
"Gostaria que este erro pudesse ser corrigido da melhor forma poss�vel, sem implicar na minha exclus�o do processo seletivo.” A fala � de Ana Carolina Andrade, de 27 anos, denunciada por integrantes do movimento negro e estudantes da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), por uma suposta fraude no sistema de cotas raciais durante o processo seletivo para uma vaga no mestrado em comunica��o em 2018.
Professora de projetos sociais e graduada em comunica��o, a mulher fez uma postagem neste domingo em uma rede social mostrando arrependimento e dizendo que interpretou mal os crit�rios raciais da Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas.
“Conclu� que fiz mal uso das cotas. N�o por querer me beneficiar de direitos de outros, mas por uma m� compreens�o dos usos das cotas raciais. A minha autodeclara��o foi sincera, mas n�o existe coer�ncia em eu optar pela inscri��o como cotista. N�o cometi uma fraude, cometi um erro. Pretendo explorar a fundo a possibilidade de levar este debate ao espa�o p�blico e contribuir para futuros esclarecimentos e para a consolida��o e legitima��o das cotas raciais na universidade", disse."
Segundo Ana Carolina, ela optou em participar do processo seletivo pelo sistema de cotas por ter ra�zes negras e por se autodeclarar como parda. A mulher disse que antes de pleitear uma vaga como cotista fez pesquisas em publica��es governamentais. Entretanto, ela diz que pecou neste sentido, pois os conte�dos do governo sugeriam a ela que a Lei era abrangente aos pardos e pretos.
"Conclu� que fiz mal uso das cotas. N�o por querer me beneficiar de direitos de outros, mas por uma m� compreens�o dos usos das cotas raciais."
Ana Carolina Andrade, de 27 anos, graduada em comunica��o e professora
Ap�s ser denunciada � Ouvidoria da UFMG e ser questionada pela m�dia, Ana Carolina cita que sofreu diversos ataques em redes sociais, mas que buscou se aprofundar no assunto. Lendo os coment�rios no Facebook n�o consegui tirar nada de produtivo que enriquecesse a minha percep��o.
“Telefonei para diversas pessoas que manifestaram sua insatisfa��o no Facebook, conversei com pessoas que dominam o assunto mais do que eu, procurei pessoas estudiosas de movimentos negros e de a��es afirmativas. Fui a fundo, de indica��o para indica��o, li os textos e assisti aos v�deos indicados at� eu conseguir concluir algo que j� possa compartilhar. Foi muito complexo, muito dif�cil, portanto n�o garanto que ser� compreens�vel a todos, mas j� � o suficiente para pensarmos em sempre desconstruir as certezas e nos abrirmos �s discuss�es, de todos os lados.”
Depois de ter estudado e conversado com especialista sobre o assunto, Ana Carolina Andrade concluiu que n�o se enquadra nos crit�rios da Lei, pois as cotas, conforme citado por ela, buscam aumentar a representatividade dos negros declarados nas universidades.
“As cotas s�o uma ferramenta para aumentar a representatividade dos negros na universidade. Isso N�O significa que basta eu n�o ser branca para poder utiliz�-las. � necess�rio que eu represente os negros, � necess�rio que eu seja negra. � uma quest�o simb�lica, de representa��o. Se eu n�o sou identificada como negra, n�o serei uma acad�mica negra, nunca serei reconhecida como uma professora negra, porque as pessoas olham para mim e n�o me v�m como negra. Entretanto, se a cor da pele � clara mas as caracter�sticas f�sicas representam o negro, cabe a autodeclara��o.”
UFMG apura den�ncia
Na �ltima sexta-feira, quando o Estado de Minas abordou o caso, a UFMG foi procurada e informou que apura a den�ncia. O Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG) recebeu a den�ncia sobre o caso e ficou de repassar ao Minist�rio P�blico Federal (MPF). At� o in�cio da tarde desta segunda-feira, o MPF n�o tinha recebido a representa��o.
Entenda o caso
O caso veio � tona no dia 24 de novembro. De imediato Ana Carolina Andrade se defendeu e citou a sua heran�a familiar como fator decisivo para ingressar no processo seletivo do sistema de cotas como parda. “A minha tatarav� era escrava. Ela morava na casa dos patr�es. N�o precisava de pagar comida nem contas. Depois que saiu de l�, passou a ter que arcar com esses gastos, mesmo n�o estando preparada e inserida no mercado de trabalho. Acredito que o passado da minha fam�lia influencia a minha gera��o”, disse.
A ativista do movimento negro Tha�s Geckseni, de 22, uma das questionadoras da participa��o de Ana Carolina no sistema de cotas, questionou a veracidade da autodeclara��o da professora. “Fiquei sabendo da fraude por meio de amigos que estavam tentando o mestrado. Quando saiu a lista, confirmei e fiquei indignada. Mesmo depois de sair na m�dia, h� poucos meses, o ‘baf�o’ das fraudes se repete. Enquanto isso, nove pessoas negras n�o passaram no mestrado utilizando a cota racial”, pontua.
O termo “pardo”, de acordo com a Resolu��o 02/2017 da UFMG, est� incluso no termo “negro” – composto por pardos e pretos. Segundo Thalita Rodrigues, psic�loga e coordenadora da Comiss�o de Psicologia e Rela��es �tnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CPR-MG), os pardos s�o mesti�os, t�m o tom de pele mais claro e esse � um debate complexo, inclusive dentro do movimento negro.
“Para considerar-se negro, � preciso que a pessoa entenda a constru��o de sua identidade e as viol�ncias que ela sofre em decorr�ncia do tom de pele, al�m do cabelo, tra�os, caracter�sticas corporais que colaboram para situa��es de racismo”, explicou. “Um term�metro para responder a identidade racial �: por quais situa��es de racismo eu j� passei? Como isso impacta minha vida cotidianamente?”.
Thalita ainda complementa que os pardos s�o mesti�os, t�m o tom de pele mais claro, e que esse � um debate complexo inclusive dentro do movimento negro. “A gente luta para que negros de pele mais clara assumam sua negritude por conta do debate sobre colorismo”, afirma. No entanto, para a especialista, o que � levado em conta na autodeclara��o solicitada por processos seletivos vai muito al�m do tom da pele da pessoa.
Crit�rios raciais e de renda
A Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas, determina que universidades e institutos federais reservem metade de suas vagas em cursos de gradua��o para estudantes de escolas p�blicas e, dentro dessa porcentagem, outras cotas sejam reservadas por crit�rios raciais. Para concorrer �s vagas destinadas a pessoas negras e ind�genas, os candidatos precisam comprovar que t�m renda familiar bruta igual ou inferior a um sal�rio m�nimo e meio, apresentando na institui��o os documentos exigidos pelo Minist�rio da Educa��o (MEC).
Em abril, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extens�o (Cepe) da UFMG decidiu implantar pol�ticas de a��es afirmativas para a inclus�o de negros, ind�genas e pessoas com defici�ncia nos seus cursos de p�s-gradua��o. A universidade reserva de 20% a 50% das vagas dispon�veis nos programas de mestrado e doutorado para candidatos que se autodeclarem negros.
* Sob supervis�o da subeditora Jociane Morais