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Estado de Minas

Troca de cartas? EM descobre hist�rias de mineiros que ainda escrevem

Muitas fam�lias guardam escritos , que s�o considerados uma esp�cie de tesouro para as novas gera��es


postado em 28/01/2018 07:00 / atualizado em 28/01/2018 19:58

O engenheiro Abílio e a pesquisadora Maria do Carmo guardam mais de 100 cartas da família(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
O engenheiro Ab�lio e a pesquisadora Maria do Carmo guardam mais de 100 cartas da fam�lia (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)

BH, 28/1º/2018

Prezados leitores e leitoras,

Espero encontr�-los bem, mesmo em dias de janeiro sufocante. Mas parece que vem chuva a�...
Nestas duas p�ginas – voc� ver�! –, quem d� as cartas s�o pessoas apaixonadas pelas palavras, guardi�es e guardi�s de mem�rias familiares, mestres da escrita interessados, felizmente, em pesquisa de correspond�ncia alheia, e jovens que ainda fazem das chamadas “mal tra�adas linhas” um h�bito que n�o se desfez com o tempo, muito menos com as modernas tecnologias. 

Darei alguns exemplos para ilustrar bem essa nossa conversa entremeada de frases no papel, alegria no cora��o e intimidade. Encontrei a historiadora Paula Carolina Miranda Novais, de 30 anos, moradora aqui da capital, que escreve cartas desde os 9 anos de idade, pelo que se lembra. “Carta � diferente de e-mail e da comunica��o instant�nea pelo Whatsapp. Acho que a gente fica mais tempo pensando em quem vai receber o envelope. � algo m�gico”, a jovem me disse. 

No Bairro Serra, na Regi�o Centro-Sul, a pesquisadora de bordados Maria do Carmo Guimar�es Pereira guarda uma caixa, fechada com la�o de fita, contendo 100 cartas das d�cadas de 1950 e 1960. Escritas a m�o ou datilografadas, muitas foram trocadas entre o pai dela, fazendeiro em Joa�ma, no Vale de Jequitinhonha, e as filhas ent�o estudantes em Belo Horizonte. Com o mesmo carinho, a fisioterapeuta e professora universit�ria L�gia Loiola Cisneros tem seu acervo particular, com 49 cartas trocadas entre os av�s (lado materno) no per�odo em que eram noivos, no Sul de Minas. 

Parece mesmo que as elas n�o saem de cena. O jornalista e escritor mineiro S�rgio Rodrigues acaba de lan�ar Cartas Brasileiras, livro organizado por ele reunindo 80 “correspond�ncias hist�ricas, pol�ticas, c�lebres, hil�rias e inesquec�veis que marcaram o pa�s”. Mineiro de Muria� radicado no Rio de Janeiro (RJ), ele admite que n�o gostaria de ter escrito nenhuma das que est�o na obra. “Cartas s�o muito pessoais. As que queria escrever, acho que escrevi. Sempre foi o meu ponto forte, eu era melhor escrevendo que falando”.


Bem, leitores e leitoras, conhe�am agora um pouco mais dessas hist�rias, que, afinal de contas, tamb�m s�o p�ginas de muitas vidas. Daqui e do mundo.

Abra�os,

Gustavo Werneck
P/S: S� para lembrar: quinta-feira foi o Dia do Carteiro.

 

Tesouros de fam�lia


O sol da manh� entra pela janela e encontra, � mesa da sala, Ab�lio Pereira Veiga, engenheiro civil aposentado, e Maria do Carmo Guimar�es Pereira, pesquisadora da hist�ria de bordados e diretora do Maria Artes e Of�cio, espa�o de refer�ncia e de ensino da atividade que mistura cores, desenhos e linhas. Mas, nesse momento, � de outras linhas que os dois, casados h� 49 anos, est�o falando. E recordando. Diante de uma caixa rec�m-aberta, eles disp�em sobre a superf�cie de vidro 100 correspond�ncias, em papel amarelado, das d�cadas de 1950 e 1960.

Com brilho nos olhos e senso de hist�ria invej�vel, Maria do Carmo, natural de Joa�ma, no Vale do Jequitinhonha, mostra que os documentos unem a terra natal, Belo Horizonte e cidades mundo afora que conheceu ao lado do marido. “Temos muitas escritas pelo meu pai, Joaquim Ant�nio Guimar�es, � minha m�e, Cecy Pereira Guimar�es, quando estud�vamos aqui. Algumas curiosas e elucidativas de uma �poca de situa��o financeira dif�cil: numa delas, pedia a mam�e que nos tirasse da escola particular e nos matriculasse numa p�blica. Em resposta, minha m�e avisava que uma das filhas n�o conseguira passar no exame para ingressar no col�gio. Ent�o, teria que pagar a mensalidade.” Ele vinha sempre a BH e o carteiro era o portador das not�cias, emo��es e novidades da fam�lia.

