Nascida em uma das fam�lias de oper�rios que ajudaram a cal�ar as ruas de pedra de Belo Horizonte no in�cio do s�culo 20, Vilma Eust�quia da Silva, de 73 anos, viu a ent�o jovem capital amadurecer e se transformar ao seu redor. “Quando minha fam�lia chegou para morar aqui, isso tudo era mato. Ainda era a fazenda Curral del-Rey”, conta, com orgulho, a aposentada. Analfabeto e de origem humilde, o pai de dona Vilma, Jos� Rodrigues da Silva, conseguiu, com o dinheiro que ganhou no cal�amento das vias p�blicas, comprar o �nico bem material que deixaria para os 10 filhos, segundo ela: uma casa de quatro c�modos, constru�da em um terreno comprido e estreito, na descida de um morro, no Bairro S�o Pedro, Regi�o Centro-Sul da capital. Dona Vilma, por for�a de uma decis�o judicial, tem agora de deixar a casa at� o fim de maio.

Quase 100 anos depois, a casa continua a mesma e o terreno de 354 metros quadrados sofreu poucas altera��es. “Constru�mos mais um barrac�o, onde alguns irm�os moraram, e um muro”, comenta. O que mudou, e muito, foi o bairro. A ca�ula da fam�lia viu as casas simples que formavam uma vila de oper�rios darem lugar a pr�dios e o bairro se transformar numa regi�o nobre e verticalizada da capital. “As pessoas foram vendendo as casas, inclusive meu tio, que morava aqui no lote ao lado. E a� come�aram a construir pr�dios. De repente, s� sobrou a nossa casinha”, diz. O im�vel erguido por Jos� Rodrigues para garantir o futuro dos herdeiros ficou cercado de pr�dios. Corretoras que atuam no bairro avaliam que valor do terreno atualmente esteja entre R$ 800 mil a R$ 1 milh�o.
"N�o tenho como comprar uma nova casa. Para onde eles v�o empurrar uma pessoa da minha idade? Nunca pensei que passaria por uma situa��o dessas. � muito triste"
Vilma Eust�quia da Silva, aposentada
Em 27 de fevereiro deste ano, a rela��o de afeto de dona Vilma com a casa e o terreno onde a fam�lia sempre viveu sofreu um forte abalo. Uma ordem judicial de despejo determinou que ela e seus dois filhos saiam da casa, sob pena de uma multa di�ria de R$ 50 ap�s o vencimento do prazo. O transtorno come�ou com uma a��o ajuizada pela Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) em 2013, na qual o poder p�blico afirma que a fam�lia Silva ocupa ilegalmente o im�vel, que seria de propriedade do munic�pio. Al�m da reintegra��o de posse, a ordem judicial, julgada em junho de 2017 pelo juiz Rinaldo Kennedy Silva, da 2ª Vara da Fazenda P�blica Municipal, manda demolir a casa e o barrac�o constru�dos no lote.
Vi�va h� quase duas d�cadas, Vilma, que trabalhou muitos anos como manicure, vive da aposentadoria de um sal�rio m�nimo. “N�o tenho como comprar uma nova casa. Para onde eles v�o empurrar uma pessoa da minha idade? Nunca pensei que passaria por uma situa��o dessas. � muito triste”, lamenta.
Filha de Vilma, Helo�za Helena da Costa, de 33, sugere que o drama vivido pela fam�lia seria resultado de especula��o imobili�ria. “Uma construtora comprou os dois lotes abaixo daqui e o interesse dela � fazer do nosso terreno a garagem do edif�cio que vai ser constru�do”, afirma. Segundo ela, o interesse da administra��o municipal pelo local � recente. “Em 1990, foi ajuizada uma a��o de usucapi�o pela nossa fam�lia. Essa a��o foi arquivada. Nela, � curioso porque a prefeitura n�o demonstra nenhum interesse ent�o pelo im�vel”, diz Helo�za.
COMPROVANTE DE IPTU Dona Vilma se considera injusti�ada e afirma que o pai comprou o lote quando ainda era funcion�rio p�blico. “Quando meu pai comprou este terreno, eu nem era nascida. Ele trabalhava na prefeitura e conseguiu comprar para pagar as presta��es”, afirma. Ela guarda documentos do terreno emitidos pela PBH em nome de Jos� Rodrigues da Silva, desde o fim da d�cada de 1920. “Pagamos IPTU desde 1929. A guia vinha em nome do meu pai. Quando fomos construir o muro de arrimo aqui, fizemos a solicita��o na prefeitura e eles emitiram um documento autorizando. Ou seja, havia um di�logo, sempre trataram este terreno como sendo da nossa fam�lia. Como que, agora, vem dizer que � invadido?”, questiona a aposentada.
O contrato de compra e venda nunca foi registrado em cart�rio, o que dificulta a fam�lia de Vilma provar a posse na Justi�a. Juristas consultados pelo Estado de Minas, por�m, disseram que documentos como IPTU em nome do pai de Vilma e a autoriza��o de interven��o no terreno pela PBH s�o elementos, em tese, considerados provas de posse e podem ser usados em a��es em outras inst�ncias judiciais, como Supremo Tribunal Federal (STF).
PREFEITURA Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte informou que “a a��o de reintegra��o de posse foi iniciada em 2013, em uma outra administra��o, e que a Justi�a concluiu o processo em setembro de 2017, declarando o im�vel patrim�nio p�blico.
Repercuss�o na internet e apoio popular
O drama vivido por dona Vilma e seus filhos ganha repercuss�o na internet com a hashtag #donavilmafica, ecoado por diversos movimentos sociais. “O apoio vem de diversos movimentos. Temos sidos amparados pelo carinho e solidariedade das pessoas que conhecem nossa luta. A posse � nossa”, desabafa. Este m�s, uma multid�o composta por vizinhos, representantes de movimentos sociais, de comiss�o da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG) e acad�micos se reuniu no terreiro da casa de dona Vilma para transmitir apoio � fam�lia.
O Coletivo de Advocacia Popular Maria Felipa, que atua na defesa do caso desde novembro do ano passado, tenta impedir na Justi�a que a fam�lia seja retirada do local. “Entramos com uma a��o rescis�ria, que questiona a senten�a. Nosso esfor�o agora, � tentar suspender essa ordem de despejo. Depois, vamos buscar outros recursos, e ir at� o Supremo Tribunal Federal (STF), se preciso for”, explica o advogado Eduardo Levi, representante do coletivo. Levi considera que os documentos anexados na a��o n�o deixam d�vidas de que a posse do terreno � da fam�lia Silva.
“O senhor Jos� comprou e pagou o terreno. Isso fica provado na descri��o do IPTU, que consta os 10% que eram cobrados pela prefeitura referentes �s parcelas do im�vel”, afirma. Segundo o advogado, todos os im�veis no entorno do lote de Vilma t�m o registro dessa �poca. “O dela, especificamente, no Livro 3 do Registro P�blico do Munic�pio, foi extraviado”, diz.