“Pedi para um aluno sair da janela, pois estava atrapalhando os outros de fazer prova. Depois de v�rias recusas, chamei a Guarda Municipal. Um colega dele disse que professora ‘x-9’ merece morrer. Diante da amea�a, chamei a pol�cia. Apesar de n�o achar que � normal, agress�o virou um contexto de rotina em sala de aula”, afirma Maria*, professora de escola municipal de um aglomerado da Regi�o Leste de Belo Horizonte.
Em um cen�rio de inseguran�a como esse, uma educadora de Santa Catarina denunciou no in�cio desta semana a agress�o f�sica provocada por um aluno de 15 anos, que chocou o pa�s e voltou os holofotes para a viol�ncia, muitas vezes di�ria, enfrentada por milhares de profissionais da educa��o Brasil afora.
Em Minas Gerais, � aguardada para breve regulamenta��o de lei sancionada pelo governador Fernando Pimentel h� quase um m�s, para conter o cen�rio de constrangimento e desrespeito nas unidades de ensino.
No primeiro semestre deste ano, o estado registrou m�dia de 22 crimes por dia nessas institui��es. Em Belo Horizonte, sindicato dos docentes tamb�m espera a cria��o de um protocolo de enfrentamento ao problema na rede municipal.
A Lei 22.623, de julho deste ano, que prev� medidas para conter a viol�ncia contra professores, depende ainda de regulamenta��o pela Secretaria de Estado de Educa��o (SEE). O diagn�stico do cen�rio atual � insuficiente ou mesmo inexistente, j� que as secretarias de Educa��o, tanto estadual quanto municipal, n�o t�m registrada a quantidade de casos.
Outra quest�o � que, por medo de repres�lia ou des�nimo com a burocracia, nem todos os agredidos acionam a Pol�cia Militar para fazer boletim de ocorr�ncia. Quando o fazem, entram no bolo geral de crimes contra a pessoa.
Les�es corporais
Sem controle da �rea educacional, os dados dispon�veis v�m da Secretaria de Estado de Seguran�a P�blica (Sesp). Eles mostram que este ano houve 4.017 infra��es contra a pessoa em institui��es de ensino de Minas Gerais de janeiro a junho deste ano. Isso inclui brigas, agress�es, amea�as, les�es corporais e casos de inj�ria, difama��o e cal�nia.
No ano passado, no mesmo per�odo, houve 5.168. Em Belo Horizonte, foram registradas 612 (m�dia di�ria de 3,4), contra 683 em igual per�odo de 2016. A SEE informou, por meio de nota, que est� desenvolvendo, em parceria com a Prodemge, sistema em rede de registro de situa��es de viol�ncia que permitir� a coleta de dados sobre a situa��o nas escolas.
Na capital, a Guarda Municipal recebeu 34 queixas de janeiro a julho deste ano nas escolas municipais – 18 por amea�a, 14 por brigas e duas por les�o corporal.
O Sindicato dos Trabalhadores em Educa��o da Rede P�blica Municipal de Belo Horizonte (Sind-rede/BH) encaminhou esta semana of�cio � Secretaria Municipal de Educa��o (Smed) pedindo discuss�o de protocolo de enfrentamento � viol�ncia e � indisciplina. A pasta confirmou o recebimento do documento e informou que a reivindica��o est� sendo encaminhada.
Den�ncia On-line
Informalmente, den�ncias podem ser feitas em sistema on-line desenvolvido pelo sindicato. Ao longo de 2016, foram 49 den�ncias, sendo 15 por agress�o f�sica, 13 por agress�o verbal, 11 por intimida��o e 10 por amea�a.
“Estamos preocupados sobre a forma como a escola deve lidar com a situa��o. Em um ato infracional, por exemplo, deve-se chamar s� o Conselho Tutelar ou tamb�m a Pol�cia Militar e a Guarda Municipal? A falta de protocolos dificulta o encaminhamento para o professor e a fam�lia do aluno”, afirma o diretor de Comunica��o do Sind-Rede, Wanderson Rocha.
O Brasil est� no topo do ranking de viol�ncia contra o professor, segundo pesquisa da Organiza��o para a Coopera��o e Desenvolvimento Econ�mico (OCDE). O levantamento aponta que 12,5% dos docentes brasileiros disseram sofrer viol�ncia verbal ou intimida��o de alunos, pelo menos uma vez por semana. Em segundo lugar aparece a Est�nia, com 11%, e, depois, a Austr�lia, com 9,7%. A pesquisa foi feita em 34 pa�ses, com a participa��o de 100 mil professores e diretores dos n�veis fundamental e m�dio.
