
Em todo o estado, foram 3.926 casos de estupro no ano passado, ligeira queda em rela��o ao ano anterior (-1,1%), quando houve 3.971. Os dados informados pela Sesp fazem parte da consolida��o dos n�meros de crimes violentos registrados em 2016. Em BH, ocorreu um aumento dos crimes, que passaram de 550 para 568, no comparativo de 2015 com 2016 (+3,2%). Casos recentes na cidade voltaram a acender o alerta sobre a quest�o: na quinta-feira passada, foi preso um homem suspeito de ter feito pelo menos tr�s v�timas – duas estudantes de 14 e 17 anos e uma mulher de 41 anos – nos �ltimos 50 dias na Regi�o da Pampulha. Na madrugada de segunda-feira, uma jovem de 23 anos acusou um seguran�a de uma boate no Bairro Santa Terezinha, tamb�m na Pampulha, de t�-la estuprado quando sa�a da casa noturna. O homem, de 26 anos, foi detido em flagrante.
A titular da Delegacia de Atendimento � Mulher, ao Idoso e � Pessoa com Defici�ncia (Demid), Camila Miller, informa que este m�s houve aumento de cerca de 20% nos casos de estupro em BH. “Nos �ltimos 30 dias est�o chegando mais ocorr�ncias e aparecendo mais na m�dia, mas nada que v� impactar as estat�sticas. H� per�odos com mais casos e outros com menos”, afirma. A delegada acrescenta que a redu��o dos n�meros � dificultada pelas pr�prias caracter�sticas da investiga��o. “� um crime muito dif�cil de se apurar, pois o autor o comete �s escondidas. Se o homem � conhecido da v�tima, temos um elemento. Mas, quando a mulher � abordada no meio da rua, muitas vezes � impedida at� de olhar para o rosto dele. Quando a v�tima n�o tem muitos dados e n�o h� outros rastros, � complicado”, afirma.
Camila Miller ressalta que � imprescind�vel que as v�timas compare�am � delegacia para prestar depoimento e mudar o quadro de subnotifica��o dos crimes sexuais. “Muitas ficam com vergonha e n�o querem reviver o momento. Algumas vezes, s� aparecem depois de ser encorajadas por algo semelhante que ocorre com algu�m. � importante estarem seguras para vir. Aqui, ser�o atendidas por mulheres”, explica.
V�TIMAS DO SIL�NCIO
Criminalista e mestre em ci�ncias sociais, o advogado Warley Belo destaca que a subnotifica��o sofre influ�ncia do chamado “esc�ndalo processual”: as v�timas preferem o sil�ncio a levar o caso � pol�cia e � Justi�a e torn�-lo p�blico. “O crime de estupro � condicionado � representa��o. A v�tima violentada sexualmente precisa dar autoriza��o para o in�cio do processo e, muitas vezes, opta pela impunidade, para n�o ter o fato divulgado na sociedade”, explica. A abertura de inqu�rito s� � autom�tica em caso de estupro de menor de idade e de pessoas consideradas vulner�veis.
Segundo Warley, integrante da Ordem dos Advogados do Brasil em Minas Gerais (OAB/MG), publica��es indicam que, na maioria dos casos, os autores s�o conhecidos das v�timas. “O fato de haver uma Delegacia de Mulheres incentiva as den�ncias, pois elas sabem que chegar�o l� e ser�o recebidas e atendidas por uma mulher”, diz. Outro fato a que ele atribui o aumento dos casos de estupro � a pr�pria lei.
Modificada em 2009, a reda��o do artigo 213 do C�digo Penal, que trata do assunto, ampliou o universo do que � considerado estupro. “Abarca desde um beijo mais agressivo, uma passada de m�o, uma encostada abusiva no �nibus ou metr� at� a conjun��o carnal propriamente dita. No carnaval, por exemplo, quando muitas mulheres s�o pegas � for�a para ser beijadas, pode ser configurado estupro, que tem uma pena pesada, de 6 a 10 anos de pris�o”, diz. O advogado considera que as puni��es s�o desproporcionais. “O que temos hoje � uma jun��o da viol�ncia no artigo 213, que desperta uma cr�tica em rela��o ao excesso. Talvez em decorr�ncia disso tenhamos n�meros mais altos”, explica.
MACHISMO Coordenadora da casa Sempre Viva, de acolhimento � mulher v�tima de viol�ncia, a psic�loga Carolina Mesquita diz que n�o se pode pensar em uma explica��o �nica para um fen�meno que � recorrente, mas que passa por uma quest�o cultural. “Se pensarmos que as mulheres por muito tempo viviam sexualmente sendo violentadas pelos seus maridos, a perspectiva em que eu trabalho me faz acreditar que uma das raz�es � a viv�ncia de uma cultura machista, segundo a qual o homem pode se apropriar do corpo de uma mulher, ainda que ela n�o queira”, afirma.
“Podemos pensar numa doen�a mental, mas n�o d� para fechar a quest�o s� nela. Que doen�a � essa, que tratamento haver� para algu�m que se comporta dessa forma? Claro que n�o d� para pensar em uma ideia de normalidade comportamental, mas ser� que um namorado, um marido, um pai, uma pessoa que escolhe algu�m na rua e a violenta entende que h� uma anormalidade nesse comportamento?”, questiona.
Para Carolina, h� uma cultura machista que determina que as mulheres tenham cuidado com a roupa que vestem, com o local por onde circulam � noite, com o ponto de �nibus. “H� uma naturaliza��o t�o grande em rela��o a como esse machismo est� arraigado na nossa cultura que nos acostumamos, como se fosse normal, a n�o andar � noite e a n�o chegar em casa � noite sozinha, dependendo do lugar, a n�o ir de short ou de vestido curto. Porque h� uma hist�ria cultural e social de que as mulheres s�o propriedades dos homens, ainda que n�o queiram, que se perpetua nos nossos espa�os cotidianos.”
O que diz a lei
Artigo 213 do C�digo Penal
Constranger algu�m, mediante viol�ncia ou grave amea�a, a ter conjun��o carnal ou a praticar ou permitir que com ele se pratique outro ato libidinoso: pena de 6 a 10 anos de pris�o. Se resultar em les�o corporal ou v�tima for menor de 18 anos ou maior de 14: 8 a 12 anos. Se houver morte: 12 a 30 anos. (O atentado violento ao pudor, usado at� 2009 para caracterizar a viol�ncia contra os homens, foi retirado da legisla��o, que agora admite que tanto mulheres quanto homens podem ser v�timas de estupro.)
Viol�ncia em n�meros
Ocorr�ncias de estupro nos �ltimos cinco anos
» Minas Gerais
2016 3.926
2015 3.971
2014 4.003
2013 4.112
2012 4.135
» Belo Horizonte
2016 568
2015 550
2014 567
2013 553
2012 648
