
Congonhas – Os bra�os se abrem de satisfa��o, os olhos brilham e, num momento de contempla��o, poucas palavras resumem tanta alegria. Depois, de joelhos, o aposentado Francisco Pereira Trindade, de 68 anos, reverencia a Igreja de Nossa Senhora da Ajuda, marco religioso e cultural do distrito de Alto Maranh�o, em Congonhas, na Regi�o Central. H� pouco mais de oito anos, diante do templo barroco ent�o escorado com madeira, conforme registrou o Estado de Minas, o sentimento do ex-coordenador do Conselho Comunit�rio de Pastoral era bem diferente: preocupa��o com a seguran�a dos fi�is, medo de desabamento da constru��o e tristeza com uma poss�vel perda do monumento do s�culo 18. Agora, com a restaura��o em fase final, Francisco � s� elogios. “Melhorou muito, n�? Est� mais perto do original. A obra redescobriu as maravilhas de nossa igreja.”
“A situa��o era de muita fragilidade. Mesmo com a execu��o dos servi�os, o movimento das paredes continuou, exigindo estudos e diagn�stico feitos por especialistas. O laudo mostrou a falta de massa nas paredes e na base da igreja, o que demandou o preenchimento desses vazios com microcimento injetado em alta press�o”, afirma Maur�cio. Na sequ�ncia, foram conduzidos os projetos de recupera��o do piso, da parte el�trica, de luminot�cnica e outro contra descargas el�tricas. “S� est� faltando o de p�nico-inc�ndio, em fase de conclus�o para ser encaminhado � aprova��o dos bombeiros”, acrescenta.
Entusiasmado com o resultado, embora de olho em todos os detalhes, Francisco chama a aten��o para dois pontos de infiltra��o que n�o foram resolvidos e tamb�m para a quantidade de morcegos que insistem em visitar a nave. Maur�cio explica que, antes da entrega do pr�dio � comunidade, ser� passado um pente-fino no interior da igreja, de forma a deixar tudo perfeito. Francisco faz quest�o de destacar o trabalho do Minist�rio P�blico, por meio dos promotores de Justi�a Marcos Paulo de Souza Miranda, Vin�cius Alc�ntara Galv�o e Karina Arca, na investiga��o das causas de abalo e trincas na igreja, creditados, em 2009, a explos�es numa mineradora, o que foi descartado.
FORRO Enquanto o trabalho de engenharia era realizado, a equipe de uma empresa de conserva��o e restauro contratada pelo Iepha se ocupou da recupera��o do forro, transformando o consist�rio (sala de reuni�es) da igreja em ateli�. Tamb�m conforme documentou o EM, estavam ali 21 pe�as ou caixot�es, medindo 103cm x 84cm, com pinturas representando a Ladainha de Nossa Senhora; depois, mais tr�s foram recuperados na sede do Iepha em BH inclu�dos no conjunto de 25 caixot�es. Apenas um n�o foi recolocado, devido � perda avan�ada na policromia e, por isso, os restauradores optaram por deixar o espa�o com a madeira nua.
Olhando o forro, Francisco se recorda do dia em que um ornamento de madeira se desprendeu e s� n�o foi ao ch�o porque ficou seguro pela m�o de um anjo de trombeta e da primeira reuni�o comunit�ria, em 2008, pedindo socorro. “Estava tudo comido de cupim.” Ao lado, a pesquisadora e estudante da hist�ria da arte, Maria da Paz Pinto, tamb�m natural do distrito de Alto Maranh�o e mergulhada em levantamentos hist�ricos sobre o templo, ressalta a import�ncia dele para a comunidade. “Aqui h� uma grande devo��o a Nossa Senhora da Ajuda, e n�o uma simples tradi��o. Esta igreja � muito preciosa no conjunto da arquitetura colonial religiosa mineira”, observa a pesquisadora, envolvida num document�rio sobre o distrito e seu monumento principal. “Este lugar � muito antigo, um dos primeiros arraiais de Minas. Um mapa de 1717 j� mostrava o local, que tinha o nome de Redondo.”
