Barra Longa e Mariana – Gente relegada a casas com quintais soterrados, sem recursos e assist�ncia. Vizinhan�a dividida, se hostilizando mutuamente por medo de perder o sustento familiar ou lutando por isso. Terras improdutivas, rios desprovidos de peixes e incerteza no rumo de vidas sem trabalho seguro nem moradia definitiva. A praticamente um m�s de a maior trag�dia socioambiental do Brasil completar dois anos, os atingidos, representantes de munic�pios e o Minist�rio P�blico denunciam a execu��o de apenas uma parte insuficiente da repara��o devida ap�s o rompimento da Barragem do Fund�o, que fica no complexo miner�rio da Samarco, em Mariana, na Regi�o Central de Minas Gerais.
“Somente um ter�o do que poderia ter andado, daquilo que foi acordado e do que se precisa nas quest�es dos atingidos e ambientais efetivamente ocorreu”, destaca o procurador da Rep�blica Jos� Ad�rcio Leite Sampaio, coordenador da for�a-tarefa do Minist�rio P�blico Federal (MPF) em Minas Gerais, que apura responsabilidades e intermedeia a repara��o dos danos causados.
Para o procurador, o aspecto pior e mais urgente � o drama das pessoas afetadas. “A trag�dia humana � sem d�vida o que mais chama a aten��o, por ser um cen�rio desalentador”, define.
Em 5 de novembro de 2015, a Barragem do Fund�o se rompeu e despejou 34 metros c�bicos (m3) de rejeitos de min�rio de ferro na Bacia do Rio Doce, alcan�ando o mar no estado do Esp�rito Santo, depois de 16 dias.
A for�a dessa onda de �gua e lama de 20 metros de altura arrebatou caminh�es e tratores, matando 14 pessoas que trabalhavam no complexo miner�rio e outras cinco que foram soterradas pelo tsunami no distrito de Bento Rodrigues, a apenas cinco quil�metros de dist�ncia do reservat�rio. �s fam�lias dessas v�timas foi adiantada, a t�tulo de indeniza��o, a import�ncia de R$ 100 mil.
Pode parecer uma quantidade emergencialmente satisfat�ria, mas dois anos depois o quadro se degrada para o cen�rio desalentador apontado pelo coordenador da for�a-tarefa. Sem incrementos posteriores, essa import�ncia representa, desde quando foi paga (23 de dezembro de 2015), m�dia de R$ 162 por dia.
A apenas 20 quil�metros de Bento Rodrigues, o vilarejo de Paracatu de Baixo teve quase metade de suas moradias inundadas pela lama. Debaixo dessa onda estava o sonho de ter uma casa pr�pria do caseiro Roberto Carlos de Paula, de 60 anos.
H� quase um ano ele constru�a, com as pr�prias m�os e a ajuda de amigos e familiares, aquele que seria o seu primeiro teto. Estava saindo tudo do seu jeito. O lugar era perto do campo de futebol onde treinava um time, da igreja, dos amigos e dos familiares.
“N�o ia precisar mais de viver na casa dos outros de favor. A� veio a lama e levou minha casa embora e tudo que tinha dentro. Inclusive as ferramentas de trabalho”, lamenta. O drama dele, agora, � saber quando � que vai poder sair de Mariana para ter uma casa na nova vila, que ser� constru�da pela Funda��o Renova – a previs�o � o primeiro semestre de 2019.
“Quero meu canto. Estou recebendo aluguel da Renova, mas n�o aguento ficar em Mariana. Venho tr�s vezes por semana aqui para este deserto – a comunidade devastada de Paracatu de Baixo, onde praticamente ningu�m mais habita. Na cidade n�o posso plantar, n�o tenho sossego”, desabafa.
A situa��o de Roberto Carlos ilustra bem o drama da perda e da inseguran�a dos atingidos. “A quest�o humana tem sido a pior, basta ver como � pequeno o n�mero de pessoas efetivamente contempladas pelos programas (sociais), a desigualdade com os moradores de Barra Longa, o preconceito com os moradores de Bento Rodrigues (s�o apontados como culpados pelo fechamento dos empregos da Samarco), os pescadores que est�o abandonados, os �ndios crenaques, insatisfeitos”, exemplifica o procurador da Rep�blica Jos� Ad�rcio Leite Sampaio.
Compensa��o pela metade
A cada dia, a trag�dia do rompimento da Barragem do Fund�o aumenta um pouco para o produtor rural de Barra Longa Eder Felipe da Silva, de 40. Em 6 de novembro de 2015, a onda de rejeitos que veio pelo Rio Gualaxo do Norte, de Mariana, tomou o Rio do Carmo e a cidade de Barra Longa, bem no encontro dos dois cursos d’�gua.
“Meu terreno ficava na beira do rio e sumiu debaixo da lama. Tinha 50 cabras que foram arrastadas rio abaixo”, lembra. Naquele momento, o desespero dele foi o de ter perdido a fonte de sustento. Mas tudo foi piorando. “O tempo foi passando e a Samarco trouxe as m�quinas para tirar a lama. Mas aquele vaiv�m de caminh�es e tratores abalou o barranco da rua e minha casa foi interditada pela Defesa Civil”, conta.
A situa��o o obrigou a depender de doa��es, depois de se cadastrar para receber aluguel e aux�lio mensal. Mas esse estresse resultou em uma forte depress�o e a necessidade de acompanhamento m�dico e ps�quico.
Os profissionais com quem se tratava lhe recomendaram a voltar a criar animais para retomar a vida que tinha. Com isso, conseguiu da Funda��o Renova 14 bezerras, o aluguel de um pequeno terreno na beira do rio e o fornecimento de silagem para alimentar os animais.
“� nessa hora que voc� pensa que tudo vai se acertar que leva outro tombo”, costuma dizer. Isso porque em pouco tempo as bezerras cresceram e passaram a comer mais e a ocupar um espa�o maior do que o fornecido.
“Precisei conseguir que meu irm�o me emprestasse um pedacinho de terra dele para trazer as vacas, que j� est�o at� prenhes”, afirma, mostrando as rezes gr�vidas se espremendo num pequeno cercado.
“Por causa da falta de espa�o, os bezerros que nasceram est�o adoecendo e a comida tamb�m precisaria aumentar. Tenho cinco sacos de silagem di�ria, que dariam para 14 bezerros, alimentando 14 vacas prenhes que logo v�o parir e produzir leite. Estou tendo de pedir favor para cortar pasto, ou cortando na beira das estradas para completar a comida da cria��o. Gasto tamb�m R$ 600 com sacos de ra��o por m�s”, reclama.
Outro ponto que lhe traz inseguran�a � n�o saber quando ter� sua casa reformada ou receber� outra. O mesmo ocorre com o seu terreno, que foi inteiramente coberto de pedras pela Samarco para impedir eros�es e enxurradas de lama no Rio do Carmo. “N�o nasce mais nada l�, e as cria��es tamb�m n�o conseguem andar ali nas pedras”, lamenta.
Outro lado
A Funda��o Renova afirma que tem compromisso com a repara��o das necessidades humanas e naturais das comunidades impactadas. “Em alguns casos, inclusive, corrigindo situa��es que j� estavam degradadas. O que podemos garantir � que estamos nos dedicando para realizar todas as a��es necess�rias para a repara��o dos impactos”, afirma a funda��o dando o exemplo de a��es de educa��o, ambiental com a recupera��o das 500 nascentes da Bacia do Rio Doce. “A nossa meta � recuperar 5 mil nos pr�ximos 10 anos”.
