
Uma longa hist�ria envolvendo o sumi�o de um quadro do s�culo 18, sua devolu��o espont�nea e uma descoberta surpreendente est� perto de chegar ao fim. Na manh� de ontem, em Belo Horizonte, a superintendente do Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan) em Minas, C�lia Corsino, apresentou a tela intitulada Ver�nica, que foi totalmente restaurada e voltar� para a Matriz de Nossa Senhora do Ros�rio, em Lavras, no Sul de Minas. “Este momento � importante, pois inauguramos boa parceria. N�o se consegue preservar o patrim�nio cultural sozinho. A obra est� pronta para retornar ao seu lugar”, disse a superintendente, durante cerim�nia na Casa do Conde, sede do Iphan, integrante do conjunto arquitet�nico da Pra�a Rui Barbosa (Esta��o).
Ao longo de cinco meses, na capital, equipe de especialistas do Ateli� Marca D’�gua trabalhou com t�cnica e delicadeza para recuperar o �leo sobre tela, com 1,20 metro de altura por 60 cent�metros de largura, que, segundo a restauradora Tha�s Carvalho, estava bem deteriorado, com 40% de perda na pintura, sendo necess�ria a remo��o camadas de interven��es anteriores. “Encontramos um tecido, no verso, com aplica��o de tinta. Al�m disso, em algumas partes da obra quase n�o se via o rosto, por isso tudo foi t�o minucioso para preencher as lacunas”, disse Tha�s, que trabalhou com Blanche Matos (dona do ateli�), Roseli Cota, Carolina Moura e Adriano Bueno.
DESCOBERTA Durante o servi�o, os restauradores fizeram uma descoberta. Tha�s, que atuou no restauro do Pres�pio do Pipiripau, em BH, contou que o quadro n�o retrata Ver�nica, a mulher piedosa de Jerusal�m que, diante do sofrimento de Jesus ao carregar a cruz, enxugou o rosto dele, ficando impressa no pano a figura do Nazareno. Olhando para o quadro, esclareceu, baseada em pesquisas iconogr�ficas: “Temos aqui um anjo segurando o v�u da Ver�nica. Pode ser que este quadro fizesse parte de um conjunto maior”. Datada do s�culo 18, a obra � atribu�da a Joaquim Jos� da Natividade, autor de pinturas no altar colateral da igreja e obras em S�o Jo�o del-Rei, no Campo das Vertentes, e em Sabar�, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte.
Uma comiss�o veio de Lavras para ver a obra, embora sabendo que ela continuar� sob guarda do Iphan at� a igreja ter os bens m�veis restaurados. “� uma grande conquista. Esperamos muito por esse dia e mais ainda pelo retorno, pois lutamos muito”, afirmou a volunt�ria da par�quia Clarice Maria Pacheco, que mostrava os olhos �midos pela emo��o e estava ao lado do titular da Par�quia de Santana, padre Cristiano Francisco de Assis, e do gerente municipal de Cultura, Marcus Paulus Passos. O padre Cristiano j� imagina a localiza��o do quadro, embora prefira esperar o t�rmino das interven��es na constru��o para materializar suas ideias.
“Estamos caminhando para os 300 anos do primeiro povoamento da cidade, que se completar� em 2020. O retorno do quadro ser� um dos pontos altos das comemora��es. Ser� reincorporado ao patrim�nio da Matriz de Nossa Senhora do Ros�rio, e, al�m de importante para a religiosidade, ele eleva a autoestima do nosso povo e ter� grandes impactos no turismo”, disse Marcus Paulus. O restauro, no valor de R$ 38 mil, foi pago com recursos do Fundo Municipal do Patrim�nio Cultural de Lavras. Presente � cerim�nia, o secret�rio de Estado da Cultura, �ngelo Oswaldo, ressaltou a “consolida��o” no entendimento para a volta da tela hist�rica.
TRAJET�RIA De acordo com a superintend�ncia do Iphan, a autarquia federal foi notificada em 2009, pelo Conselho do Patrim�nio Hist�rico de Lavras, sobre o desaparecimento de um quadro intitulado Ver�nica pertencente � Igreja Matriz de Nossa Senhora do Ros�rio e posteriormente doado ao Museu de Arte de S�o Paulo (Masp), uma das maiores institui��es culturais do pa�s, com sede na capital paulista e onde ficou por 12 anos.
Por meio de pesquisas, os t�cnicos ficaram sabendo que o autor da doa��o foi o m�sico Willian Daghion (ex-aluno do Instituto Gammon, tradicional escola de Lavras), que retirou o quadro da igreja, por volta de 1958, quando a igreja passava por uma reforma. Para o sucesso da devolu��o, foi tamb�m decisiva, al�m do Iphan e da prefeitura local, a a��o do Minist�rio P�blico de Minas Gerais, por meio do ex-coordenador das Promotorias de Justi�a de Defesa do Patrim�nio Cultural e Tur�stico (CPPC), Marcos Paulo de Souza Miranda, hoje promotor de Justi�a de Santa Luzia, na Grande BH, e do promotor de Justi�a de Lavras, Carlos Alberto Ribeiro Moreira – os dois inciaram as negocia��es com o museu. O quadro foi devolvido pelo Masp em abril do ano passado, conforme documentou o Estado de Minas. O transporte foi custeado pelo Iphan.
Na �poca, Souza Miranda disse ao EM que “a volta do quadro � um marco na recupera��o dos bens culturais de Minas, principalmente por n�o ter sido necess�rio uma a��o judicial para traz�-lo. O retorno da tela est� dentro de um contexto internacional referente � proced�ncia il�cita de bens culturais. Os museus t�m um c�digo de �tica e o Masp agiu corretamente”. Ele destacou que o caso abriria precedentes e nortearia iniciativas semelhantes. Conforme o Conselho Internacional de Museus (Icom), a pe�a de origem il�cita que for encontrada no acervo de um museu dever� ser devolvida.
Do Masp para BH
H� tr�s anos e meio, o Estado de Minas contou, com exclusividade, a trajet�ria da tela Ver�nica e os entendimentos entre a superintend�ncia do Iphan em Minas e os advogados da institui��o paulista. Na �poca, um dos maiores problemas era a seguran�a da igreja de Lavras, tombada pelo Iphan em 2 de setembro de 1948. De S�o Paulo a BH, em abril de 2016, a pe�a recebeu toda a seguran�a quanto ao transporte, uma das exig�ncias do promotor de Justi�a de Lavras, Carlos Alberto Ribeiro Moreira. Desde ent�o, foi mantida dentro das condi��es adequadas de climatiza��o. O nome Ver�nica vem da jun��o das palavras “vero” e “�cone”, significando “verdadeira imagem”. Na semana santa, � tradi��o ver nas prociss�es uma mulher de rosto coberto por um v�u, entoando um c�ntico em latim e desenrolando um tecido com a face de Cristo. No entanto, para surpresa dos restauradores e autoridades do patrim�nio, trata-se, na verdade, de um anjo.