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Estado de Minas A MORTE N�O ESCOLHE ESTRADAS

Importante rota econ�mica, BR-251 � tamb�m cen�rio de trag�dias recorrentes

Desde 2016, foram 116 �bitos nas pistas simples no Norte de Minas, que desafiam motoristas


postado em 06/08/2018 06:00 / atualizado em 06/08/2018 08:01

Marca da dor: cruz lembra morto em acidente na BR-251 perto do trevo de Janaúba (foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press)
Marca da dor: cruz lembra morto em acidente na BR-251 perto do trevo de Jana�ba (foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press)

Montes Claros, Francisco S� e Gr�o Mogol – A BR-251, entre Montes Claros e Salinas, no Norte de Minas, � uma das rodovias mais movimentadas do estado, sendo muito usada por motoristas de caminh�es e carretas que transportam mercadorias do Sul e Sudeste para o Nordeste brasileiro. Se por um lado a estrada carrega – e impulsiona – o progresso, por outro, virou um corredor do medo, por ser uma via de pista simples e n�o suportar um tr�fego t�o pesado. Os acidentes com mortes se tornaram rotina: entre 2016 e o primeiro semestre deste ano, foram 889 ocorr�ncias, num total de 105 vidas perdidas no perigoso trecho, segundo a Pol�cia Rodovi�ria Federal (PRF). A m�dia � de um acidente por dia. S� no m�s passado, foram mais 11 mortes em dois graves acidentes, aumentando para 116 o total de �bitos nos �ltimos dois anos e meio.

“D� medo s� de falar que a gente tem que passar por essa estrada“, diz o oficial de Justi�a Jos� Humberto Soares Pena, de 44 anos. Como muitos outros moradores dos munic�pios da regi�o, ele guarda o sentimento de ter perdido parentes (uma irm� e dois primos) em acidentes na BR-251. Ele tamb�m convive com os riscos constantes, pois trabalha em Gr�o Mogol e sempre viaja at� a vizinha Francisco S�, onde mora sua fam�lia. O oficial se desloca por 98 quil�metros, dos quais 50 na perigosa estrada.

Humberto passa sempre pela Serra de Francisco S�, o trecho mais perigoso da via, local de constantes trag�dias. Uma das �ltimas ocorreu no dia 16 do m�s passado e envolveu 10 ve�culos: foram nove vidas perdidas e 53 pessoas feridas. Do total de mortos, apenas um corpo foi reconhecido. Os outros foram carbonizados e, por isso, recolhido material para identifica��o por meio de exames de DNA, que est�o sendo feitos em Belo Horizonte, situa��o que faz prolongar o sofrimento e a dor das fam�lias enlutadas. “S�o tantos acidentes que os moradores da regi�o j� parecem acostumados com a situa��o”, afirma Jos� Humberto Pena. “Acho que a maior causa de acidentes � a imprud�ncia dos motoristas de caminh�es, que ultrapassam em faixas cont�nuas e correm muito para cumprir o hor�rio de entrega das cargas”, diz.

Na quinta-feira, o Estado de Minas percorreu 100 quil�metros da BR-251, entre Montes Claros e o acesso para Gr�o Mogol. A dist�ncia foi suficiente para perceber o perigo enfrentado por quem precisa viajar por todos os 300 quil�metros da rodovia, entre Montes Claros e a BR-116 (Rio-Bahia), trecho onde est�o munic�pios como  Francisco S�, Gr�o Mogol, Salinas, Padre Carvalho e Josen�polis. A reportagem viveu de perto o medo, longas filas de caminh�es e carretas e registrou flagrantes de imprud�ncia dos motoristas, que insistem em desrespeitar o limite de velocidade e fazer ultrapassagens em locais proibidos, especialmente onde a lentid�o das filas de carretas, em contraste com a pressa dos imprudentes termina facilitando a ocorr�ncia de colis�es frontais. Nesse dia, houve mais um acidente grave no trecho, no Km 428 da rodovia, no munic�pio de Gr�o Mogol, que resultou em duas mortes e deixou dois feridos.