MEMORIAL Maria da Paz adianta que um dos objetivos da comunidade � criar um memorial no espa�o do consist�rio, com exposi��o de orat�rios, casulas (vestimenta sacerdotal), alfaias (paramentos e adornos de igreja), ex-votos (objeto para reconhecimento de gra�a alcan�ada), como quadros – “j� temos dois, datados de 1746 e 1757” – e outras pe�as que pertenceram �s irmandades religiosas. Num canto, a pesquisadora mostra um arcaz (m�vel com gavet�es), que ser� restaurado. “O patrim�nio mineiro � precioso. “Minas consagrou o Brasil na hist�ria da arte sacra”, resume, destacando o empenho na empreitada do titular da par�quia de S�o Jos� Oper�rio, padre Eduardo Bastos.
Filha da organista Maria Lina de Rezende, que tocava na igreja na d�cada de 1930, e irm� de Maria da Paz, a ministra da eucaristia Maria da Ajuda Pinto Gomes, de 69, conta que recebeu este nome em homenagem � padroeira de Alto Maranh�o. “Alcancei muitas gra�as”, destaca a devota, que n�o esconde a vontade de ver, o mais r�pido poss�vel, a igreja cheia de gente, principalmente nos domingos. Enquanto esse grande dia n�o chega, os cat�licos assistem �s missas e participam das demais celebra��es em um sal�o do lado da igreja, que � vinculada � Par�quia de S�o Jos� Oper�rio. Na mesa do altar da igreja, as irm�s mostram a imagem do Cristo Crucificado, que tem articula��o nos bra�os e pode ser visto ap�s a retirada de duas portinholas.
O prefeito de Congonhas, Jos� de Freitas Cordeiro (Zelinho), se declara emocionado “por estarmos perto do dia da reabertura da igreja, que comp�e nosso rico patrim�nio art�stico, hist�rico e arquitet�nico e que tem grande import�ncia devocional”. E mais: “A localidade merece aten��o por ser cortada pelo Caminho Velho da Estrada Real”. J� a diretora de Prote��o e Mem�ria do Iepha, Fran�oise Jean de Oliveira Souza, explica que o templo erguido em meados do s�culo 18 � um importante exemplar remanescente da arquitetura religiosa do per�odo colonial. “A edifica��o apresenta, interna e externamente, os elementos t�picos dos templos mineiros setecentistas. Al�m disto, a capela corresponde a um importante registro hist�rico do per�odo da explora��o do ouro em Minas. Implantada em posi��o privilegiada, situa-se em um plat� de onde se tem uma bela vis�o da paisagem local, integrando-se harmoniosamente a seu entorno, que guarda caracter�sticas arquitet�nicas dos arraiais de minera��o”.
O sexo dos anjos
Um detalhe curioso chama a aten��o nos altares laterais e colaterais da Igreja Nossa Senhora da Ajuda, no distrito de Alto Maranh�o, em Congonhas. Os famosos anjinhos barrocos t�m genit�lia, contrariando o ditado de que eles n�o t�m sexo. Algumas esculturas s�o femininas, outras, masculinas (foto), embora a parte �ntima de um deles (de madeira) tenha sido quebrada. “S�o chamados de anjos atlantes ou simplesmente atlantes, pois sustentam as colunas. N�o � muito comum ver dessa forma nas igrejas mineiras”, observa o diretor de Patrim�nio de Congonhas, Luciomar Sebasti�o de Jesus. Triste � que as imagens dos altares foram roubadas h� muitos anos e n�o recuperadas: Santo Ant�nio, Nossa Senhora do Ros�rio, Santana Mestra, S�o Benedito, Santa Efig�nia e S�o Domingos. No altar-mor, fica a r�plica da padroeira e a original, muito bem guardada.