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Estado de Minas

Li��es das crian�as: saiba como meninas de cabelos crespos ajudaram suas m�es a assumir os cachos

Mulheres negras abandonam o alisamento qu�mico para oferecer refer�ncia de beleza afro em casa e mostrar o encanto da diversidade. %u201CA ditadura do liso vira escravid�o%u201D, diz uma das m�es


postado em 12/10/2018 06:00 / atualizado em 12/10/2018 13:36


 

“Ana Beatriz, voc� cortou seu cabelo?” “Cortei, mam�e. N�o gosto do meu cabelo”, respondeu a pequena, aos prantos. Com um n� na garganta e uma dor insuport�vel no peito a comunic�loga Ana Paula Barbosa, de 37 anos, respondeu � menina, de apenas 4: “Mas, filha, seu cabelo � lindo”. “N�o � n�o. Ele nem bate nas costas”, ela contestou, ainda chorando. O di�logo foi postado pela m�e em uma rede social. Para ela era um desabafo. Mas na verdade � muito mais que isso. � um dilema que se esconde sob as mechas de milhares, talvez milh�es de fam�lias, em um pa�s marcado pela miscigena��o e onde o padr�o de beleza n�o contempla exatamente essa realidade. Mas o desdobramento dessa conversa revelaria ainda mais: que em sua inoc�ncia, e da sua forma, os pequenos t�m muito a ensinar a seus pais e m�es. E que Bia est� longe de ser exce��o – seja em sua ang�stia, seja em suas li��es. Foi pela rea��o da filha que Ana Paula percebeu que tamb�m ela precisaria adotar o padr�o de beleza afro para servir de exemplo � filha.

Filha de pai branco, de cabelo liso, e m�e negra, de cabelos crespos, Ana Beatriz tem pele clara e cabelos crespos. Desde que os cachinhos ganharam forma, a m�e resolveu investir em penteados ou no volume solto que valorizassem a beleza da filha. A rea��o de Bia naquele dia foi um choque para a comunic�loga, que sempre se preocupou em rodear a pequena de refer�ncias de beleza pr�ximas � da crian�a. “J� que na TV aberta n�o tem, pesquiso na internet desenhos que tenham crian�as negras, de cabelo crespo. Compro livros com personagens afro. Na m�sica, a mesma coisa”, afirma.

Ana Paula assumiu os cachos para fazer com que a filha, Bia, se sentisse bonita com sua cabeleira, estudou os cuidados para pelos crespos e abriu um salão(foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Ana Paula assumiu os cachos para fazer com que a filha, Bia, se sentisse bonita com sua cabeleira, estudou os cuidados para pelos crespos e abriu um sal�o (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)


Mesmo com todo o esfor�o, ela diz que � desafiador exaltar uma beleza que a sociedade ainda reprime. “Ela entende que bonito � o que aparece na televis�o, nos desenhos animados. As princesas todas t�m cabelos longos e lisos, que batem nas costas”, comenta a m�e. Uma das sa�das encontradas pelos pais da pequena tem sido o di�logo. “Tento mostrar para ela o qu�o bonito s�o todos os tipos de cabelo. E venho fazendo esse trabalho dia ap�s dia, para poder mostrar que o cabelo dela n�o � feio, que ele � �nico”, explica Ana Paula.

A outra iniciativa partiu de uma mudan�a radical, em um processo longo e dif�cil para a m�e, que aos 35 anos decidiu passar por uma transi��o capilar. “� um processo doloroso de aceita��o. � vergonhoso sair na rua com o cabelo que � visto pelas pessoas como desarrumado. Hoje, aceito minhas origens africanas e me sinto livre com meu cabelo natural. Mas essa mudan�a ocorreu primeiro por dentro, para depois refletir por fora”, explica.

Ana Paula destaca a import�ncia de o exemplo ocorrer primeiro em casa, como lhe mostrou sua filha. “Como agora uso meu cabelo natural, isso j� � uma refer�ncia para ela. Acho dif�cil m�es que querem que as filhas usem crespos, mas t�m os cabelos alisados quimicamente. Muitas vezes, essas meninas n�o se identificam. Elas querem ser parecidas com a m�e”, comenta. As iniciativas dos pais t�m surtido efeito na autoestima de Ana Beatriz. Ao receber a reportagem do EM, ela n�o s� fez quest�o de exibir a cabeleira, como deu at� tutorial da forma correta de arrumar os cachinhos para ir para a escola.