Em diversos pontos nas laterais da estrada, o medo e a ocorr�ncia de trag�dias s�o marcadas por cruzes afixadas por parentes de quem perdeu a vida nos acidentes. Na perigosa da Serra de Francisco S�, marcas na pista e peda�os de pe�as de ve�culos s�o provas dos acidentes constantes. Embora o lugar seja chamado pelos moradores da regi�o de “curva da morte”, o trecho, na verdade, � uma sequ�ncia de curvas em uma regi�o �ngreme, ao longo de seis quil�metros, do Km 470 ao Km 476.

No arriscado trecho, h� v�rias placas alertando sobre o perigo e o limite da velocidade permitida (40 quil�metros por hora) – sinaliza��es desobedecidas por muitos motoristas, que insistem em n�o tirar o p� do acelerador. Ao subir a serra (sentido Francisco S�/Salinas), carretas e caminh�es carregados andam em velocidade muito baixa. E assim, mesmo diante do perigo, motoristas mais apressados e impacientes fazem ultrapassagens em locais de faixa cont�nua. Mesmo em se tratando de estrada de pista simples, a reportagem do EM flagrou ve�culos de carga rodando, literalmente, lado a lado no trecho da subida da serra.

IMPRUD�NCIA Os n�meros dos acidentes da BR-251 revelam as faces do perigo. De acordo com a PRF, em 2015, foram registrados ao longo de toda a rodovia 316 acidentes, que resultaram em 330 feridos e 31 mortos. Em 2016, foram 245 acidentes, que deixaram 232 pessoas com ferimentos e 14 mortos. No ano passado, ocorreram no mesmo trecho 238 acidentes, que terminaram com 307 feridos e 38 vidas perdidas. No primeiro semestre de 2018, foram 90 acidentes, com o registro de 114 feridos e 22 mortes.

Para o inspetor Pedro Gilvan Medeiros, chefe substituto da delegacia da PRF em Montes Claros, al�m do excesso de ve�culos, especialmente de caminh�es e carretas, e da capacidade da rodovia de pista simples, a imprud�ncia dos motoristas agrava os riscos. “A maioria dos acidentes na rodovia tem como causa o fator humano. Ocorre pela falta de obedi�ncia � sinaliza��o e, principalmente, pelo excesso de velocidade”, afirma Gilvan.

Feridas incur�veis

Maria Divina mostra a foto da filha: 'É uma dor que nunca passa' (foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press)
Maria Divina mostra a foto da filha: '� uma dor que nunca passa' (foto: Luiz Ribeiro/EM/DA Press)

As mortes ocorridas BR-251 acarretam sofrimento e dor eterna aos parentes de pessoas que sa�ram para uma viagem pela estrada e n�o voltaram mais. � o caso da aposentada Maria Divina Fernandes Soares Pena, de 65 anos, moradora de Francisco S�, um dos munic�pios cortados pela rodovia no Norte de Minas. Divina perdeu a filha, a professora Leila Sabrina Soares Pena, de 25, h� nove anos. “Para mim, � como se fosse hoje. � uma dor que nunca passa”, lamenta a mulher que, h� 12 anos, sentiu tamb�m as mortes de dois sobrinhos em outra trag�dia na mesma rodovia.

Maria Divina recorda que Leila morreu em 12 de julho de 2009, durante uma pequena viagem at� Montes Claros – distante 42 quil�metros de Francisco S�. A professora aproveitava para visitar a exposi��o agropecu�ria de Montes Claros e comprar rem�dios para a m�e. Ela viajava num Santana, que rodou na pista e bateu de frente com um carro. A m� conserva��o do asfalto teria contribu�do para o acidente. Uma passageira, amiga da filha, escapou, mas ficou parapl�gica.

O aut�nomo Lincoln Aparecido Soares Pena, irm�o de Leila, cobra solu��es para melhorar a estrada. “As rodovias est�o sempre muito cheias e n�o comportam tantos carros. Os governantes deveriam olhar isso e melhorar as condi��es das estradas para reduzir o n�mero de acidentes. Deveriam duplicar pelo menos um trecho, entre Montes Claros e Francisco S�”, reivindica. Ele tamb�m sempre passa pela rodovia, fazendo fretes em seu pequeno caminh�o. “J� testemunhei v�rios acidentes e ajudei a socorrer v�timas. Ocorrem muitos acidentes com viajantes de fora que n�o conhecem os riscos dessa estrada.”

