
A Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) apura mais um suposto caso de fraude nas cotas raciais em processo seletivo. Desta vez, a suspeita veio de estudantes e integrantes do movimento negro e envolve a sele��o para vagas de mestrado para o curso de comunica��o para 2018. Eles denunciam que uma das candidatas aprovadas n�o tem as caracter�sticas f�sicas obrigat�rias para preencher a vaga. Assim, o caso fomenta a discuss�o sobre a dificuldade das universidades em lidar com os crit�rios para a inser��o dos cotistas. As queixas foram recebidas na Ouvidoria da universidade e ainda ser�o analisadas. Entretanto, a candidata acusada de burlar o sistema, Ana Carolina Andrade, de 27 anos, tem certeza: “Sou parda. Sou afrodescendente e me encaixo na lei de cotas.” H� dois meses, tr�s alunos de medicina se tornaram alvo de den�ncia por irregularidades.
“Mesmo a candidata falando que nunca sofreu racismo e que n�o tem nenhuma das caracter�sticas que d� o direito a uma cota, ela conseguiu passar pelo processo seletivo. O que mais me revolta � a universidade se calar sobre esse tipo de situa��o. At� quando a institui��o vai fechar os olhos?”, questiona Tha�s. Al�m de Ana Carolina, outras duas mulheres que se autodeclararam negras ingressaram no mestrado. Tha�s diz acreditar no esfor�o da candidata, por�m afirma que ela usou “convenientemente” um direito que n�o tem.
"Acho muito importante falar sobre essa quest�o, j� que � muito complexa. Precisamos entender melhor o acesso. H� pessoas na mesma condi��o que a minha que n�o est�o inclu�das"
Ana Carolina Andrade, de 27 anos, graduada em comunica��o e professora
Ana Carolina rebate as cr�ticas e se diz plenamente certa de sua autodeclara��o. “N�o quero comparar, n�o acho que sofro racismo. Seria injusto dizer isso, enquanto outras pessoas sofrem cotidianamente. Mas sei reconhecer que n�o sou branca”, declara ao Estado de Minas. Por�m, ela argumenta que mesmo n�o sofrendo nenhum tipo de preconceito � filha de pais pardos e av�s negros e que as cotas t�m rela��o com a sua heran�a cultural, as oportunidades que uma fam�lia negra tem em rela��o a uma fam�lia branca e, principalmente, pela hist�ria dos negros no Brasil. “A minha tatarav� era escrava. Ela morava na casa dos patr�es. N�o precisava de pagar comida nem contas. Depois que saiu de l�, passou a ter que arcar com esses gastos, mesmo n�o estando preparada e inserida no mercado de trabalho. Acredito que o passado da minha fam�lia influencia a minha gera��o”, completa. Essa foi a justificativa colocada por Ana Carolina no documento entregue � UFMG para integrar o programa de cotas.
COLORISMO
O termo “pardo”, de acordo com a Resolu��o 02/2017 da UFMG, est� incluso no termo “negro” – composto por pardos e pretos. Segundo Thalita Rodrigues, psic�loga e coordenadora da Comiss�o de Psicologia e Rela��es �tnico-Raciais do Conselho Regional de Psicologia de Minas Gerais (CPR-MG), os pardos s�o mesti�os, t�m o tom de pele mais claro e esse � um debate complexo, inclusive dentro do movimento negro. “Para considerar-se negro, � preciso que a pessoa entenda a constru��o de sua identidade e as viol�ncias que ela sofre em decorr�ncia do tom de pele, al�m do cabelo, tra�os, caracter�sticas corporais que colaboram para situa��es de racismo”, explicou. “Um term�metro para responder a identidade racial �: por quais situa��es de racismo eu j� passei? Como isso impacta minha vida cotidianamente?”. Thalita ainda complementa que os pardos s�o mesti�os, t�m o tom de pele mais claro, e que esse � um debate complexo inclusive dentro do movimento negro. “A gente luta para que negros de pele mais clara assumam sua negritude por conta do debate sobre colorismo”, afirma. No entanto, para a especialista, o que � levado em conta na autodeclara��o solicitada por processos seletivos vai muito al�m do tom da pele da pessoa.
Ana Carolina � graduada em comunica��o na UFMG e trabalha como professora em projetos sociais. A jovem conta que pretende dar continuidade � matr�cula, mas que est� aberta ao di�logo com a universidade. “Acho muito importante falar sobre essa quest�o, j� que � muito complexa. Precisamos entender melhor o acesso. H� pessoas na mesma condi��o que a minha que n�o est�o inclu�das”, diz. Ela ainda afirma que j� foi � primeira reuni�o do seu projeto e o tema proposto por ela � estudar um canal de produ��o de videoclipes de funk. “Quero falar sobre a mobiliza��o da comunidade na produ��o dos clipes, a afirma��o negra e a contribui��o da identidade cultural do funk ostenta��o para afirma��o dos jovens da periferia”, conclui.
A UFMG informou que est� apurando o caso. A den�ncia dos colegas de Ana Carolina foi encaminhada para o Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG), por�m, segundo o �rg�o, ela deve ser feita no Minist�rio P�blico Federal (MPF). At� o fechamento desta edi��o, n�o foi protocolada. *Estagi�rios sob supervis�o do editor Roney Garcia
O que diz a lei
Crit�rios raciais e de renda
A Lei 12.711, de 2012, conhecida como Lei de Cotas, determina que universidades e institutos federais reservem metade de suas vagas em cursos de gradua��o para estudantes de escolas p�blicas e, dentro dessa porcentagem, outras cotas sejam reservadas por crit�rios raciais. Para concorrer �s vagas destinadas a pessoas negras e ind�genas, os candidatos precisam comprovar que t�m renda familiar bruta igual ou inferior a um sal�rio m�nimo e meio, apresentando na institui��o os documentos exigidos pelo Minist�rio da Educa��o (MEC). Em abril, o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extens�o (Cepe) da UFMG decidiu implantar pol�ticas de a��es afirmativas para a inclus�o de negros, ind�genas e pessoas com defici�ncia nos seus cursos de p�s-gradua��o. A universidade reserva de 20% a 50% das vagas dispon�veis nos programas de mestrado e doutorado para candidatos que se autodeclarem negros.