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Estado de Minas PROFISS�O DE RISCO

De janeiro a agosto, 29 professores foram v�timas em ocorr�ncias registradas em escolas de BH

No dia dedicado aos educadores, EM tra�a quadro que revela profissionais acuados por epis�dios de viol�ncia, desrespeito e invas�o das escolas pelo crime, mas tamb�m determinados a se manter na miss�o de ensinar


postado em 15/10/2018 06:00 / atualizado em 16/10/2018 07:50

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)


Salas de aula espalhadas pelo Brasil enfrentam, em pleno s�culo 21, desafios prim�rios que v�o do acesso � educa��o � qualidade do ensino. � frente delas, quem no passado era mestre, detentor de respeito absoluto, agora luta diariamente contra riscos que se tornaram inerentes � carreira de professor. No dia a dia, ser respeitado, ter controle sobre os alunos, prender a aten��o da turma, lidar com agress�es verbais e at� f�sicas e imergir em ambientes e contextos hostis passaram a ser desafios por vezes muito maiores que o de ensinar. Com ocorr�ncias subnotificadas, os dados oficiais dispon�veis s�o insuficientes para medir o tamanho do problema. Mas mesmo o pouco que se sabe sobre essa realidade � preocupante. A t�tulo de exemplo, s� em Belo Horizonte, pelo menos quatro ocorr�ncias foram registradas por dia nas escolas municipais nos primeiros oito meses do ano (veja arte). Hoje, data em que se comemora o dia dedicado a eles, o panorama profissional mostra educadores acuados, tentando vencer a viol�ncia por meio do conhecimento. Suas armas – livros, cadernos, did�tica e dedica��o – parecem fr�geis, mas s�o ainda a grande aposta na transforma��o.

Afinal, eles muitas vezes contam apenas com elas para enfrentar quadros que variam do tr�fico em pleno p�tio, evas�o escolar e perda de alunos para a viol�ncia, nas escolas mais carentes, � press�o econ�mica de empresas e fam�lias e desrespeito de alunos, nas mais estruturadas. O resultado aparece em afastamentos cada vez mais frequentes por quest�es de sa�de e uso de medicamentos para ajudar a enfrentar a press�o do cotidiano.

Rotina que se reflete em n�meros como os computados pela Guarda Municipal de Belo Horizonte, que de janeiro a agosto registrou 32 ocorr�ncias nas escolas da rede mantida pela prefeitura, que tiveram servidores como v�timas. O n�mero � o mesmo de igual per�odo do ano passado. Do total, 11 foram constitu�das de enfrentamento f�sico (cinco a mais que o computado em 2017) e duas, de les�es corporais, situa��o que n�o havia sido registrada no intervalo anterior. De acordo com a Secretaria Municipal de Educa��o (Smed), os professores foram as v�timas na maioria absoluta dos casos: 29 registros. Uma realidade que est� longe de ser exclusividade da capital. Fora dela, o problema se repete e se agrava, embora faltem n�meros precisos para represent�-lo.

O professor Thiago Assis Silva, de 25 anos, faz parte de uma estat�stica ainda desconhecida, que engloba todo o estado. Havia apenas oito dias que o jovem do interior de Minas havia assumido a sala de aula, quando viu sua integridade f�sica ser desafiada. Pacato, foi exposto publicamente em um v�deo que circulou nas redes sociais, no qual aparece como alvo de chutes e socos de dois adolescentes, seus alunos. Thiago se formou em junho como engenheiro civil, e resolveu logo dar asas a seu plano de uma carreira acad�mica, come�ando primeiro pelas escolas de estado e munic�pio para depois chegar �s turmas de universidade.

No �ltimo 14 de agosto, assumiu turmas de matem�tica no 7º ano do ensino fundamental na Escola Estadual Doutor Moreira Brand�o, em Camanducaia, Sul de Minas. “N�o sei se foi devido � minha inexperi�ncia, mas n�o estava conseguido controlar a turma, que n�o obedecia. Alguns alunos s�o do seu tamanho, e parecem ter a mesma idade. Mas tive dificuldade em uma sala espec�fica”, conta. Dois alunos em especial tornavam a situa��o ainda mais complicada.

"A maioria dos alunos n�o respeita nada nem ningu�m, seja o professor ou o material da escola. As fam�lias est�o desestruturadas e est� cabendo � escola educar e disciplinar"

Thiago Assis Silva, 25 anos, professor em Camanducaia



No dia 22, ao v�-los com uma bola em plena sala de aula, Thiago pediu in�meras vezes que parassem de jogar. “Continuei dando aula, at� que a bola bateu no quadro e apagou um peda�o do desenho que eu tinha feito, o que acabou me irritando. Quando fui pegar a bola, um come�ou a jogar para o outro. Fiquei assim um bom tempo, com a sala inteira debochando da minha cara. A gente fica mal, pois tenta passar conhecimento e o aluno faz isso com voc�”, relata.