O epis�dio com a filha trouxe mudan�as profundas na vida pessoal e profissional de Ana Paula. Depois de deixar um emprego numa ag�ncia de comunica��o, ela resolveu dedicar-se ao estudo e tratamento do cabelo crespo. O aprendizado virou empreendimento, o Sal�o Beleza Crespa. O neg�cio n�o tem um espa�o f�sico fixo. Ela atende na pr�pria casa e vai tamb�m at� as clientes. “A proposta do meu sal�o � valorizar a cultura negra por meio da est�tica. Hoje, o meu trabalho � voltado para o tratamento do cabelo, de forma que ele fique saud�vel sem ser preciso o uso de qu�mica”, explica.

Ariane assumiu o estilo afro junto com Isabelly.
Ariane assumiu o estilo afro junto com Isabelly. "N�o quero que ela passe pelo que passei. A ditadura do liso vira escravid�o", diz. (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)


Isabelly Samara Fernandes, de 10, n�o � a �nica crian�a negra da sala de aula dela, mas � a �nica menina que usa os cabelos crespos naturais. A m�e, Ariane Dias, de 29, decidiu que n�o mudaria a estrutura do cabelo da filha enquanto o poder de decis�o estivesse na m�o dela. “N�o quero que ela passe pelo que passei. Minha m�e alisou meu cabelo quando eu tinha 11 anos. A ditadura do liso vira escravid�o”, comenta.

Assim como a m�e de Ana Beatriz, Ariane tamb�m decidiu enfrentar a transi��o capilar h� cerca de um ano. “Ela olhava pra mim e n�o sentia identifica��o comigo. Achava que meu cabelo era liso, e perguntava: ‘Por que seu cabelo � liso e o meu n�o?’. Decidi, ent�o, que ela tinha que se identificar comigo. Foi quando resolvi parar de alisar”, relembra, emocionada. No caso dela, as tran�as rec�m-colocadas t�m ajudado a suavizar o processo de transi��o.

Mesmo com alguns casos de preconceitos j� sofridos pela filha por assumir o crespo, como no dia em que a coleguinha da escola disse que ela tinha “cor e cabelo de empregada”, Ariane acredita que hoje n�o s� � mais f�cil assumir a cabeleira afro, como at� � incentivado. “Quando minha m�e disse que ia alisar meu cabelo, para mim foi a gl�ria. Porque na minha �poca n�o tinha essa de voc� achar bonito um cabelo crespo, admirar uma pessoa com a ess�ncia dela. Antigamente, era s� o padr�o liso”, conta.

Mercado se adapta aos cachos

 

 

Pressionado pelo movimento de mulheres crespas que n�o aguentavam mais a escravid�o da chapinha, formol e artif�cios para se encaixar no padr�o liso, o mercado de produtos de beleza tem se adequado. Hoje, j� � poss�vel encontrar uma variedade de cosm�ticos para tratar os diversos tipos de cabelos crespos, inclusive os fios sens�veis das crian�as.

Propriet�ria de um dos sal�es especializado em cabelos crespos mais antigos da cidade, o Beleza Negra, Betina Borges diz que o segredo do natural bonito, independentemente do tipo, est� no tratamento adequado. A paix�o pelo cuidado com as madeixas afro come�ou ainda na inf�ncia, incentivada pela av�. “Minha av� ia pra minha casa tran�ar o meu cabelo e das minhas irm�s. O meu era sempre o mais crespo, que era chamado tamb�m de cabelo ruim, duro. Mas eu nunca ouvi esses termos da boca dela. Ela sempre dizia que meu cabelo era lindo” relembra a cabelereira.

Esse amor cultivado na inf�ncia pelo crespo, as li��es de cuidado e o afeto pela av� viraram livro infantojuvenil. “Ficava quietinha pra minha v� fazer as trancinhas. �s vezes, eu gritava para desembara�ar e ela falava: ‘Fica quietinha, porque um dia voc� vai fazer cabelo de muita gente’. Mesmo assim eu gritava ‘ai, ai, ai, ui, ui, est� doendo v�’. O caso acabou virando enredo de um livro’”, conta. Hoje, a cabeleireira vai para escolas divulgar Betina, escrito por Nilma Lino Gomes e publicado pela editora Mazza, para contar um pouco da sua hist�ria e ensinar para as crian�as os cuidados com os crespinhos.

