
Passa Quatro e Cruzeiro (SP) – Do alto da Serra da Mantiqueira, as cristas se tornaram abrigos de atiradores, as encostas receberam ninhos de metralhadoras e os sop�s suportaram plataformas para os disparos de canh�es e morteiros. As montanhas entre Minas Gerais e S�o Paulo transformaram-se em campo de uma guerra civil em 1932, com batalhas que duraram de 9 de julho a 2 de outubro daquele ano, entre os paulistas, que n�o aceitavam o golpe de Get�lio Vargas, respons�vel pela derrubada do presidente Washington Luiz, e os mineiros, que se alinharam com o governo federal provis�rio. Os embates envolveram cerca de 100 mil soldados federais, sobretudo mineiros, e 60 mil revolucion�rios de S�o Paulo, tendo o n�mero de mortos sido calculado em 2 mil paulistas e 1.050 do lado federal. Procurando ainda por estruturas manchadas pelo sangue dos combatentes naquelas serras, a reportagem do Estado de Minas chegou ao T�nel da Mantiqueira – uma passagem de quase um quil�metro de extens�o sob a Garganta do Emba�, entre Passa Quatro e Cruzeiro (SP), ponto em que as duas for�as se entrincheiraram.
Aquelas montanhas foram justamente o ponto m�ximo de avan�o dos paulistas, onde a resist�ncia dos mineiros possibilitou a organiza��o e chegada das tropas federais, seguindo-se � retirada dos revolucion�rios posteriormente derrotados na guerra civil. E dentro do T�nel da Mantiqueira se desenrolaram os mais sangrentos combates dessa guerra. At� hoje, a passagem ferrovi�ria, inaugurada pelo imperador dom Pedro II em 14 de junho de 1884, ainda exibe marcas dos enfrentamentos. Suas paredes de tijolos revestidos por massa ainda exibem orif�cios dos proj�teis e estilha�os deflagrados por mineiros e paulistas. “Naquele tempo, os ex�rcitos eram estaduais, compostos pelas for�as p�blicas de cada estado. A Revolu��o de 1932 op�s os dois contingentes mais poderosos do Brasil”, conta Cotta.
Os manuais paulistas tinham inspira��o francesa e os mineiros eram de escola prussiana, tamb�m for�as opostas na Europa. E os manuais foram seguidos � risca. “Merece castigo: quem renuncia � luta antes de esgotados todos os meios de que disp�e, custe o que custar; � preciso avan�ar contra o inimigo, repeli-lo de sua posi��o, ou ent�o resistir at� o fim e sucumbir sem arredar o p�; � proibido: depor as armas sob pretexto de envolvimento por parte do inimigo (consumidas as muni��es, faz-se um �ltimo esfor�o com a baioneta), recuar sob qualquer pretexto”, dizia o manual mineiro. “A guerra era aberta dentro do t�nel. E isso a gente v� com o n�vel de promo��es que era atingido. Muitos soldados chegavam � patente de coronel s� por atos de bravura. A coragem naquela �poca era muito valorizada. Os combates eram olho no olho, com a imin�ncia da morte nos embates di�rios”, descreve Cotta.
A import�ncia dos trilhos era tal que, �s v�speras da guerra, os mineiros recolheram as locomotivas de Passa Quatro e engraxaram parte dos trilhos para que os trens advers�rios n�o viessem do Sul, enquanto os paulistas tamb�m removeram os trilhos que levavam �s suas posi��es. Uma guerra chamada de est�tica, com poucos avan�os sobre as trincheiras que estavam em m�os inimigas. At� que em 13 de setembro os paulistas tiveram de recuar para Guaratinguet�, onde recompunham suas for�as contra o forte avan�o federal, desistindo de vez da ocupa��o das montanhas.
"Hoje n�o se concebe uma guerra fratricida como essa por causa de pol�tica. A vida tinha outro valor"
Francis Albert Cotta, capit�o da Pol�cia Militar de Minas Gerais e p�s-doutor em hist�ria militar
Os trilhos da ferrovia Minas-Rio foram abandonados em 1991 pela Rede Ferrovi�ria Federal Sociedade An�nima (RFFSA). Atualmente, um trecho tur�stico � administrado pela Associa��o Brasileira de Preserva��o Ferrovi�ria, que faz um passeio de maria-fuma�a da esta��o de Passa Quatro, onde h� um museu, at� o alto da serra, na Esta��o Coronel Fulg�ncio. O passeio por dentro do t�nel encerra esse circuito cultural. Na passagem subterr�nea, marcas de pneus mostram que motos ainda cruzam aquela liga��o entre Minas e S�o Paulo. Goteiras pequenas e outras maiores despejam �gua gelada da montanha, que tamb�m desce por drenagens. V�os laterais ao longo das paredes ati�am a imagina��o, pois remetem aos soldados mineiros e paulistas com seus fuzis e baionetas, se protegendo das rajadas de metralhadoras, antes de avan�ar para mais uma carga.

Pelas trilhas de Minas
Parte das comemora��es dos 90 anos do Estado de Minas, a s�rie Montanhas de hist�rias � publicada desde mar�o, com a proposta de resgatar as origens do povo que conquistou o territ�rio montanhoso e desafiador que se tornaria de Minas Gerais. Explorando trilhas, picos e escarpas, as reportagens revelam particularidades e curiosidades de uma gente que a duras penas colonizou e se estabeleceu neste territ�rio hostil, firmando dom�nios e dando origem a uma cultura particular. Na estreia, os caminhos pelas serras entre Ouro Preto e Mariana revelaram os prim�rdios do povoamento de Minas. A segunda reportagem rastreou nossos mais antigos ancestrais, mineiros pr�-hist�ricos que h� 11 mil anos se esgueiravam pelas trilhas da Serra do Cabral. Na edi��o de ontem, o EM revelou os desafios da travessia da Serra Fina, por muitos considerada a mais dura e hostil expedi��o do pa�s.
(A LOJA ROTA PERDIDA/ROTA EXTREMA - www.rotaperdida.com.br - forneceu parte dos equipamentos usados nas expedi��es)