Mexe daqui, procura dali, e Maria do Carmo encontra cartas e bilhetes de empregados ao patr�o, chamados por eles de “Sr. Iozinho”. Em 1958, Crisantina escrevia, da fazenda, para pedir a b�n��o a Joaquim, a quem chamava respeitosamente de “santo pai”. E outra brota desse s�lido castelo de cartas: relatando a imensa saudade do marido, Cecy fazia quest�o de tranquilizar Joaquim. “Mam�e sempre falava que estava bem, jamais se queixava da vida, e continuava rezando o ter�o toda as noites com todos n�s reunidos”, lembra Maria do Carmo.

Olhando o pequeno tesouro familiar, e de posse de dois livros sobre o assunto – Cartas da humanidade, compilado e traduzido por M�rcio Borges, e Cartas extraordin�rias, organizado por Shaun Usher –, Maria do Carmo explica que as cartas fazem refletir, pensar e conversar: “N�o t�m imediatismo, mas alma. � tamb�m uma forma de partilhar, um abra�o, pois, se n�o podemos encontrar a pessoa, o afeto vai por escrito”. Com um olho no passado, embora se comunique por WhatsApp, amineirado para zap-zap, a professora de bordado diz que as cartas s�o mem�ria guardada, documentos. “O papel aceita tudo, reflete verdades e mentiras. Podemos receber um tapa ou um abra�o, mas nunca falta sentido. Uma carta voc� n�o pode deletar, como um e-mail. No caso, rasgar.”

Belo-horizontino, Ab�lio confessa que nunca foi f� de cartas e, no tempo de namoro e noivado, enviava a correspond�ncia para Maria do Carmo com o tradicional in�cio “Venho por meio desta...” Ele sorri, l� um trecho de uma que recebeu do sogro e pergunta � mulher sobre o ma�o de cartas que ela recebeu dele, nos tempos de noivado. Em tom de brincadeira, segreda: “Ela sequestrou minhas cartas”. Lembrando um verso do poeta Fernando Pessoa (Todas as cartas de amor s�o/Rid�culas/N�o seriam cartas de amor se n�o fossem/Rid�culas), Maria de Carmo d� um sorriso de cumplicidade e garante que est�o muito bem guardadas. “Mas s� que n�o sei onde est�o. Mas vou achar”, garante.

Guardi� de afetos

Para a fisioterapeuta Lígia, as mensagens são uma lembrança para as futuras gerações(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Para a fisioterapeuta L�gia, as mensagens s�o uma lembran�a para as futuras gera��es (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)


A fotografia feita em abril de 1925 traz ao presente o casamento de Jos� Augusto Vieira Silva (1893-1950) e Mariana Iracy Dias Vieira (1901-1987), em Machado, no Sul de Minas. A guardi� desse registro � a neta (pelo lado materno) L�gia Loiola Cisneros, fisioterapeuta e professora da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), moradora do Bairro Serra, na Regi�o Centro-Sul da capital. Mas n�o � s� essa lembran�a de import�ncia para a fam�lia, e futuras gera��es, que L�gia faz quest�o de manter com zelo e paix�o.

Numa caixa, est�o 49 cartas trocadas entre os av�s durante o noivado. “Ele morava em Machado e ela na Fazenda Cachoeirinha, em Alfenas. Cartas chegavam ‘em m�os’ e direitinho pelo correio, apenas com o nome da fazenda no destinat�rio”, conta L�gia, que n�o conheceu o av�, mas conviveu muito com a av� Mariana, apelidada de Cecy, que morou em BH.

Um detalhe chama a aten��o em todas as p�ginas: a caligrafia impec�vel. “Meu av� era professor de portugu�s, poeta, e tinha gosto em escrever. Algumas t�m um toque po�tico. H� detalhes de intimidade velados, meio no ar, mas sei que existia muito romantismo, um grande carinho. Eram muito apaixonados”, diz a m�e de Let�cia, de quase nove anos. Foi lendo e recordando as hist�rias da av� que L�gia viu que, nesse caso, as cartas n�o mentem jamais.