A profissional acredita que a forma como a crian�a vai lidar com o cabelo tem muita rela��o com a educa��o dada pelos pais. “Os pais t�m que ensinar para as filhas, desde pequenas, que os cabelos delas s�o lindos. A m�e, por sua vez, tamb�m tem que estar com o cabelo compat�vel com o da crian�a. Porque ela vai cobrar, vai querer saber por que a m�e alisa e ela n�o pode”, destaca. “A crian�a tem que ter certeza e convic��o de que o que ela quer � o cabelo natural. E que n�o s�o as pessoas que v�o falar o que fica ou n�o bom pra ela”, emenda Betina. Ela ainda aponta uma falha comum entre os pais, que � fazer brincadeiras depreciativas com os pequenos. “N�o cabe � m�e, pai ou av� fazer piadinha. ‘Ah, o cabelinho duro, a jubinha de le�o’. Tem que ser o inverso. ‘Olha, filhinha, lembra do Michael Jackson, que novinho usava o cabelo black power?’ Assim a crian�a vai ganhando gosto”, aconselha a especialista.

 

 

Pol�mica na escola


Cabelos e estilos de penteado afro estiveram no centro das discuss�es em Belo Horizonte nesta semana, devido a den�ncias de alunas do Col�gio Tiradentes, ligado � Pol�cia Militar, de que foram pressionadas a abandonar, no ambiente escolar, as tran�as que usam. A unidade da escola na Regi�o Leste de Belo Horizonte teria convocado as estudantes para exigir que adequassem seus penteados ao padr�o da institui��o, previsto no regulamento de uniformes, que estabelece exig�ncias para os sexos feminino e masculino. O epis�dio motivou protestos em redes sociais e na pr�pria escola. A unidade se manifestou, afirmando que a reuni�o realmente ocorreu, mas que foi dirigida n�o apenas �s adolescentes que usavam tran�as, mas tamb�m outros tipos de adere�os e cores fora do padr�o exigido no regimento. “As orienta��es n�o tiveram como objeto o tipo de cabelo, mas a forma regulamentar de uso”, disse a escola, lembrando que “no ato da matr�cula”, os pais declaram estar de acordo com as normas do educand�rio.

Veja a �ntegra da nota do Col�gio Tiradentes:

 

"No Col�gio Tiradentes da Pol�cia Militar  existem regras de conduta que guardam rela��o direta com a cultura e pr�tica dos valores  pr�prios de uma organiza��o militar. Como em qualquer organiza��o s�ria, as regras e normas, no  Col�gio Tiradentes, devem ser respeitadas.  Diante de n�o cumprimento, h� previs�o da aplica��o de medidas disciplinares de car�ter pedag�gico, cujo objetivo  � auxiliar na forma��o do aluno. Considerando  que alguns alunos n�o estavam cumprindo as regras de  apresenta��o pessoal, e antes da ado��o de medidas disciplinares mais r�gidas, cab�veis, a equipe pedag�gica do col�gio  optou por reorientar alunos e alunas sobre a forma regulamentar de ser arrumar os cabelos.

Portanto, as orienta��es passadas aos alunos e alunos n�o tiveram como objeto o TIPO de cabelo, mas a FORMA  regulamentar de uso . Todos j� haviam sido advertidos verbalmente para se adequarem. Importante destacar que no ato da matricula,  os respons�veis pelos alunos declaram estarem cientes de pleno acordo com as normas do educand�rio. O regulamento  n�o especifica o tipo de tran�a, mas estabelece que se forem usadas, estas dever�o estar presas.  O mesmo se aplica as alunas que usam cabelos longos. As alunas foram reorientadas sobre o cumprimento de regras. A  Dire��o segue avaliando as condutas dos alunos que, porventura, tenham descumprido outras normas.

Os processos pedag�gicos do CTPM s�o alicer�ados por vasto conjunto de fundamentos e valores, individuais, sociais e institucionais que orientam o trabalho educativo, destacando-se, dentre outros: a �tica, a pol�tica, a est�tica militar, a  legalidade, a moralidade, a liberdade, a lealdade, o patriotismo, a hierarquia, a disciplina, o esp�rito de justi�a, o civismo, a solidariedade, o respeito, a aten��o � fam�lia, o autodom�nio, o acatamento �s normas, o respeito aos costumes e tradi��es da PMMG."


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