
No jogo, que pode ter matado 130 jovens na R�ssia, entre as tarefas a cumprir, est�o a de superar o medo, acordar �s 4h20 e subir no telhado mais alto que encontrar ou ainda ir para uma ponte e se sentar na beirada. A trag�dia envolvendo Gabriel Ant�nio, pai de um beb� de apenas 40 dias, encontrado morto na manh� de quarta-feira pela mulher sobre a cama do casal, depois que ela voltou de pernoite na casa da m�e, � a primeira em investiga��o em Minas relacionada ao game, mas h� sinais de comprometimento perigoso de outros jovens com o aplicativo. Em BH, Jane Haddad atendeu, no consult�rio, uma v�tima dessa novidade. Nos primeiros anos do ensino fundamental, o garoto estava viciado num joguinho macabro e ganhava mais pontos � medida que matava mais velhinhas. Dez anos depois, ele retornou para atendimento, mas agora devido a outro desafio: derrubar o “mentor” do Baleia Azul. “Ele se envolveu tanto que quase chegou ao fim. Numa das tarefas, o adolescente desenhou a baleia no bra�o, mas, depois de enviar a foto em tempo real, o 'mentor' se mostrou insatisfeito, dizendo que havia pouco sangue e o acusou de n�o seguir as regras. Esse jogo � a nova 'modinha' assustadora e algo nele capta diretamente a fragilidade dos adolescentes”, afirma a psicopedagoga com forma��o em psican�lise.
Para a mestre em educa��o, o jogo e a s�rie s�o alertas sobre a necessidade dos adolescentes de se fazerem ouvir e se tornarem vis�veis. Ela ressalta que � essencial a presen�a dos pais, independentemente da configura��o familiar, na vida dessas crian�as e jovens. No lado da escola, a especialista considera urgente trabalhar com propostas nas quais os alunos possam falar de seus sentimentos, com profissionais da sa�de mental atuando junto �s coordena��es pedag�gicas. “Percebo que as crian�as e jovens est�o sem rumo, j� que notaram que seus modelos de adultos tamb�m est�o inseguros”, diz.
Jane acredita que o momento � de aposta de que pais e professores encontrar�o um caminho a seguir. “Estamos diante de um momento em que tudo pode ser negociado, deveres s�o barganhados. O mundo mudou e com essa mudan�a o modelo acabou”, analisa. Sendo assim, jogos como o Baleia Azul seriam uma das formas usadas por crian�as e adolescentes para pedir socorro. “Uma crian�a de 9 anos, que passa oito horas em seu computador, sem acompanhamento de um adulto, n�o est� propensa a tais aberra��es?”, questiona. Da�, segundo ela, a necessidade de acompanhamento dos aparatos tecnol�gicos a que os filhos t�m acesso e de aten��o ao primeiro ambiente de aprendizagem: a fam�lia.
SOFRIMENTO Na s�rie da Netflix “13 reasons why” (Os 13 porqu�s), a adolescente Hannah desperta a necessidade de mais aten��o a filhos e alunos. “O suic�dio j� est� entre as maiores causas de morte dos jovens”, destaca Jane Haddad. Para ela, o caminho � falar sobre o adoecimento ps�quico. “N�s adultos estamos fragilizados, imaginem as crian�as e adolescentes? Ningu�m pode ser respons�vel pelo suic�dio do outro, mas temos como levantar discuss�es nas escolas sobre o bullying, sobre o abuso sexual, sobre sexualidade, sobre fam�lias. A forma que muitas vezes o suic�dio � abordado ou relatado (como na s�rie) acaba aparecendo como uma sa�da para os que est�o sofrendo”, diz. “A vida para muitos adolescentes est� sendo sentida como insuport�vel. Fico me perguntando se a morte traz a eles um reconhecimento que eles n�o conseguem sentir em vida?”, provoca.
Para ela, no caso da personagem e de tantos outros adolescentes da vida real, h� uma solid�o e uma vitimiza��o. No consult�rio, ela tamb�m atendeu uma menina de 14 anos que estava extremamente sofrida porque seu ficante havia pedido um nude como prova de amor. Ela enviou e, quando chegou � escola, todos j� tinham visto e faziam coment�rios maldosos. “Indignada, ela me contava que n�o entendia por que ele havia feito isso. A garota quase n�o deu conta de lidar com tudo aquilo. A sorte � que juntas conversamos com a m�e dela que deu o suporte necess�rio, inclusive junto � escola”, lembra.
Os imprescind�veis la�os reais
O momento atual n�o est� nada f�cil em diversas esferas. H� um desconforto geral com o sistema pol�tico, o desemprego, viol�ncia, banaliza��o da vida. Na procura pelo sentido da vida, um d�ficit de passado e um excesso de futuro se apresentam como barreiras. O criador da psican�lise, Sigmund Freud, j� alertava sobre os impasses da civiliza��o diante da t�o sonhada busca da felicidade no texto O mal-estar na civiliza��o. A sa�da para vencer um profundo sofrimento ps�quico, diz especialista, passa pela possibilidade de provocar nas novas gera��es o desejo de estar junto dos mais velhos, de criar la�os sociais com pessoas reais que fa�am sentido em suas vidas.
A mestre em educa��o Jane Patr�cia Haddad afirma que os pais educam as novas gera��es impondo aos filhos a obriga��o de se dar bem na escola e no mercado. E se esquecem de que a vida requer pr�tica �tica do sentido, do amor, dos la�os afetivos. “Crian�as e jovens precisam perceber que n�o poder�o ser tudo, n�o poder�o ter tudo, ter�o de aprender a abrir m�o de algumas coisas, suportar o mal-estar de viver”, diz. Os adolescentes precisam de sentido, de limites, de gente, de sonhos. A felicidade ou mesmo o sentido que eles buscam n�o est� num jogo como o Baleia Azul. L� est� a ilus�o, a cegueira, a sa�da falsa para suas ang�stias.”
Tudo isso passa por reconhecer que esses jovens n�o s�o o m�ximo nem precisam ser o melhor, o mais bonito ou o mais forte, de acordo com a psicopedagoga. “O momento � de dar a palavra �s novas gera��es. Escutar o que eles t�m a dizer, recuperar o sujeito que est� escondido em tantas exig�ncias do mundo, exig�ncias do futuro brilhante. O momento atual requer um desacelerar da vida e escutar os novos sintomas contempor�neos”, defende.
“O prazer jamais ser� completo, a vida para seguir deve ser incompleta, insatisfat�ria. Precisamos assumir que estamos prometendo �s novas gera��es um mundo completo e de satisfa��o. Isso n�o existe”, acrescenta, ressaltando que � preciso lidar com perdas e fracassos. “Estamos vivendo excessos e o pior � que isso ocorre com o consentimento dos pais. Estamos diante de muitas fragilidades, mas a maior delas � aquela dos v�nculos afetivos.”