No jardim do pr�dio onde mora, L�gia conta que, para garantir a perenidade da correspond�ncia, come�ou a transcrev�-la, com n�mero para cada papel: n�mero 1, n�mero 2 etc., sempre mantendo a grafia e o jeito da escrita originais. A primeira come�a assim: “� esta, Cecy, a primeira carta que te escrevo... Nem sei mesmo se a receber�s. Entretanto aqui vou enfileirando estas linhas na doce esperan�a de que leias. Se n�o fosse a confian�a que tenho na sua Bondade e no teu Amor eu n�o te dirigiria por escripto, estas palavras(...) Bem, Cecy, vou terminar. Por minha vontade, continuaria escrevendo infindavelmente. N�o quero cansar-te”.
Ao fechar a caixa, L�gia lembra que mant�m todos os envelopes. “E o que voc� pretende fazer com essas cartas?”, pergunta o rep�rter. Com tranquilidade, responde: “Vou guardando...”

 

‘‘As palavras t�m magia no papel’’


Paula troca correspondência com o noivo e amigos(foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Paula troca correspond�ncia com o noivo e amigos (foto: Beto Novaes/EM/D.A Press)
Em casa ou nos momentos de folga do trabalho, Paula Carolina Miranda Novais, de 30 anos, historiadora e rec�m-formada no curso de conserva��o-restaura��o da Escola de Belas-Artes da Universidade Federal de Minas Gerais (EBA/UFMG), escreve cartas. Para o noivo Guilherme Silame, com quem vai se casar em maio, para as amigas de inf�ncia e para outras que fez ao longo da vida. “Comecei a escrever l� pelos 9 anos e n�o parei mais. S� no fim do ano, foram cinco. Acho que fui estimulada pelo livro As mais belas hist�rias, de L�cia Casasanta. Guardo at� hoje, achava todas as hist�rias maravilhosas”, conta Paulo Carolina, mostrando o exemplar j� sem capa, e muitas correspond�ncias, de v�rios tamanhos e envelopes com cores diversas.

Quando era pequena, Paula Carolina e a prima Ana Lu�za, que mora em Contagem (na Grande BH), trocavam “minicartas”. E como prova de tanta criatividade infantil, ela guardou com o maior desvelo dois exemplares. Sobre a mesa, espalha envelopes de v�rios pa�ses e conta um segredo: nas revistas, como Z� Carioca, vinham nome e endere�o de crian�as de outros pa�ses. “Ent�o, eu escrevia e mandava cartas. E recebia tamb�m”, recorda-se toda orgulhosa.

Paula Carolina est� certa de que a carta obedece a um certo ritual: o momento de elaborar o texto, de colocar no envelope, escrever o nome do destinat�rio e do remetente e ir ao correio. “As palavras t�m magia, enquanto esse mundo digital em que vivemos causa muita ansiedade; as palavras perdem muito do encantamento, pois abreviamos tudo. Com a carta, temos o tempo de espera, a paci�ncia de aguardar a resposta.” A historiadora n�o deixa de usar as redes sociais e sistemas como o skype para falar com as amigas, embora prefira o papel para mostrar das emo��es do cotidiano.

Sobre o fim das cartas, ela n�o tem certezas. “Pode ser que as pr�ximas gera��es n�o escrevam mais. Isso me entristece. Mas eu realmente acredito no poder das tradi��es, costumes passados de gera��o a gera��o. Escrever cartas, antes, era uma necessidade; era como as pessoas se comunicavam sem o telefone. Sem a necessidade, vejo como um h�bito l�dico, que demonstra carinho e dedica��o ao destinat�rio. Pretendo incentivar o h�bito de enviar cartas, para que ele n�o morra”.

PURO CHARME Para o organizador do livro Cartas Brasileiras (leia a entrevista) as cartas j� perderam sentido em grande parte. “A instantaneidade do meio eletr�nico torna as mensagens digitais inegavelmente superiores. Se zaps estivessem ao alcance daqueles remetentes reunidos no meu livro, acredito que eles lhes teriam dado prefer�ncia. Mas o desaparecimento completo � algo que dificilmente ocorre na hist�ria das tecnologias. As cartas devem manter seu charme antiguinho e sobreviver de modo marginal, como sobreviveram os vinis”.

Os Correios n�o t�m o registro espec�fico de cartas – elas entram num conjunto que inclui boletos e mala direta. No Brasil, houve queda de 12% no volume desse tipo de objeto de janeiro a outubro de 2016 (5,2 bilh�es) em compara��o ao mesmo per�odo de 2017 (4,55 bilh�es). Historicamente, Minas representa 10% do volume dos Correios. Em contrapartida, explicam os t�cnicos, houve aumento de 16,4% no total de encomendas.