Retornando ao quadro, ele voltou a passar a mat�ria. Quando a bola voltou a cair perto dele, conseguiu peg�-la. A primeira rea��o foi rasgar a bola de pl�stico. “Um dos alunos veio me intimando, dizendo que eu teria de pagar. Eu o empurrei pedindo para sentar e ele n�o se sentou. Eu j� estava sem sentido, irritado e nervoso. Veio o outro aluno, provavelmente o que me derrubou. Ele me chutou, acertou o rosto. Foi tudo muito r�pido. Ningu�m se levantou. Ningu�m ajudou. O pessoal ficou filmando”, conta.

Quando se levantou, levou os dois para a secretaria. Sob choque, n�o teve rea��o. Nem mesmo contou o que havia ocorrido. Saiu da escola jurando nunca mais voltar. No dia seguinte retomou seu posto, acreditando que conseguiria esquecer, o que tamb�m n�o ocorreu. A escola teve ci�ncia da situa��o apenas no dia 31 daquele m�s, quando o v�deo chegou ao conhecimento da supervis�o.

DEBOCHE Na ocasi�o, para cumprir formalidade, o professor registrou boletim de ocorr�ncia, mas, mesmo com os machucados ainda � vista, se recusou a fazer o exame de corpo de delito. Foram ainda muitos encontros com os agressores, at� que fosse transferidos dois meses depois para outro col�gio. “Foram para a escola de onde j� haviam sa�do por causarem problemas. Sa�ram daqui dando risada”, diz o professor Thiago.

Estudante de escola p�blica e ex-aluno do col�gio, Thiago diz que n�o vai abrir m�o de seu sonho de dar aula. Mas diz n�o acreditar mais na educa��o. “Quando estava no ensino m�dio, eu pensava que um dia seria eu a escrever na lousa. Professor n�o ganha bem, mas quero continuar, porque gosto”, diz. Mas, o sonho dourado, por enquanto, tomou outros tons: “A maioria dos alunos n�o respeita nada nem ningu�m, seja o professor ou o material da escola. As fam�lias est�o desestruturadas e est� cabendo � escola educar e disciplinar”.

Com nervos � flor da pele


Um dos maiores desafios atualmente é estabelecer uma relação de confiança com todos os estudantes(foto: Jair Amaral/EM/DA Press - 31/8/18)
Um dos maiores desafios atualmente � estabelecer uma rela��o de confian�a com todos os estudantes (foto: Jair Amaral/EM/DA Press - 31/8/18)


Ficaram no passado, h� muito, os dias em que o professor era a autoridade suprema em sala de aula. Os desafios atuais s�o tantos, que n�meros absolutos n�o conseguem retratar o perigo que cerca a carreira. Nela, � preciso considerar e confrontar contextos sociais diversos – por vezes at� enfrent�-los. S�o situa��es nas quais hist�rias de vida ou um simples olhar cuidadoso podem fazer a diferen�a. A viol�ncia na escola e no entorno dela fazem da profiss�o de educador uma panela de press�o, que parece sempre prestes a explodir. Habilidade e paci�ncia no trato com os alunos s�o tidas como a chave para lidar com o processo.

S�o 32 anos em sala de aula. Para o professor de geografia e hist�ria Carlos Justino Corr�a, experi�ncia e paci�ncia s�o a alma do neg�cio. Aposentado na rede p�blica de ensino, se dedica hoje a uma escola particular em Contagem, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte. Com o caminho feito nos dois campos, aponta com propriedade as diferen�a entre uma e outra rede: o interesse dos alunos. “Na escola particular eles s�o muito mais interessados. A estrutura que os estudantes t�m, financeira, psicol�gica e familiar, pesa muito”, diz. Mas, se o ponto a ser comparado passa pelas emo��es, com um suspiro, ele emenda: “Nesse aspecto, o aluno da rede p�blica demonstra muito mais, talvez at� por car�ncia. Muito menino v� no professor a oportunidade de carinho, como um pai ou uma m�e.”

