formados.
Ricardo aponta que outras universidades j� come�aram com esse tipo de iniciativa, mas que a UFMG � uma das mais bem-sucedidas devido ao aux�lio dado aos estudantes. “Ao receber os ind�genas, n�s os encaminhamos para a escola do ensino m�dio da UFMG para passar alguns meses, onde v�o rever conte�dos importantes que poder�o ser utilizados durante a gradua��o. Outro ponto � que os ind�genas recebem tutores para acompanh�-los durante o curso – um professor para manter o contato deles com a universidade”, detalha.
O programa ainda assegura a esses estudantes acesso � moradia universit�ria e aos outros projetos de assist�ncia estudantil da UFMG. “Pensamos que, para os ind�genas, a pior ideia poss�vel � deixar que eles se diluam na cidade. Ent�o, alugamos um im�vel para que eles fiquem em um mesmo ambiente e possam interagir entre si”, afirma o pr�-reitor. Os alunos ainda contam com um sistema de apoio da Funda��o Universit�ria Mendes Pimentel (Fump) para a perman�ncia na universidade. “Hoje, somos refer�ncia para a juventude de nossa comunidade. Eles percebem que �, sim, poss�vel”, comemora Amaynara.