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Estado de Minas

V�timas da trag�dia de Mariana ainda esperam novas casas e puni��o dos culpados

Suspens�o do processo penal para punir os respons�veis pelo desastre aumentou o des�nimo e a revolta das v�timas, que h� dois anos enfrentam as dificuldades da 'cidade grande' em casas alugadas enquanto esperam a constru��o do novo Bento


postado em 10/08/2017 06:00 / atualizado em 10/08/2017 07:32

Aos 77 anos, dona Benedita, que perdeu a bisneta no desastre, sonha em voltar para roça, onde tinha casa de nove cômodos (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Aos 77 anos, dona Benedita, que perdeu a bisneta no desastre, sonha em voltar para ro�a, onde tinha casa de nove c�modos (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)

“Estou aqui em Mariana, mas s� por enquanto. Quero voltar para a minha casa para plantar minha hortinha, mas a demora s� aumenta”. A fala � da dona de casa Benedita Gon�alves de Sena, de 77 anos, uma das v�timas do tsunami de lama que atingiu e devastou o distrito de Bento Rodrigues, na Regi�o Central de Minas, depois do rompimento da Barragem do Fund�o, h� quase dois anos. As v�timas da trag�dia tiveram que deixar suas casas e se mudar para im�veis alugados no munic�pio de Mariana. E ainda hoje sofrem a perda do que consideram uma vida com mais qualidade na ro�a, fora da “cidade grande”. Os problemas s�o muitos, entre eles, a dist�ncia que se estabeleceu entre parentes e a dificuldade de cultivar alimentos para o pr�prio sustento.

A eles se somaram nesta semana a revolta e o des�nimo ao verem suspensa a a��o penal movida para punir os respons�veis pelas mortes no maior desastre socioambiental do Brasil. A decis�o que p�e em banho-maria o processo movido contra 22 funcion�rios e diretores da Samarco e suas controladoras – Vale e BHP Billiton – e da empresa VogBR, foi tomada pela Justi�a Federal em Ponte Nova, na Zona da Mata, para an�lise da alega��o da defesa sobre suposto uso de prova il�cita na a��o penal.

Em 5 de novembro de 2015, o que parecia um dia comum para Benedita, que estendia as roupas no varal em frente ao quintalzinho –uma gostosa planta��o de hortali�as e frutas – virou um pesadelo e deixou um vazio em sua fam�lia. A pequena bisneta Emanuelly Vit�ria Fernandes, a Manu, de 5 anos, entrou na lista das 19 mortos no desastre. Emanuelly, encontrada na regi�o de Ponte de Gama, estava nos bra�os do pai, junto do irm�o Nicolas, quando o mar de barro a levou. “Esquecer, a gente n�o vai esquecer. Lembro-me dela todos os dias. S� queremos que esse processo acabe para n�s voltarmos para nosso lugarzinho”, disse Benedita, com os olhos marejados.

Enquanto os pais da crian�a se mudaram para Pereira, na Zona da Mata, para tentar reconstruir a vida, a bisa Benedita precisou trocar a grande casa de nove c�modos por um pequeno apartamento de tr�s quartos com os dois netos. Em uma cozinha conjugada com uma pequena sala de televis�o, Benedita preparava ontem arroz, feij�o, angu e carne mo�da para o almo�o. “Uma neta dorme comigo e o outro tem o quarto s� pra ele. Gostaria de poder receber minha fam�lia, ter um espacinho para dormirem. Agora, todos precisam ficar esparramados em colch�es pelo ch�o”, lamenta. O relato da senhora de cabelos grisalhos se repete entre os antigos vizinhos, agora espalhados pela cidade com mais de 60 mil habitantes. J� em Bento Rodrigues, eram cerca de 600 moradores.

Por�m, no Centro de Mariana � f�cil identificar algu�m que conhe�a antigos moradores de Bento. “� s� seguir reto, a casa cinza, logo em frente, tem uma fam�lia. Logo ao lado, na grade verde, tem outra”, disse uma mulher que passava pela rua. Na casa cinza encontrava-se Oldileia Celi Caetano, de 42, dona da casa, morando com as duas filhas adolescentes, de 12 e 15 anos. “Aqui, s� temos muros altos. L�, eram cercas de bambu. Pod�amos conversar com a vizinha pela janela. Eu tenho muita saudade disso”, disse a dona de casa. Os gastos tamb�m aumentaram com a vinda para cidade. “L�, eu tinha minhas galinhas, minha pr�pria terra. Meu sustento vinha de casa. Agora, preciso comprar vasos e adubo para plantar em pequenos vasinhos”, contou a dona de casa.