"� a �nica profiss�o que pode alterar a realidade. Como a escola reflete a sociedade, est� nas nossas m�os a esperan�a e a forma��o de um mundo melhor"

Val�ria Morato, presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais

Hist�rias n�o faltam na carreira de Justino. Da escola onde a crian�a ia exclusivamente para merendar at� as barreiras do tr�fico. De professores agredidos verbalmente em seu cotidiano de trabalho �queles que apanharam, passando por assassinato de aluno em pleno p�tio. A experi�ncia o levou a compreender a import�ncia de duas atitudes para conquistar a confian�a dos estudantes e tomar as r�deas da sala de aula: a rela��o pr�xima e respeito pelos alunos.

Em um dos col�gios em que lecionou, perdeu, num curto espa�o de tempo, mais de 20 alunos de 14 a 16 anos para o tr�fico. Em outro, em Betim, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, quando assumiu a vice-dire��o, teve que tomar as r�deas da quest�o disciplinar. “Por uns seis meses, pensei que n�o dar�amos conta. O tr�fico corria dentro da escola. Dava 18h, era uma debandada geral. Aluno ia para o banheiro fumar maconha e nos confrontava. Professores reclamavam que n�o conseguiam dar aula. Um deles distribuiu uma tarefa e os estudantes jogaram as folhas no lixo e puseram fogo”, conta.

Com o chefe da “boca”, que fora seu aluno, negociou o fim da venda de drogas. Como ningu�m podia ser liberado antes do hor�rio de t�rmino das aulas, ficou v�rias vezes de guarda no port�o para impedir a sa�da dos jovens, que pulavam o muro para ir embora. Representantes da Secretaria de Educa��o da cidade, Pol�cia Militar, Guarda Municipal e Conselho Tutelar foram chamados para sentar � mesa e buscar uma solu��o. “Eu deixei claro que n�o tinha peito de a�o e n�o ia segurar aqueles jovens dentro da escola.”

A estrat�gia passou a ser outra. Em vez do enfrentamento, a compreens�o. Depois da merenda, quando aproveitava para conversar com os alunos, passou a liberar quem queria ir embora. “Passaram a ter mais confian�a”, lembra. Professores doentes, dependentes de antidepressivos e ausentes s�o comuns nesse cen�rio. “Era raro dar aula num dia em que n�o tivesse sequer uma falta. O buraco � muito mais profundo. N�o � o professor que � pregui�oso. S�o muitos fatores que levam � desmotiva��o. Os problemas das escolas p�blicas s�o astron�micos. Tem que ser muito lutador, porque a realidade � bruta. E quanto mais periferia, pior.”

PARTICULARES Mas se engana quem pensa que a viol�ncia � fen�meno apenas da rede p�blica de ensino. Na particular, um ambiente in�spito de cobran�a d� as cartas, muitas vezes dif�ceis de jogar. Para a presidente do Sindicato dos Professores do Estado de Minas Gerais (Sinpro-MG), Val�ria Morato, a escola reproduz a sociedade e, num ambiente de intoler�ncia que tomou conta do pa�s, os educadores dos col�gios particulares n�o ficam imunes � realidade. “Sofrem a intoler�ncia por parte dos pais de alunos, dos pr�prios alunos e dos donos da escola. Essas atitudes se materializam desde o desrespeito � formula��o do projeto pol�tico pedag�gico at� as agress�es verbais que tratam os professores como meros fornecedores de servi�os”, diz.

Se na escola p�blica o contexto social e familiar � inerente � quest�o da viol�ncia em sala de aula, na particular a pr�pria rela��o de consumo contribui para isso, na vis�o de Val�ria. “O contexto social tamb�m interfere, mas de forma diferenciada”, afirma. N�o h� n�meros reais sobre o problema. “O professor se sente oprimido, com medo de perder o emprego e acaba n�o denunciando. Isso faz com que ele adoe�a”, afirma. Mesmo diante de uma situa��o dura, Val�ria n�o considera a profiss�o como um risco. “� a �nica profiss�o que pode alterar a realidade. Como a escola reflete a sociedade, est� nas nossas m�os a esperan�a e a forma��o de um mundo melhor.”

Uni�o para combater os problemas


O diretor estadual do Sindicato �nico dos Trabalhadores em Educa��o de Minas Gerais (Sind-UTE MG), Paulo Henrique Santos Fonseca, acredita que a presen�a de outros profissionais na escola, como assistentes sociais e psic�logos, ajudaria a balancear a quest�o para todos os lados. Outro ponto � a aproxima��o das fam�lias com a escola, para que os educadores possam entender pelo que o estudante est� passando e como pode ajud�-lo. Na falta de n�meros oficiais, empiricamente � certo dizer sobre a gama de docentes acometidos por doen�as f�sicas e psicol�gicas que os levam, muitas vezes, ao afastamento. “A maioria dos professores se envolve muito com as quest�es vivenciadas pelos estudantes, o que os deixa fragilizados”, conta.

