Dos gramados para o arranha-c�u e dele, para a boca do povo: um galo-carij� incans�vel contra a ast�cia de uma raposa. A eterna rivalidade que agora toma forma na lateral do Edif�cio Sat�lite, na Rua da Bahia, 478, Centro de Belo Horizonte, grafitada para o Circuito Urbano de Arte (Cura), ganhou vida pela primeira vez na hist�ria pelas m�os do professor, jornalista, desenhista e pintor Fernando Pierucetti, o Mangabeira, respons�vel por criar as mascotes dos principais clubes mineiros em 1945.
Enquanto o representante do Atl�tico nasceu inspirado nas cores preta e branca em comum e das ent�o famosas rinhas de galo na capital, o Cruzeiro teve como �cone a raposa, em homenagem a um ex-presidente do clube, conhecido pela agilidade na hora de fechar negocia��es. Completando 72 anos, os bichos agora foram soltos em tamanho gigante pelas m�os de outro artista, para estampar um dos pr�dios escolhidos para ganhar colorido em suas paredes antes sem brilho.
Mal come�aram a ganhar forma em sua eterna batalha, galo e raposa atra�ram olhares admirados, curiosos e tamb�m controversos. O artista Thiago Mazza, respons�vel pela obra, se adianta e nega que a prefer�ncia club�stica tenha interferido na concep��o estampada na tela gigante de mais de 400 metros quadrados.
Segundo ele, a disposi��o do painel reflete antes de tudo equil�brio. Em posi��o de ying e yang, positivo e negativo, galo e raposa representam, segundo o muralista, estabilidade. “Por causa da rivalidade natural dos dois, um n�o vive sem o outro”, afirma o grafiteiro.
Mas o p�blico tra�a suas pr�prias interpreta��es sobre a imensa obra de arte ao ar livre. “N�o gostei disso a� n�o. O galo est� por cima, bicando a raposa”, brincou a diarista cruzeirense Rosana Gomes, de 50 anos, que passava pela Rua da Bahia ap�s sair do trabalho. Ela aproveitou a oportunidade para se declarar ao time do cora��o.
“Aposto que esse artista � atleticano”, riu. Mas, contra as interpreta��es de torcedores apaixonados, Thiago explica que a posi��o do galo e da raposa � uma quest�o de concep��o natural e da l�gica das esp�cies. “O galo n�o poderia estar por baixo, porque ele � uma ave. A raposa � muito �gil na terra. Isso gera o equil�brio”, disse
A inspira��o para o trabalho surgiu quando Thiago voltou de um festival na R�ssia, cujo tema eram lendas e mitos. L�, conheceu contos e f�bulas e, entre eles, um que envolvia a raposa e o galo e a eterna rivalidade entre os animais. O muralista conta que na narrativa, o galo cacarejava em cima de uma �rvore e a raposa cuidava de bolar uma trama para que ele descesse e fosse o prato principal de seu jantar.
Segundo o conto, a raposa diz ao galo que havia sido assinada uma proclama��o de paz entre todos os bichos. Portanto, a ave poderia descer da �rvore. Mas o galo, desconfiado, fingiu ver algu�m se aproximando. “Quem vem l�? Quem vem l�?”, perguntou a raposa. O galo responde: “Uma matilha de c�es de ca�a”. A raposa responde ent�o que precisava se apressar. “O que � isso, raposa? Voc� est� com medo? Se tal proclama��o est� mesmo em vigor, os c�es n�o v�o atac�-la”, disse o galo. Esperta, a raposa respondeu: “Talvez eles ainda n�o saibam”.
MORAL DA
HIST�RIA
Para Thiago, a li��o da f�bula gira em torno da eterna rivalidade entre os animais: a raposa sempre tentando levar a melhor sobre o galo, que tem suas pr�prias armas para se defender. “Eu comecei a desenhar os bichos, e s� depois de um tempo caiu a ficha e me lembrei de Atl�tico e Cruzeiro. Guardei o desenho e decidi que o faria como homenagem � minha cidade natal, Belo Horizonte”, contou. Agora, o muralista realiza o sonho de pintar em sua terra a maior tela de sua carreira.