Oldileia conta que as filhas j� voltaram para a rotina na escola e fizeram novos amigos. Mas faz quest�o de sair no port�o de casa para conferir se as adolescentes pegaram o �nibus. “Eu fico de olho”, contou a m�e, que se sente mais insegura na cidade em que n�o escolheu morar. “Quando chegamos, tive que brigar para conseguir um transporte para levar as meninas para a escola. Se o �nibus as buscava na porta de casa, agora, n�o pode ser diferente”, disse a dona de casa, que se preocupa. Lu�za Fernanda, de 24, tamb�m teme pelas filhos de 7,  3 e 1 ano. “A mais velha n�o pode assistir a nada na televis�o pois ela come�a a chorar. Tinha v�rios pesadelos e dificuldade para dormir”, lamentou a m�e.

Rafaela Aparecida e Raquel Luciana com a mãe Odileia Felipe: a insegurança da 'cidade grande' virou o grande temor da família(foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
Rafaela Aparecida e Raquel Luciana com a m�e Odileia Felipe: a inseguran�a da 'cidade grande' virou o grande temor da fam�lia (foto: Paulo Filgueiras/EM/DA Press)
REVOLTA Indagada sobre a suspens�o do processo para punir os respons�veis pela trag�dia, Odileia � enf�tica: “Para destruir foi r�pido, n�? Destruiu e matou sem avisar ningu�m. Agora, para punir, cad�? O que vale? Vale um simples cart�o e um aluguel de casa? Era isso a nossa vida l�?”. Ela diz n�o acreditar no retorno da fam�lia para o novo Bento – a �rea prometida para os antigos moradores do distrito destru�do –, mas exige uma casa pr�pria para morar. O vizinho de porta, Claudinei Marques da Silva, de 36, ex-funcion�rio da Samarco, compartilha a opini�o: “Se antes o processo estava parado, agora ele est� congelado. Eu j� perdi as esperan�as de voltar. A Samarco n�o resolve nada”, disse, desanimado. Claudinei mora ao lado da filha, dos pais e dos irm�os e sobrinhos, somando oito pessoas, em uma casa com quatro quartos e uma pequena �rea de lazer: “Agora, s� fica o sentimento de revolta.” Ainda muito emocionado ao lembrar da trag�dia, ele conta que come�ou a prestar servi�o para a Samarco, por uma empresa terceirizada, no dia em que a barragem se rompeu. “Foi meu primeiro dia de trabalho. Mas, como voc� tem que ter uma s�rie de documentos, eu n�o estava liberado para ficar pr�ximo da barragem. Ent�o voltei para a empresa. Quando vi, tudo j� tinha acontecido. Foi desesperador”, relembrou.

O presidente da Associa��o Comunit�ria de Bento Rodrigues, Jos� do Nascimento de Jesus, mais conhecido como Zezinho do Bento, outra v�tima da lama – ele saiu de casa apenas com uma bermuda e um celular no bolso, agora se mobiliza para lutar pelos direitos dos moradores atingidos pela barragem. “A Justi�a foi falha, o caso tem que ser julgado. A empresa tem que pagar por aquilo que fez de errado, por isso estamos pedindo o reassentamento o mais r�pido poss�vel. A gente s� est� morando na cidade porque � a necessidade. Gosto do pessoal de Mariana, mas quero minha vida na ro�a, onde eu poderia acordar e tirar o leite da vaca e fazer queijo”, diz Zezinho.

CRONOGRAMA A diretora de Desenvolvimento Institucional da Funda��o Renova, criada pela Samarco para repara��o dos danos, Andr�a Azevedo, disse ontem que entende que s�o leg�timas “as preocupa��es e desconforto” dos moradores de Bento Rodrigues que est�o morando em casas alugadas e tiveram sua vida alterada, mas esclarece que todas as a��es est�o dentro do Termo de Transa��o e de Ajustamento de Conduta (TTAC), assinado entre a Samarco, Vale BHP e diversos �rg�os da administra��o p�blica nos n�veis federal e estadual, incluindo os prazos. “Trabalhamos para que o reassentamento dos moradores ocorra em mar�o de 2019, como foi estipulado”, disse Andr�a.

A diretora disse, ontem, que todas as quest�es, incluindo as urban�sticas, foram discutidas durante meses com os antigos moradores de Bento Rodrigues: “Tivemos 70 reuni�es com a comunidade e um dos pontos ressaltados por todos foi a rela��o de vizinhan�a.” Andr�a explicou que os projetos s�o avaliados por uma c�mara t�cnica de infraestrutura e que alguns pontos, como uma obra de terraplenagem para corrigir uma declividade, fazem parte de um processo normal de ajustes.


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