
O ru�do dos pneus girando sobre o asfalto ecoa diferente na parte interna do viaduto. Lembra, �s vezes, o deslizar de um trem sobre trilhos, trepidando parte da estrutura de concreto oca. Um ambiente escuro e fresco, habitado por baratas, escorpi�es e uma legi�o de ratos, que passou a ser usado como lar por moradores de rua e usu�rios de entorpecentes. Quem circula sobre os v�rios viadutos do Complexo da Lagoinha n�o imagina que sob as cabeceiras desta estrutura vi�ria habitam pessoas que destru�ram parte das paredes e cavaram tocas para viver.
O acesso de Miguel ao seu lar subterr�neo � feito por um buraco escavado entre a terra na base do viaduto e o concreto da cabeceira. Quando foi visitado pela reportagem do Estado de Minas, o homem estava dormindo. Usu�rio de entorpecentes como v�rios outros que vivem em outros viadutos do complexo, tinha alguma dificuldade de organizar suas ideias e pouca disposi��o para responder �s perguntas. Contudo, sua postura quanto � vida naquele local insalubre, frio, infestado de ratos e baratas � de satisfa��o. “Aqui, pelo menos tenho uma parede e um teto. Do escuro n�o tenho medo. Cresci nas ruas e l� � muito pior. Os ratos n�o me incomodam, n�o v�m na gente. S� n�o podemos deixar aqui sozinho, porque se n�o alguma outra pessoa (morador de rua) pode querer tomar aqui da gente”, disse.

Acima da buraco por onde entra, ao longo da parte inferior do viaduto, as aberturas de acesso t�cnico �s galerias da estrutura tiveram suas chapas de metal arrancadas. Mas, de acordo com Miguel, naquele ponto n�o � poss�vel dormir, mesmo sendo um espa�o maior. “Ali tem baratas demais, n�o d� para ter sossego n�o. As baratas carregam voc�”, disse. Em volta da abertura que usa de acesso para sua moradia subterr�nea, uma grande quantidade de lixo sugere despreocupa��o com a higiene. S�o v�rios tipos de embalagens de marmitas, alimentos, bebidas, preservativos, garrafas quebradas, roupas rasgadas, sapatos velhos e um cheiro muito forte de fezes e urina. “Comida a gente recebe muita, vem do pessoal que doa para a gente. Das igrejas, de gente que traz”, completa. O espa�o interno da morada de Miguel tem o piso de terra que ele e o irm�o limparam de entulho, forraram algumas partes e estenderam os colch�es que usam para dormir lado a lado.
Nos outros viadutos, inclusive da Avenida Presidente Ant�nio Carlos, os moradores de rua e usu�rios de t�xicos simplesmente escavaram a terra sob a estrutura de concreto e l� armaram suas habita��es. A reportagem encontrou pelo menos outros seis espa�os que t�m sido utilizados para essas finalidades. Em cada se��o escavada sob os viadutos foram postados colch�es entre muito entulho, roupas velhas, lixo e res�duos. Os moradores dessas cavernas t�m apre�o significativo por latas velhas que usam como fogareiros. Os trapos se amontoam como cobertores e travesseiros. Entre a disposi��o ca�tica de tanta quinquilharia, contudo, d� para se notar uma tentativa de amenizar a vida, decorando as tocas com quadros encontrados no lixo, p�steres de carros e at� brinquedos de pl�stico e pel�cias. Nesses locais, contudo, a reportagem n�o encontrou nenhum habitante.
Lixo, urina e fogo preocupam
Enquanto os viadutos v�o sendo escavados para servir de moradia para a popula��o em situa��o de rua, em volta dessas estruturas cresce o ac�mulo de lixo e destro�os de equipamentos. S�o televisores, pneus, computadores velhos, equipamentos el�tricos ou de maquin�rio mais pesado que s�o juntados e depois acabam sendo incinerados para que os moradores possam extrair metal. O alum�nio, ferro e a�o removido dessas pe�as representa um ganho monet�rio importante para eles, que vendem carrinhos cheios desse material ali perto mesmo para os ferros-velhos. As negocia��es s�o feitas por peso e por isso qualquer coisa que tenha metal dentro acaba indo para o fogo. De acordo com um grupo de trabalhadores da limpeza urbana que foi encontrado recolhendo esses destro�os com um caminh�o, o lixo gerado enche uma ca�amba em poucos dias e � um trabalho que precisa ser feito com frequ�ncia, pois na semana seguinte j� h� pilhas de lixo novamente nos mesmos lugares.
Segundo o manual de recupera��o de pontes e viadutos do Minist�rio dos Transportes, tanto o fogo quanto a urina diretamente em contato com os pilares dos viadutos causam deteriora��o do concreto e obrigam que manuten��es preventivas sejam feitas. “O concreto � capaz de manter resist�ncia suficiente por per�odos relativamente longos, permitindo opera��es de resgate, pela redu��o de colapso estrutural”, diz o manual. “A corros�o do concreto � um fen�meno essencialmente qu�mico e depende tanto das propriedades do meio onde ele se encontra, incluindo a concentra��o de �cidos, sais (urina) e bases, como do pr�prio concreto”, diz a publica��o. O manual salienta que o maior perigo � a exposi��o das armaduras de a�o, que leva a interven��es mais urgentes para proteger as estruturas.