De acordo com a Jamille, ela passou o fim de semana com o marido, que mora na capital paulista, e embarcou para retornar a Belo Horizonte na noite de segunda-feira. Ap�s quatro horas de viagem, o �nibus parou em Perd�es e ela desceu com o beb� para lanchar. “Foi ent�o que entrei no banheiro e uma mo�a deu a m�o para a minha filha e come�ou a brincar. M. � uma crian�a muita tranquila, todo mundo brinca com ela e n�o me importei. Mas, de repente, a mulher come�ou a gritar: ‘Essa filha � minha!’”, contou a v�tima. Assustada, ela pegou a menina no colo.
Foi naquele momento, sustenta Jamille, que uma faxineira da lanchonete perguntou � outra mulher, que tem cerca de 30 anos: “Essa preta a� pegou sua filha?” “Foi quando todos questionaram se eu era mesmo m�e da crian�a”, afirma Jamille. Ela conta que a mulher que tentou sequestrar M. tinha em m�os uma certid�o de nascimento de uma menina chamada J�ssica, que teria 1 ano e 8 meses. Nesse momento, relata, a mulher continuou a gritar que M. era filha dela e acusou Jamille de sequestradora. “A faxineira puxou M. do meu colo e a entregou para a mulher. Ela disse que M. jamais poderia ser minha filha porque ela � branca e eu sou negra”, afirmou. Segundo Jamille, outros tr�s funcion�rios da lanchonete – duas mulheres e um homem – ajudaram a arranc�-la do seu colo. A mulher teria chegado a colocar a crian�a dentro do carro e a posicionado em uma cadeirinha de beb�.
“Eu fiquei muito apavorada e n�o sabia como provar o contr�rio. O motorista do �nibus me perguntou como eu havia conseguido embarcar com ela e me lembrei que o RG e o CPF estavam em minha bolsa”, contou Jamille. Segundo Jamille, foi preciso mostrar para v�rias pessoas todos os documentos, al�m de um v�deo do parto que estava no seu celular para provar que a crian�a � sua filha e conseguir que a ajudassem a resgat�-la. Ela diz que tentou registrar uma ocorr�ncia imediatamente e denunciar a discrimina��o racial e a tentativa de sequestro. “Quando todos acreditaram em mim, o motorista disse que n�o poderia me esperar. Estava t�o apavorada e com medo que fui embora”, contou. Ao tentar registrar a ocorr�ncia na rodovi�ria, mais um problema. “Eles (policiais) zombaram de mim e disseram que era imposs�vel sem os dados da mulher. Eu n�o tinha nem o nome dela”. A ocorr�ncia s� foi finalmente registrada na Delegacia da Mulher de Betim.
O marido de Jamille, Roberto Edaes, de 25, diz que o caso exp�e o racismo que h� no pa�s. "Infelizmente n�o ser� a primeira vez nem a �ltima que ocorrer� esse tipo de situa��o. Aquelas hist�rias absurdas que nossos pais nos contam acontecem de verdade. Como dizia Renato Russo, vivemos em um mundo doente”, diz.
Ele considera inclusive que as pessoas podem ter agido dessa forma porque se tratava de uma mulher. "Se fosse com um homem negro e a filha branca tamb�m haveria esse mesmo questionamento? Precisamos debater isso, precisamos ficar atentos”, completou.
ESTRUTURAL “A suspeita da maternidade � apenas um fragmento das recorrentes cenas de racismo e discrimina��o racial que ocorrem cotidianamente no Brasil. Os �ltimos censos apontam que os casamentos interraciais, por exemplo, entre negros (autodeclarados pretos e pardos) e brancos n�o s�o t�o comuns quanto nos parece. Heran�a do racismo, negros e negras quando t�m filhos e filhas fenotipicamente brancos s�o tratados como ‘cuidadores e cuidadoras’ dessas preciosidades”, afirma Aline Neves, militante negra, professora da Educa��o B�sica e Pesquisadora do Programa A��es Afirmativas na UFMG. “Na escola, no restaurante, no parquinho, em in�meros lugares, estar� a mulher negra colocada em suspeita”, diz.
Para a especialista, o ocorrido com Jamille Edaes apresenta dois fragmentos de sofrimento para a mulher: o risco de se perder um filho e a ofensa racial, devido a difenre�a gen�tica entre amabas. "N�o � dif�cil imaginar o medo de nome da v�tima diante do risco de ter a filha roubada. Entre os dois corpos em luta pelo direito da crian�a, e a fragilidade do discurso de uma mulher negra, cuja filha n�o tem o mesmo fen�tipo que o dela, est� o racismo para defini��o da maternidade. Como pode uma mulher negra ter uma filha branca? O imagin�rio n�o nos permite aproxima��es, pois at� mesmo a beleza � hierarquizada, os sentimentos s�o hierarquizados e tudo segue a favor desta mulher branca. A humilha��o em ter que provar a que filha � sua, nome da v�tima, � semelhante aqueles que t�m seus filhos apartados de si pelo fato da vulnerabilidade, em especial em Belo Horizonte – m�es �rf�s."
Segundo o cientista-social Robson S�vio, integrante do N�cleo de Estudos Sociopol�ticos da Pontif�cia Universidade Cat�lica (PUC Minas) e do F�rum Brasileiro de Seguran�a P�blica, � preciso uma investiga��o apurada, atenta aos perigos da rodovia. “� preciso analisar se trata-se de uma situa��o pontual ou se essa mulher que teria tentando sequestrar a crian�a faz parte de uma quadrilha. Outra op��o � que ela tenha princ�pios fascistas, que acredite na supremacia branca e ache que tirar aquela crian�a de um ber�o negro seria um ‘favor’ para ela”, disse.
Ele pondera que as estradas se tornam locais prop�cios para esse tipo de crime, devido � falta de articula��o entre policias. “Falta uma articula��o entre as pol�cias Federal, estaduais e rodovi�rias militares. Al�m do tr�fico de pessoas, o de drogas e o de armas s�o constantes”, afirma. E mais: Todas as dificuldades enfrentadas pela v�tima para conseguir registrar um boletim de ocorr�ncia tamb�m desencorajam as pessoas a fazer o mesmo, comenta.