
Moralismo ou liberdade de express�o? Preconceito ou puro machismo? Atitude conservadora, censura ou ofensa pessoal? Duas semanas ap�s um grupo de grafiteiros deixar sua arte nos tapumes da Pra�a da Liberdade, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, um dos pain�is protetores do canteiro de obras � alvo de uma “interven��o” inesperada, que divide opini�es e n�o deixa ningu�m indiferente. Com spray branco, uma pessoa n�o identificada cobriu com uma faixa os seios e o sexo da mulher criada, sobre a madeira, pela artista Patr�cia Caetano (Pat Caetano). Sobre a pintura, a artista escreveu Respeita as Minas.
Passando pelo local, o designer de interiores Guilherme Siqueira, de 25 anos, morador do Bairro Santa Maria, na Regi�o Noroeste, fez quest�o de olhar bem de perto o painel. Para ele, o ato agressivo contra o trabalho da artista n�o passa de conservadorismo. “Que bobagem que fizeram! Os corpos do homem e da mulher s�o livres, n�o h� necessidade de cobrir o sexo desta forma, ainda mais numa pintura”, afirmou Guilherme.
Com a exposi��o da obra do artista norte-americano Jean-Michel Basquiat (1960-1988) em cartaz no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), muita gente aproveitou para ver ou rever as 54 obras integrantes do Mural Liberdade. Moradora do bairro S�o Benedito, em Santa Luzia, na Grande BH, a estudante de psicologia Ana Caroline de Souza, de 24, fez uma leitura bem diferente, que passa pelo machismo.
“O mundo do grafite ainda � dominado pelo homens, h� muito machismo. Assim, muitos n�o concordam com a presen�a de uma mulher neste mural, que ganha, assim, muita visibilidade”, disse Ana Caroline. Para a estudante, “a frase da Pat Caetano � no sentido ‘Respeita as Minas grafiteiras’. E a� algu�m, numa atitude preconceituosa contra a mulher, deu o seu recado diretamente para ela”.
Ana Caroline contou que acompanhou o trabalho dos grafiteiros em torno do espa�o p�blico e achou sensacional a ideia, certa de que os murais dialogam com a exposi��o de Basquiat, a qual j� viu duas vezes. Ao lado, a amiga Taline Cristina Souza, moradora do Bairro Vit�ria, na Regi�o Nordeste, concordou. “Infelizmente, h� muito machismo. Mas n�o sou grafiteira, n�o”, disse a jovem.

RECADOS Do outro lado, quase em frente ao pr�dio conhecido como Rainha da Sucata, algu�m deixou um recado bem perto dos nomes dos artistas que fizeram os grafites e da equipe de produ��o do Mural Liberdade. A tradu��o, do modo que est� grafado sobre a superf�cie branca, � a seguinte: “C�s num cuida nem dos ponto tur�stico, imagina das favela”.
Para a estudante de direito Maria Isabel Tarcis, de 21, moradora do Bairro Funcion�rios, na Regi�o Centro-Sul, “o painel � para todo mundo se expressar”, ainda mais que, no local da frase, havia um espa�o em branco. Quanto ao Respeita as Minas, ela critica. “N�o precisa apagar a arte do outro, estragar um trabalho que, assim, perdeu o seu prop�sito”, disse a estudante.
Na sua p�gina no Facebook, a artista pl�stica belo-horizontina Patr�cia Caetano, de 46, considerou hipocrisia a agress�o � obra e se mostrou perplexa. E em entrevista ao Estado de Minas disse que vai lavrar um boletim de ocorr�ncia na pol�cia e pretende restaurar a obra. “Estava meio que esperando isso, porque a gente j� conhece o jeito que as pessoas reagem a esse tipo de exposi��o. N�o me assustei tanto. At� achei que demorou muito. Fiquei num misto de perplexidade e raiva. Mesmo que esteja esperando, a gente fica um pouco impactada.”
Pat Caetano, que foi informada do ocorrido por uma amiga, explicou ainda que, quando viu as pessoas reagindo � picha��o, principalmente mulheres, ficou com muita raiva. “Muitas mulheres se sentiram ofendidas. Isso foi uma afronta a n�s mulheres, � nossa liberdade”. Sobre a ideia do painel, ela disse que pensou em homenagear as mulheres e, ao mesmo tempo, deixar marcado no cart�o-postal da cidade um apelo ao respeito. “Respeito aos nossos corpos. Respeito ao nosso direito de ir e vir. N�o quis fazer nada agressivo, por isso optei por um tra�o mais l�dico”.
A artista afirmou ainda que no dia em que fez o grafite ficou muito feliz. “Havia crian�as e pais acompanhando meu trabalho. Ningu�m criticou. Eu quis passar uma mensagem politizada, mas sem ser agressiva. Acho que todas as pessoas t�m direito de n�o gostar, sou aberta a cr�ticas. Mas sem atacar com viol�ncia uma express�o que levou tanto tempo para ser feita, com esfor�o mental e f�sico. Fa�a um trabalho voc� mesmo criticando, mas n�o vandalize o meu”, disse, destacando ainda que n�o teve tempo de ir a uma delegacia lavrar o boletim de ocorr�ncia.
Em nota, a Prefeitura de Belo Horizonte se limitou a lamentar “o desrespeito com a obra da artista Patr�cia Caetano”.
ORGANIZA��O A iniciativa de pintar os tapumes e transform�-los no Mural Liberdade foi idealizada e organizada pelo Instituto Amado (cujo objetivo � reconectar a cidade com os moradores por meio da arte p�blica da educa��o), pela Galeria de Arte Quartoamado e por profissionais de forma individual, com apoio da PBH. Os tapumes, de 7,7 x 2,2 metros, em sua maioria, mostram cenas diversas – esporte, urbanas, brinquedos, gastronomia etc. – produzidas com criatividade, cores, spray e pluralidade cultural. As atividades t�m apoio do Movimento Gentileza.
A revitaliza��o completa do complexo tur�stico, prevista para terminar em novembro, tem � frente a PBH, governo do estado, por meio do Instituto Estadual do Patrim�nio Hist�rico e Art�stico de Minas Gerais (Iepha/MG), e uma empresa privada. A pra�a vai passar por uma renova��o do sistema de ilumina��o, restaura��o do coreto, da est�tua Ninfa e do piso da pista de caminhada, reinstala��o das placas de monumentos e a reformula��o do mobili�rio. Ela vai receber equipamentos com padr�es arrojados de design, com a renova��o de bancos e lixeiras. O espa�o foi inaugurado em 1897 e tombado como patrim�nio h� 40 anos pelo Iepha.