“A maior tela que eu pintei tinha 17 metros, aqui tenho 40 de altura. Fazer esse trabalho na minha cidade � uma grande realiza��o”, afirmou Thiago. O festival termina amanh� e a pintura do artista est� quase pronta: s� falta finalizar o fundo e acrescentar algumas sombras.
Sobre a repercuss�o, Thiago diz se divertir ao ouvir os coment�rios da rua. Mas, h� quem o critique e diga que o desenho incentiva a viol�ncia. Para esses, o artista tem seu recado: “Ao terminar, quero que a qualidade supere a pol�mica. Que seja mais bonito do que a disputa entre os dois clubes”, afirma.
O desejo do muralista se traduz em olhos como os do aposentando Ildeu Mansur, de 80, que passeava pela Rua da Bahia rumo a uma consulta m�dica. Com bengala e passos curtos, o senhor apreciava as cores da obra. “Essa pintura me lembrou um desenho que tenho na minha ch�cara, l� no interior. Achei muito bonito.
Um desenho importante para a cidade”, afirmou o aposentado. Indagado sobre a rivalidade entre as macotes dos times de futebol da capital, ele se surpreende: “Olha s�, eu nem tinha percebido. S� relacionei porque voc� me falou”.
O artista
Nascido em Belo Horizonte em setembro de 1984, Thiago Mazza foi criado entre Ouro Branco e o distrito de Santa Rita de Ouro Preto, na Regi�o Central de Minas Gerais. O jovem partiu para a capital mineira para estudar, formou-se em design gr�fico na Universidade Estadual de Minas Gerais e trabalhou como ilustrador em ag�ncias de publicidade, mas n�o seguiu carreira na �rea. Come�ou a pintar sob a influ�ncia de amigos grafiteiros.
Desde que fez o primeiro mural no quarto de casa, em novembro de 2011, come�ou a desenvolver estilo pr�prio, mas nem imaginava pintar um grande pr�dio no Centro da capital. O trabalho do muralista reflete sua paix�o pela natureza e � marcado pelos detalhes. “Isso por causa da minha inf�ncia. A gente vivia muito na terra. Eu seguia passarinho de �rvore em �rvore. Acho legal levar a natureza para o contexto urbano”, afirma.
Da concep��o � visita guiada
O mural que reflete o equil�brio e a eterna rivalidade entre galo e raposa faz parte do Circuito Urbano de Arte (Cura), que consiste em quatro pain�is pintados nas empenas, como s�o conhecidas as faces laterais, de grande pr�dios no Centro de BH. Os trabalhos come�aram no fim do m�s passado, com a meta de resgatar a trajet�ria da arte urbana na cidade, e devem ser conclu�dos no domingo. A ideia de fazer as pinturas simult�neas surgiu pelo olhar da artista visual Priscila Amoni e das produtoras Juliana Flores e Jana�na Macruz.
Ao sonhar que a capital se torne refer�ncia internacional no conceito de artes urbanas, o trio concebeu o Cura, que conta ainda com a artista Priscila Amoni; a equipe do Acidum Project, de Fortaleza, formada por Tereza Dequinta e Rob�zio Marqs; e a artista espanhola Marina Capdevilla. Hoje, o circuito recebe um passeio guiado pela Rua Sapuca�. A experi�ncia prop�e uma contempla��o do Centro da cidade com outro olhar.
Na ocasi�o, especialistas convidam os belo-horizontinos a compartilhar hist�rias sobre o processo de edifica��o da regi�o central e da arte urbana em BH. Os pr�dios que receberam cara nova foram mapeados a partir da vista da Rua Sapuca�, transformando a vista em um mirante de arte.
Servi�o
A visita guiada ao pain�is come�a hoje �s 14h e percorrer� a Rua Sapuca�, entre o Viaduto Santa Tereza e o espa�o “Mirante Cura”, com uma aula cultural a c�u aberto. A programa��o completa pode ser conferida no Facebook: www.facebook.com/events/488763721470298.