Registros hist�ricos


No Arquivo P�blico Mineiro (Avenida Jo�o Pinheiro, 372, no Circuito Cultural Liberdade, em BH) h� um acervo com um n�mero superlativo de pap�is do s�culo 18 � atualidade: chega a 7 milh�es o volume de documentos, cartas, certid�es e outros de import�ncia fundamental para a hist�ria de Minas. Guiada pelo diretor de Arquivos Permanentes, D�nis Soares da Silva, e do t�cnico em documenta��o da institui��o, Alaor Souza Oliveira, a equipe do Estado de Minas p�s os olhos em registros fabulosos.

H� uma carta de B�rbara Eliodora (isso mesmo, sem h) Guilhermina da Silveira, hero�na da Inconfid�ncia Mineira e mulher de Alvarenga Peixoto (1742-1792), endere�ada ao contratador e compadre Jo�o Rodrigues Macedo, em 18 de fevereiro de 1795. Foi escrita em S�o Jo�o del-Rei. Com o fim do levante contra a Coroa portuguesa e o marido condenado ao degredo perp�tuo na �frica, ela conversava sobre a dificuldade em administrar os neg�cios. Na segunda carta, em 10 de abril do mesmo ano, agradecia ao contratador pela compra dos bens confiscados de Alvarenga Peixoto.

Um salto de 100 anos e chega-se a 25 de mar�o de 1895, numa correspond�ncia, em papel timbrado, do engenheiro construtor de Belo Horizonte, Aar�o Reis. No documento, ele comunica ao governo do estado o envio das plantas da nova capital. E sete d�cadas se passam at� a carta do ex-presidente Juscelino Kubitschek, ent�o no ex�lio nos Estados Unidos, a Israel Pinheiro, prestes a tomar posse como governador de Minas. De Nova York, em 10 de janeiro de 1966, JK falava, entre outros temas, da saudade do Brasil e do desejo ardente de se encontrar com os amigos queridos.

Letras ilustres


J� no c�mpus da UFMG, na Pampulha, fica o Acervo de Escritores Mineiros da Faculdade de Letras, instalado no pr�dio da Biblioteca Central. Tendo como guia os bibliotec�rios Ant�nio Afonso e Adrieli Sandra, podem ser conhecidas preciosidades em meio a 100 mil itens, como cartas dos escritores Carlos Drummond de Andrade, Cyro dos Anjos, Murilo Rubi�o, Fernando Sabino, Oswaldo Fran�a J�nior, Henriqueta Lisboa e muitos outros.

No espa�o museogr�fico, com mobili�rio, quadros, objetos pessoais e livros que pertenceram aos escritores e foram doados por familiares, pode-se desfrutar de um prazer: conviver com 60 mil livros e a mem�ria desses personagens ilustres. Um exemplo para mergulhar nessa atmosfera: em 13 de junho de 1932, Drummond escreveu para Cyro dos Anjos: “Caro Cyro, voc� estranha o longo sil�ncio: v�rias cartas suas sem resposta. Eu explicaria que s� aparentemente elas n�o foram respondidas. O correio n�o levou, mas eu lhe mandei v�rias ‘mensagens ps�quicas’, com diria An�bal Machado”.

Tr�s perguntas para...


S�rgio Rodrigues, escritor mineiro, organizador do livro Cartas Brasileiras (Companhia das Letras, 2017)

1) Voc� ainda escreve cartas? E guarda as que recebe?
Tenho algumas cartas guardadas, dos anos 70 e 80, principalmente quando elas ainda eram meios de comunica��o muito usados. A maioria tem valor sentimental. Faz tempo que n�o escrevo nem recebo mais cartas, n�o habitualmente.

2) De todas as publicadas no livro Cartas brasileiras, qual a que mais o emocionou? E por qu�?
Pergunta dif�cil. Acho que fico com a ingenuidade comovente da jovem estudante que escreve a Juscelino Kubitschek para pedir ajuda num trabalho escolar sobre Bras�lia. H� cartas muito mais emocionantes, dilacerantes mesmo, mas essa a� me comove de um modo especial. N�o � toa eu a escolhi para abrir o livro. Tem tanta coisa ali que se perdeu ou est� se perdendo: o respeito pelo cargo de presidente misturado a uma ousadia ing�nua e familiar, o dom�nio lingu�stico da estudante, uma certa cren�a no futuro do pa�s...

3) Qual a carta que voc� gostaria de ter escrito? E de quem gostaria de receber uma carta?
Cartas s�o muito pessoais. N�o gostaria de ter escrito nenhuma das que est�o no livro. As que queria escrever, acho que escrevi. Sempre foi o meu ponto forte, eu era melhor escrevendo que falando.

