postado em 29/04/2018 07:00 / atualizado em 08/05/2018 13:23
Buen�polis e Diamantina – A caverna esculpida pela eros�o das �guas na Serra da Tromba D'Anta, em Diamantina, n�o � conhecida por pesquisadores nem registrada pelo Instituto do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico Nacional (Iphan), o guardi�o legal de forma��es com s�tios arqueol�gicos. Quem conhece como poucos a Lapa dos Caboclos � o aposentado Jos� Balbino Pereira, de 76 anos. Um senhor calmo, de olhos apertados atr�s dos �culos e fala aos solavancos, t�pica dos caboclos dessas montanhas mineiras. At� a idade de 9 anos, morou no interior da cavidade natural com a fam�lia. Sempre admirou os desenhos riscados na pedra, feitos h� cerca de 11 mil anos.
“Meu av� e meus tios moravam na caverna. Como os antigos eram caboclos, colocaram o nome de Lapa dos Caboclos. Pensavam que os desenhos foram feitos por �ndios e esse � um dos lugares que t�m mais pinturas em Diamantina. E olhe que conhe�o bem a regi�o”, garante o homem, que se orgulha de ter trabalhado na vasta �rea rural do munic�pio do Alto Jequitinhonha, onde percorreu muitos s�tios arqueol�gicos. Ele se nega a levar “qualquer um” at� a caverna, devido �s depreda��es do passado e porque o terreno � de um parente.
O aposentado Jos� Balbino Pereira, de 76 anos, conhece como poucos as cavernas na regi�o de Diamantina (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
No passado, as lapas eram encaradas de forma diferente. “Algumas pessoas moravam nelas. Outras pousavam quando montavam armadilhas ou ca�avam”, lembra. O fasc�nio do caboclo pelas forma��es rochosas e suas pinturas rupestres foi incentivado, em parte, por ele ter nascido na regi�o, ao longo da MG-220, que � a maior concentra��o de s�tios arqueol�gicos de Diamantina. Num raio de um quil�metro em torno de sua atual resid�ncia, por exemplo, h� 10 s�tios de pinturas de v�rias tradi��es de homens pr�-hist�ricos registrados pelo Iphan. H�, numa �rea distante, at� um s�tio denominado Lapa do Caboclo, cuja localiza��o, entretanto, n�o coincide com a moradia dos ancestrais de Jos� Balbino.
Da resid�ncia do senhor Jos� Balbino at� a caverna s�o quatro quil�metros de estradas de ch�o, passando casar�es de telhas antigas e barrac�es de pau a pique nas fazendas, c�rregos com pontes de madeira r�stica, lagos e planta��es de capim. Passada a �ltima porteira, o aposentado desce do carro e procura seu parente numa �rea de pasto e depois num casar�o comprido. Daquela baixada se avista de frente a forma��o rochosa que domina o horizonte, o Pico da Tromba D'Anta. � uma pedra cinza e pontiaguda, que pende inclinada a 1.360 metros de altitude.
A demora para o caboclo retornar d� a impress�o de que a visita � lapa seria proibida. Mas o seu retorno, sorridente, ap�s alguns minutos, mostrou que a permiss�o foi concedida. “�, gente, voc�s desculpem. Meu primo est� mexendo leite no tacho para fazer doce de leite. Se parar, queima tudo. Ele pediu para n�o reparar e para levar (a reportagem at�) l�”, disse, cordial.
A caminhada � curta, passando por planta��es rasteiras de feij�o e ervas, depois seguindo o curso de um c�rrego, at� que se abre a Lapa dos Caboclos. Uma forma��o natural de equil�brio intrigante, j� que a sua abertura de acesso toma quase toda a extens�o horizontal da rocha, parecendo n�o haver pilares suficientes para sustentar o teto de pedras de oito metros de altura. De l� do alto, como se fossem cordas de montanhistas, as ra�zes finas de algumas plantas descem at� o solo da trilha, onde se fixam.
A aproxima��o com a boca da caverna torna vis�veis parte dos desenhos pr�-hist�ricos. S�o tra�os enfileirados que os arque�logos sup�em se tratar de contagens, provavelmente de tempo ou de animais abatidos pelos ca�adores primitivos.
O primeiro sal�o � o mais amplo. Permite a entrada plena da luz do dia, destacando a tinta vermelha de milhares de anos usada em inscri��es que retratam veados, tatus, pacas, aves e peixes. No teto, figuras humanas em posi��es que sugerem movimento indicam atividades como coreografias rituais que podem ter ocorrido sob aquela mesma laje. Boa parte do teto, no entanto, foi densamente recoberta por fuligem negra.
Lapa dos Caboclos, na Serra da Tromba D'Anta, em Diamantina (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A Press)
A fonte dessa destrui��o est� nos fundos. Apoiado nos patamares rochosos, um fog�o a lenha, de barro e tijolos de adobe e com mais de 100 anos, completamente recoberto por excrementos de morcegos. “Aqui era a cozinha”, aponta o aposentado Jos� Balbino. Os olhos dele percorrem as outras tr�s c�maras e parecem transport�-lo de volta ao tempo em que viveu ali com os caboclos da montanha pr�-hist�rica. “O espa�o maior era onde dormia meu av� e meus parentes. A gente ficava junto, em fam�lia. Ali, naquele menor, a gente fazia fogueiras e tocava viol�o a noite toda”, indicou.
A fuligem n�o � a �nica marca de destrui��o neste tesouro arqueol�gico. Riscos modernos de carv�o com assinaturas de invasores e forma��es rochosas destru�das no interior das c�maras mostram a vulnerabilidade da Lapa dos Caboclos. “Antes, as pessoas moravam aqui e o fogo destruiu muita coisa. Depois teve gente vindo para acampar e fazer arrua�a. Por isso n�o deixamos mais ningu�m entrar, porque sen�o acaba”, disse Jos� Balbino.
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA – www.rotaperdida.com.br – forneceu parte dos equipamentos usados nas expedi��es)