Tamb�m moradora de Francisco S�, Raquel Rodrigues de Souza lida constantemente com as trag�dias na BR-251 por conta da sua profiss�o. Socorrista do Servi�o de Atendimento M�vel de Urg�ncia e Emerg�ncia (Samu) no munic�pio, afirma que j� perdeu as contas da quantidade de v�timas de colis�es e capotamentos que atendeu. “J� vi de tudo. � muito dif�cil passar uma semana sem acidentes nessa estrada”, comenta.

Elvira Fernandes ainda não acredita na morte do marido, Juscelino, na tragédia do mês passado(foto: Fernanda Bruna/Divulgação)
Elvira Fernandes ainda n�o acredita na morte do marido, Juscelino, na trag�dia do m�s passado (foto: Fernanda Bruna/Divulga��o)
A dor da perda de um ente querido de forma tr�gica na estrada tamb�m � eterna para a dona de casa Elvira Martins Barbosa, de 35, moradora do distrito de Serra Nova, no munic�pio de Rio Pardo de Minas. Ela � vi�va do lavrador Juscelino Marques, uma das nove pessoas que morreram na trag�dia envolvendo 10 ve�culos no m�s passado. “Nem d� acreditar. � muito dif�cil de aceitar. A gente fica caminhando pela casa e pelo quintal sem encontrar lugar. Tudo fica diferente e ruim”, diz Elvira, agora sozinha com os filhos Fernanda, de 16, Renielson, de 9, e Luan, de 8.

Das nove v�timas, sete eram de Rio Pardo de Minas. Elas viajavam em um Dobl� da secretaria de sa�de do munic�pio, que levava pacientes e seus acompanhantes para tratamento m�dico em Montes Claros. Juscelino faria uma consulta com um neurologista. “Ele estava muito feliz, porque sofria problema de coluna e os m�dicos disseram que poderia melhorar”, relata Elvira.

ANG�STIA Outra moradora de Rio Pardo que convive com uma ang�stia que nunca passa � a servidora p�blica Gercina Santana Rocha. Ela perdeu no mesmo acidente a m�e, a aposentada Maria Francisca Santana, e um irm�o, o sargento da Pol�cia Militar Rafael Pedro Santana, de 25. “Ningu�m se conforma em perder parentes em acidente de uma hora para outra. N�o h� dor pior do que essa. � sem fim, inexplic�vel”, afirma. A m�e morreu no dia da trag�dia, mas seu corpo s� foi identificado e liberado para o enterro h� nove dias. O PM teve 90% do corpo queimado e morreu em 27 de julho, depois de ficar 11 dias internado na Santa Casa de Montes Claros. O empres�rio Abr�o Barbosa lamenta a morte da sobrinha, a estudante Nat�lia Ara�jo de Almeida. “� horr�vel ter um parente morto num acidente de carro. Os governantes precisam olhar para essa estrada. A rodovia n�o suporta o fluxo de caminh�es.”

Descontrole fatal


Na edi��o de ontem, o Estado de Minas publicou levantamento exclusivo feito pela Pol�cia Rodovi�ria Federal mostrando que, em Minas Gerais, as rodovias duplicadas registraram mais mortes por quil�metro do que as simples em 2016 e em 2017. Essa situa��o revela, segundo especialistas, motoristas, parentes de v�timas e a pr�pria PRF, que o controle de velocidade deve estar acompanhado das duplica��es, para que a mudan�a de perfil das rodovias efetivamente signifique redu��o de mortes.

Ver galeria . 10 Fotos Corpo de Bombeiros/Divulgação
(foto: Corpo de Bombeiros/Divulga��o )


"Est�vamos na serra e todos os carros seguiam com o alerta ligado, quase parados. Num piscar de olhos, percebemos o impacto. Um caminh�o nos espremeu e paramos atr�s de uma carreta de sal. Foi um impacto gigante em cima da gente. A janela estourou e pulei por ela para pedir ajuda. A�, vi um homem com o corpo queimando, que agora sei que era o policial, em desespero, gritando pela m�e dele. Foi muito chocante."

 

Sandra Simone Almeida, sobrevivente da trag�dia no Km 474 da BR-251 que matou nove pessoas em 16 de julho, entre elas o sargento Rafael Pedro Santana 


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