 

 

Quando o carteiro chegou...

 

Mineiros escreveram para mineiros e para gente de outros estados falando de pol�tica, solid�o, cotidiano, amigos, enfim, sobre a vida. Confira alguns trechos:

Carta de B�rbara Eliodora ao contratador Jo�o Rodrigues Macedo
S�o Jo�o del-Rei, 18 de fevereiro de 1895 (seis anos ap�s a Inconfid�ncia Mineira)


“Eu, confiada nos muitos obs�quios que sempre me fez, sou de novo a rogar-lhe, com l�grimas, que queria agora fazer o maior de todos, que � o de ser meu s�cio, porque s� assim me desviar� do grande mal que me amea�a de um estranho arrematar que abuse de minha desgra�a e da falta de intelig�ncia e for�as”

Carta do ex-presidente Juscelino Kubitschek, no ex�lio, para Israel Pinheiro, a 20 dias de assumir o governo de Minas Gerais

Nova York, 10 de janeiro de 1966

“Deve ter havido algum fen�meno esp�rita hoje, porque voc� apareceu para mim em sonho e tivemos uma conversa muito animada. Estava bem disposto, gordo, a pele lisa e at� bonito (…) Da� eu ter, ontem, desejado ardentemente estar no Brasil, no meio dos meus amigos, naqueles bate-papos que constitu�am a minha �nica distra��o. Parece-me que voc� percebeu este meu estado de esp�rito e veio � noite conversar comigo (…) N�o suporto a vida no exterior. A gente tem o direito de abusar do sistema nervoso at� certa medida. O meu j� me deu o que podia”

Cartas do escritor Fernando Sabino para o amigo Otto Lara Resende, a quem apelidou de Paj�

Rio, 30/11/45

“Um ano j� passou desde que deixei Belo Horizonte, casei, tive uma filha, a guerra acabou, o M�rio morreu, o Otto Maria Carpeaux, os edif�cios que estavam para se construir foram constru�dos, as promiss�rias que estavam para se protestar foram protestadas, o dinheiro que estava para se gastar foi gasto, os chopes que estavam para se beber foram bebidos, a chuva que estava para chover choveu, a dor que estava para doer doeu, o cabelo que estava para cair, caiu, a mulher que estava para dar, deu, o Roosevelt que estava para morrer, morreu, o Prestes que estava para sair, saiu, o trem que estava para chegar, chegou, o que a m�o estava para escrever, escreveu, e no entanto minha tristeza que estava para acabar n�o acabou.”


New York, 30 de maio de 1946

“Gostei muito de sua carta, por ser carta, por ser boa e por ser sua. O que � que voc� faria quando um gato do vizinho entrasse na sua casa pela cozinha sem pedir licen�a e depois n�o quisesse sair? O que � que voc� faria se n�o houvesse lixeira e tivesse de descer os dois andares de escada para despejar o lixo l� embaixo? O que � que voc� faria quando o dentista mandasse a conta? (…) Compro jornal toda noite para procurar outro apartamento. Acabo � mais dia menos dia voltando pra Minas: Sabar�, Ouro Preto, S�o Jo�o Del Rei. Ou Belo Horizonte mesmo – Parque Municipal, Pra�a da Liberdade, o quotidiano aprendizado das subidas (…) Belo Horizonte, cidade do Rio Arrudas, e do Bar do Ponto tamb�m, de dia comprida e chata, de noite redonda e triste. Belo Horizonte da janela de meu quarto, das Secretaria ali em frente do Bar Mignon na Rua da Bahia, do Grupo Afonso Pena na Avenida Jo�o Pinheiro, e por a� vai – Belo Horizonte, te abdiquei em nome de qu�?”


Carta da estilista Zuzu Angel, mineira de Curvelo e que teve um filho morto durante a ditadura militar, para Terezinha, mulher de um general que lhe escrevera para dizer que todo mundo morre

Rio de Janeiro, 17 de agosto de 1971

“Meu filho passou toda a sua exist�ncia estudando, estudando, estudando – s� l�nguas falava oito, que eu tenha conhecimento; talvez outras mais pois ele n�o gostava de mostrar os seus conhecimentos nem para as pessoas de casa. Enquanto o Brasil silencia sobre o mart�rio deste jovem, este fato � noticiado em 8.000 (oito mil) jornais no mundo inteiro. O futuro mostrar� o Tiradentes da �poca dos computadores.”


Fontes:
Arquivo P�blico Mineiro e  os livros Cartas na mesa (Record, 2002) e Cartas brasileiras (Companhia das Letras, 2017) 


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