H� riscos e, segundo ele, t�m aumentado os casos de desrespeito e viol�ncia, que variam de agress�o verbal at� enfrentamento f�sico. “A escola est� inserida num contexto social e reflete os problemas da sociedade como um todo, entre eles a desigualdade econ�mica, que � o grande motivador da viol�ncia. O desemprego em alta acaba danificando o tecido social e familiar, e os problemas que o estudante vive em casa s�o externados no seu conv�vio escolar com colegas, professores e trabalhadores em educa��o de maneira geral”, relata.

E as interfer�ncias n�o param por a�. Segundo Paulo Henrique, um dos maiores problemas enfrentados pelo educador � o desinteresse e a indisciplinados alunos. “Ele se sente feliz quando consegue prender a aten��o do estudante e desenvolver algo. H� momentos l�dicos muitas vezes, mas na sala de aula n�o funciona: temos alunos vivendo realidade social dif�cil e professores sobrecarregados, porque nenhum trabalha uma �nica jornada e tudo isso compromete o desenvolvimento em sala de aula.”

Em Belo Horizonte, a t�nica � tentar combater o problema de forma conjunta. As secretarias municipais de Educa��o e de Seguran�a e Preven��o integram o Grupo de Trabalho de Seguran�a nas Escolas, que tem como objetivo elaborar propostas de a��es intersetoriais para preven��o e redu��o de viol�ncia nas escolas municipais da capital. “Com base na an�lise dos dados produzidos a partir das ocorr�ncias registradas no interior das escolas pela Guarda Municipal de Belo Horizonte, o GT de Seguran�a nas Escolas avan�a na compreens�o das especificidades e tra�a uma a��o qualificada para tratar da viol�ncia n�o somente dentro das unidades de ensino, mas a amplia tamb�m para as comunidades onde elas est�o inseridas”, informou a SMSP, por meio de nota.

"H� momentos l�dicos muitas vezes, mas na sala de aula n�o funciona: temos alunos vivendo realidade social dif�cil e professores sobrecarregados, porque nenhum trabalha uma �nica jornada e tudo isso compromete o desenvolvimento em sala de aula"

Paulo Henrique Santos Fonseca, diretor estadual do Sindicato �nico dos Trabalhadores em Educa��o de Minas Gerais



Projetos e estrat�gias educativas


At� o fim do ano, a Secretaria de Estado de Educa��o (SEE) deve conhecer a realidade nas escolas da rede. Desde mar�o, est� dispon�vel para diretores e gestores escolares um sistema on-line em rede de registro de situa��es de viol�ncia, que permite a coleta de dados sobre a viol�ncia nas escolas. Por estar ainda em processo de implementa��o, a pasta informou que as informa��es dispon�veis ainda s�o incipientes.

O sistema � parte do Programa de Conviv�ncia Democr�tica nas Escolas, implantado ano passado e voltado para professores e estudantes. O objetivo � articular projetos e estrat�gias educativas para promover e defender direitos, compreender e combater a viol�ncia no espa�o escolar, incentivar a participa��o pol�tica da comunidade escolar e fortalecer a pol�tica de educa��o integral nos territ�rios onde as escolas est�o inseridas.

A secretaria chama aten��o ainda para o programa Justi�a restaurativa nas escolas. Lan�ado em fevereiro, � resultado do Termo de Coopera��o T�cnica (TCT) assinado pelo Estado de Minas Gerais, Prefeitura de Belo Horizonte, Minist�rio P�blico de Minas Gerais (MPMG), Tribunal de Justi�a de Minas Gerais (TJMG) e pela Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Por meio do TCT, os parceiros se comprometem a unir esfor�os para a implanta��o dos N�cleos de Orienta��o e Solu��o de Conflitos (N�s) ou outros espa�os para discuss�o do programa nas escolas da rede p�blica e a capacitar seus integrantes como uma pol�tica de orienta��o ou solu��o extrajudicial de conflitos identificados no ambiente escolar.

Inicialmente, o programa vai atender 120 escolas municipais e 120 escolas estaduais, que aderiram espontaneamente. Em cada uma, a comunidade escolar vai indicar uma equipe de cinco pessoas – podem ser diretores, professores, alunos, ex-alunos, pais, desde que tenham participa��o na rotina da escola – que ser� treinada para implantar e divulgar os ideais do programa na escola. Os n�cleos j� est�o em funcionamento nas escolas estaduais selecionadas.


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