*Nome fict�cio
Agress�es mostram colapso no sistema educacional
A educadora e doutora em educa��o pela PUC-Rio Andrea Ramal ressalta que � preciso lidar com esses casos de maneira s�ria, de modo a evitar um colapso. “As agress�es n�o s�o apenas f�sicas. H� amea�as, insultos, roubos, danos a carros, bullying pela internet. Se desejamos uma educa��o de qualidade, e sobretudo uma sociedade melhor, n�o podemos lidar com agress�es a professores como se fosse natural. Ela � sinal de colapso no sistema educacional e at� mesmo colapso social”, diz.
Para ela, parte da explica��o do problema est� no pr�prio sistema educacional. “O magist�rio � t�o mal remunerado que n�o atrai, e quem entra muitas vezes n�o recebe a prepara��o adequada, leciona sem experi�ncia, tem poucos recursos did�ticos para inovar. Assim � dif�cil conquistar o estudante. Os alunos ficam desmotivados, hiperativos, indisciplinados. Quando o professor tenta manter a ordem, gera revolta. A sala de aula, em muitos lugares, se converte em um campo de batalha”, afirma.
Andrea cobra tamb�m da fam�lia sua parcela de responsabilidade. “O que ocorreu em Santa Catarina, que n�o � caso isolado, tamb�m mostra que muitos jovens n�o est�o aprendendo em casa valores essenciais. E tamb�m n�o t�m uma educa��o para valorizar os mestres e seu papel nas nossas vidas.”
Viol�ncia e drogas
Maria*, a professora dos anos finais do ensino m�dio da rede municipal de BH, � um retrato desse cotidiano. Como ela mesma gosta de frisar, a viol�ncia n�o se justifica por nada, mas pode explicar alguns aspectos. O aglomerado onde a escola fica tem um alto �ndice de viol�ncia dom�stica, disputa por drogas e aliciamento de crian�as e adolescentes para o tr�fico. Todos os dias, segundo ela, adolescentes pulam o muro da escola para vender drogas. Somente este ano, dois alunos foram assassinados por traficantes. Nesta sexta-feira ela recebeu a not�cia de que um estudante de 15 anos n�o ir� mais � aula, pois est� “fugido”, ou seja, tem criminosos em seu encal�o.
Numa das situa��es mais graves que viveu, no fim do ano passado, um aluno quase partiu para a agress�o ao ser repreendido por desordem em sala de aula. “Ele abriu os bra�os e avan�ou para cima de mim. Fiquei parada. Tinha certeza de que seria agredida. Ele falou palavr�es, me chamou de folgada. Eram 10h e fiquei at� as 15h30 esperando a pol�cia chegar para fazer ocorr�ncia”, conta, acrescentando que as agress�es verbais s�o rotineiras. Apesar de tudo, Maria acredita na educa��o como fonte de mudan�a.
A Secretaria Municipal da Educa��o informou, por meio de nota, que tem desenvolvido a��es para encarar o problema. Entre elas est�o em andamento rodas de conversa sobre conviv�ncia escolar, a orienta��o sobre a constru��o do Plano de Conviv�ncia Escolar de 40 escolas municipais, para 2017, e de 134, para 2018, e a cria��o de C�mara de Media��o de Conflito dos colegiados escolares. A Secretaria de Estado de Educa��o tamb�m relatou medidas que valorizem o profissional da educa��o. Um exemplo � o Programa de Conviv�ncia Democr�tica nas Escolas, que est� sendo implantado desde o in�cio do ano em todas as regionais do estado.
Li��es de preven��o
Propostas para combater a viol�ncia nas unidades de ensino
» Pais
Nunca falar mal dos professores ou questionar a autoridade deles na frente dos filhos. Dar o exemplo, referindo-se aos educadores com respeito. Envolver-se na vida escolar e tratar a escola como parceira na educa��o, em vez de empresa contratada para um servi�o.
» Escolas
Amparar o professor em suas decis�es e nunca desautoriz�-los diante dos alunos. O preju�zo na forma��o, nesses casos, � imenso.
» Professores
Abrir o di�logo e investir na rela��o com as turmas. Em vez de ser conteudista e distante, ser formador, educador, pr�ximo do jovem
» Poder p�blico
Investir em forma��o continuada. Al�m disso, tratar de casos de viol�ncia com a seriedade que o assunto exige, com medidas mais r�gidas.
Fonte: Andrea Ramal, doutora em educa��o