
Com o recuo da inunda��o, come�aram a surgir as faces da calamidade. Rostos sofridos, como o de Gerlaine de Souza Soares Domingues, de 41, que teve de se refugiar, acompanhada de seis crian�as, em cima do telhado de sua casa de dois andares, em Rio Casca, para escapar da enchente. “S� pedia a Deus para segurar essa casa”, contou ela ontem, ainda muito assustada. N�o � para menos: a marca da �gua nas paredes impressiona, chegando a mais de um metro no segundo pavimento do im�vel. Nas ruas da vizinhan�a, o cen�rio � um misto de lama tomando cal�adas, junto de restos de m�veis, eletrodom�sticos e entulho.
Em meio aos olhares tristes e cansados de quem v� o tamanho do preju�zo, destacam-se hist�rias de quem ignorou o risco � pr�pria vida para salvar as de outros. Um desses her�is � Helv�cio Sebasti�o dos Santos, de 47, que com um bote e apoio de um amigo ajudou a retirar mais de 50 pessoas ilhadas entre Rio Casca e S�o Pedro dos Ferros, em um trabalho que varou a madrugada e terminou quase �s duas horas da manh�.
Ontem, ao caminhar pelas ruas cheias de lama e entulho, Helv�cio n�o demonstrava cansa�o e continuava a ajudar. Enquanto ouvia express�es de reconhecimento, auxiliava na limpeza de algumas casas e carregou pertences de moradores. A todo momento era cumprimentado por aqueles que presenciaram o resgate. “� um her�i. Primeiro foi Deus, depois, ele. Estava todo mundo apavorado, gritando e ele arriscou a vida para salvar o pessoal”, testemunhou Maria Margarida de Jesus Silva, de 54. “Se n�o fosse ele, teria muita gente morta”, acrescentou Claudione Carlos, de 29.

O esfor�o para limpar a sujeira e come�ar a reconstruir a vida se repete em v�rias comunidades dos munic�pios atingidos, onde agora faltam �gua pot�vel e mantimentos. Casos de luta pela vida se multiplicam em meio aos moradores que, com ajuda de vizinhos e disposi��o, tentam limpar o que a �gua n�o carregou. Uma das hist�rias marcantes � de Gerlaine Soares Domingues, moradora de �guas f�rreas, distrito do munic�pio de S�o Pedro dos Ferros.
As hist�rias de Gerlaine e Helv�cio, morador de Vista Alegre, distrito do munic�pio de Rio Casca, se uniram de forma catastr�fica pela enxurrada do Rio Casca, que saiu de sua calha e cuja correnteza arrasou o que encontrou pela frente. Mesmo um dia depois da tempestade o curso d’�gua continuava com cinco metros acima do leito normal, segundo os moradores.

A for�a da correnteza destruiu completamente dezenas de resid�ncias. Em outras, provocou danos irrepar�veis em m�veis, eletrodom�sticos, roupas e documentos. “Podemos estimar que 90% dos distritos foram afetados. A energia el�trica foi cortada e n�o tem abastecimento de �gua pot�vel para os moradores tomarem banho ou fazer comida. Faltam tamb�m a pr�pria alimenta��o e medicamentos”, afirma o sargento L�zaro Santos Rodrigues, do Batalh�o de Emerg�ncias Ambientais e Resposta a Desastres (Bemad), do Corpo de Bombeiros.
Os militares continuam nas comunidades para contabilizar os estragos e verificar den�ncias de pessoas desaparecidas. No fim da tarde de ontem, uma garota foi resgatada junto com a m�e tamb�m no distrito de Vista Alegre. A menina estava havia tr�s dias sem comer e tinha febre. Ela foi levada de helic�ptero at� Rio Casca e de l�, levada para um hospital da regi�o. “Devido ao local estar sem medicamentos e alimenta��o, tivemos que fazer o resgate. A menina est� com suspeita de infec��o. Foi deixada na unidade de sa�de para tomar soro e a medica��o adequada”, explicou Giovana Ferreria Zanin Gon�alves, medica do Samu que ajuda nas buscas com a aeronave dos Bombeiros.

Acostumados a pequenas enchentes, moradores de Vista Alegre e �guas de Ferros ignoraram avisos de agentes do posto de sa�de sobre uma poss�vel tromba d’�gua. Por isso, muitos continuaram nas casas, mesmo pr�ximas ao Rio Casca. “Estamos acostumados com enchentes. Tanto que avisaram cedo que havia chovido forte em uma cidade acima, mas ningu�m deu muita import�ncia”, disse Deila Cunha Rocha Couto, de 35. Por causa das cheias constantes, as casas pr�ximas ao leito s�o, em sua maioria, de dois andares. Desta vez n�o foi o bastante para proteger os moradores.

DEPOIMENTO
"Imposs�vel n�o relembrar Mariana"
“Antes de chegar a Vista Alegre e �guas F�rreas, distritos de Rio Casca e S�o Pedro dos Ferros, fomos alertados por uma funcion�ria de um posto de combust�veis sobre a situa��o cr�tica que as comunidades enfrentavam depois do temporal. Mas foi quando comecei a enfrentar a lama na estrada junto com o fot�grafo Ramon Lisboa e o motorista Paulo que deu para perceber o tamanho da devasta��o. ‘Bento Rodrigues voltando � tona.’ Essa foi a frase que ouvi na primeira entrevista, ainda na estrada. Realmente, ao chegar �s duas comunidades, foi imposs�vel n�o lembrar da trag�dia de Mariana. Ruas tomadas por lama, casas destru�das, planta��es arrasadas, animais mortos... Triste viver isso de novo. Tamb�m ouvi hist�rias de pessoas que se salvaram se refugiando em telhados, outras salvas por her�is. Que a solidariedade dos moradores, que se ajudavam mesmo depois de perder tudo, sirva de inspira��o aos mineiros e ao pa�s. Eles precisam mais do que nunca de roupas, mantimentos, medicamentos e, principalmente, �gua pot�vel. E ajudar nunca � demais” (Jo�o Henrique do Vale)