
Matheus Prado - Especial para o EM
As luzes da cidade v�o se apagando, j� passa das 23h. Enquanto todos se preparam para dormir, Jos� deixa a mulher, Maria da Concei��o, e o filho Ildeu para mais um dia de empreitada. Funcion�rio da Imprensa Oficial de Minas Gerais, passa as noites na gr�fica auxiliando a impress�o do Minas Gerais. Em setor do �rg�o labora o rec�m-formado m�dico Juscelino Kubitschek, atendendo os trabalhadores e seus familiares. Em 2017, ano em que se completa nove d�cadas da formatura de JK em medicina pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), o Estado de Minas foi atr�s de registros de quem foi paciente e amigo daquele que seria o futuro presidente da Rep�blica, como Jos� Coelho de Morais.
“Certa vez, minha m�e estava passando mal e meu pai saiu de madrugada, a p�, para buscar JK. A�, o doutor colocou a cal�a por cima do pijama, chegou l� em casa e examinou minha m�e. Quando o atendimento acabou, meu pai perguntou: ‘E agora, doutor Juscelino, como voc� vai embora?’. Ele respondeu: ‘Z�, voc� se esqueceu de que agora tem um bonde Gameleira que passa �s 5h? Vou ficar aqui esperando e a dona Maria pode fazer um cafezinho para n�s’. E assim ele fez”, relembra Lucy.
Em meio � amizade constru�da por Jos� e Juscelino, BH crescia. Alessandro Borsagli, ge�grafo e historiador, conta que a cidade era um canteiro de obras naquela d�cada. Cria��o de redes de esgoto, canaliza��o de rios e o in�cio da constru��o da represa da Pampulha ocorriam simultaneamente. Apesar disso, 70% da popula��o morava fora do cintur�o central e ainda tinha pouco acesso a servi�os b�sicos, como saneamento e ilumina��o. O transporte p�blico, usado pelo m�dico Juscelino para visitar a adoentada m�e de Lucy, era um dos grandes problemas da capital mineira da �poca.
VIDA SOBRE TRILHOS Funcionando em hor�rios insuficientes e com poucas linhas para atender a popula��o, os bondes n�o satisfaziam completamente os belo-horizontinos. O Prado, onde Jos� morava com a fam�lia, era uma exce��o. Por ser sede do Hip�dromo do Prado Mineiro, uma das poucas op��es de lazer na cidade, o bairro era melhor abastecido nesse aspecto. O per�odo conturbado, relatado no livro Omnibus: Uma hist�ria dos transportes p�blicos em Belo Horizonte, acaba por ser o in�cio da utiliza��o dos transportes p�blicos rodovi�rios na cidade – curiosamente, uma das futuras marcas de Kubitschek como prefeito de BH, no in�cio da d�cada de 1940.
Estabelecido na capital, a vida p�blica atra�a JK. Ap�s ser indicado para o posto de capit�o-m�dico no Hospital Militar, Juscelino � convocado para o front de batalha da Revolu��o Constitucionalista em 1932. L� conhece Benedito Valadares, futuro interventor de Minas Gerais durante o Estado Novo, e que daria ao m�dico, ap�s alguns sobressaltos, o comando de BH, em 1940.
Conhecido como “prefeito furac�o”, ele era um dos grandes respons�veis pela verticaliza��o de Belo Horizonte. Al�m disso, acelera o processo de asfaltamento da cidade e vislumbra o projeto arquitet�nico da Pampulha com Oscar Niemeyer (1907-2012). Mantendo-se bem relacionado com as camadas mais humildes e as mais ricas de BH, solidifica sua base eleitoral e � eleito governador. Com a r�pida e repentina ascens�o, Kubitschek se afasta de Jos�, mas o contr�rio nunca acontece.
Em uma passagem do primeiro volume de sua obra Meu caminho para Bras�lia, JK relata: “Aos pobres, que necessitavam de rem�dios, sempre encontrava um meio para mandar aviar-lhes as receitas. Era como se estivesse saldando d�vidas antigas, cujos pagamentos vinham sendo protelados desde a minha inf�ncia, em Diamantina. E o resultado � que me tornei estimado pela gente boa e humilde dos sub�rbios. Mais tarde, disputando elei��es, o grosso de minha vota��o era obtido justamente nas �reas que eu havia frequentado como m�dico da Imprensa Oficial.”

ORIENTA��O POR ORDEM M�DICA
Orgulhoso dos passos trilhados por Juscelino, Jos� se torna seu seguidor ass�duo e grande cabo eleitoral. Ildeu, seu filho mais velho, o acompanhava em todos os com�cios e apari��es p�blicas do pol�tico. O jovem, apaixonado pela leitura e pela pol�tica, s� conseguiu estudar at� o s�timo ano, pois precisou come�ar a trabalhar precocemente. Apesar disso, a realidade da cidade n�o permitiu o oferecimento de bons postos de trabalho para todos.
No in�cio da d�cada de 1950, BH continua se expandindo. Nas duas d�cadas seguintes, a capital passa de 320 mil habitantes para 1,25 milh�o, o maior crescimento em todo o pa�s no per�odo. Segundo Borsagli, isso ocorreu devido � cria��o da Cemig e a consolida��o da Cidade Industrial. BH come�a a receber muitos imigrantes e a estrutura oferecida pelo estado n�o apresentava grandes melhoras. Os problemas culminavam na falta quase di�ria de abastecimento de �gua na d�cada de 1960.
Nesta �poca, j� cansado, pai de nove filhos e com quase 50 anos, Jos� Morais tinha dificuldade para sustentar a fam�lia. Ildeu e Lucy, os mais velhos, j� trabalhavam para ajudar na renda, mas a situa��o ainda era apertada. Durante uma das apari��es p�blicas de JK em BH, o trabalhador, acompanhado de seu primog�nito, decidiu conversar com seu velho amigo. Walter, filho de Ildeu, reconta a hist�ria. “Meu av� j� trabalhava h� bastante tempo na Imprensa Oficial e precisava se aposentar, pois j� estava cansado e com muitas dificuldades. Em um evento, meu av� teve acesso a JK e explicou a situa��o. Juscelino deu apoio para ele e, por orienta��o de JK, as condi��es de trabalho e de carreira do meu av� foram verificadas. Foi quando ele conseguiu uma remunera��o mais justa.”
