
Troncos e galhos retorcidos de �rvores mortas, �reas sem grama ou com capim crescendo entre as pedras portuguesas comp�em atualmente o cen�rio de parte da Avenida Bernardo Monteiro, na Regi�o Centro-Sul. Mas a Prefeitura de Belo Horizonte (PBH) come�a a ensaiar os primeiros passos para mudar a situa��o do trecho v�tima da praga que matou 20 dos 51 exemplares de f�cus existentes na via. Por meio de concurso, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente busca solu��es para a via. Quem conquistar o primeiro lugar receber� um pr�mio de R$ 100 mil, e as interven��es podem come�ar em 2019. Enquanto isso, frequentadores da avenida apontam o que consideram necess�rio para melhorar a situa��o do local. Para especialista, al�m do comprometimento do poder p�blico em manter o trecho como patrim�nio da cidade, respeitando a natureza, � preciso que a sociedade civil fa�a parte do processo.
O Concurso Nacional de Estudos para a Revitaliza��o da Avenida Bernardo Monteiro, lan�ado no s�bado por meio de edital de licita��o publicado no Di�rio Oficial do Munic�pio (DOM), vai escolher as melhores propostas de arquitetura, urbanismo e paisagismo, em forma de estudo t�cnico preliminar para as interven��es que devem ser feitas no trecho entre a Avenida Brasil e a Pra�a Hugo Werneck . Elas tamb�m v�o contemplar drenagem, irriga��o, sinaliza��o, instala��es el�tricas e luminot�cnico, acessibilidade, conforto ambiental e mobili�rio urbano. A partir do estudo t�cnico preliminar, ser�o obtidos os respectivos projetos de desenvolvimento.
O trecho da Avenida Bernardo Monteiro � protegido pelo Conselho Deliberativo de Patrim�nio Cultural do Munic�pio. De acordo com a Diretoria de Patrim�nio da Funda��o Municipal de Cultura (FMC), as primeiras leis de prote��o relacionadas ao patrim�nio cultural de BH foram para �rvores, sendo o assunto sempre tratado “com muito cuidado” por esse setor e pela Secretaria de Meio Ambiente. Em nota, a FMC informa que as �rvores da avenida s�o protegidas dentro do Conjunto Urbano Avenidas Caranda� – Alfredo Balena e Adjac�ncias “como ambi�ncia polarizadora de valor cultural, por apresentar grande import�ncia para a cidade, tanto pelo valor hist�rico-urban�stico como sua configura��o da cena urbana e no cotidiano dos moradores”.
Em reuni�o do Conselho Deliberativo, em 27 de fevereiro de 2013, foi apresentado pela representante da Secretaria Municipal de Meio Ambiente um diagn�stico da situa��o das �rvores que estavam infectadas pela mosca-branca. Segundo a FMC, o relat�rio apontou que “quatro �rvores da Avenida Bernardo Monteiro j� se encontravam mortas e ofereciam risco de queda, acarretando risco aos transeuntes e im�veis da regi�o”.
Para quem trabalha na regi�o, as �rvores fazem muita falta. Gerente administrativo de uma loja de produtos ortop�dicos, Rafael Ara�jo, de 36 anos, diz que o ideal seria arborizar ainda mais. “Depois da retirada dos f�cus, aqui esquentou muito. A regi�o era bem mais fresca, as �rvores s�o fundamentais na melhoria da qualidade do ar e sentimos na pele o calor. Tamb�m tem muito carro, muita sujeira, teria que amenizar isso. Em vez de haver mais �rvores, est�o tirando, e n�o s� nessa avenida.”"O grande objetivo � o retorno das �rvores de grande porte ao local, e tamb�m permitir o retorno das feiras, tudo isso faz parte do ambiente"
J�lio De Marco, arquiteto da Ger�ncia de Projetos Especiais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente
O sentimento de perda � constante. A supervisora de comunica��o Adrielle Ferreira, de 30, trabalha h� oito anos na regi�o e diz que, ao ver o corte das �rvores, n�o entendeu a necessidade. “Acho que deveriam plantar as �rvores, como forma de resgatar o verde. Tinha uma feira de artesanato de flores toda sexta-feira, que foi realocada para a Avenida Caranda�. Gostar�amos de resgatar o local de origem dessa feira. As �rvores s�o um diferencial de BH. Quem vem de outros estados se espanta ao ver tanto verde. Sa�mos da vis�o s� de cinza, s� de pr�dio, conseguimos ter um ar mais puro. Meu desejo � que haja replantio mesmo que sejam de outra esp�cie como forma de manter a caracter�stica do ambiente”.
CORTE No edital, a prefeitura justifica o concurso relembrando a infesta��o dos f�cus pela “mosca-branca”, que comprometeu diversos exemplares da planta. Segundo o Executivo municipal, n�o s�o verificados novos surtos desde setembro de 2013, mas as �rvores “continuam em franco processo de degrada��o”.
“Atualmente, � motivo de grande preocupa��o o estado fitossanit�rio das �rvores, com a ocorr�ncia de clorose e queda intensa de folhas e, embora tenha havido uma diminui��o do surgimento de galhos secos com risco de queda, houve um aumento no quantitativo de �rvores mortas ao se comparar os valores daquela �poca e os atuais”, explica a Secretaria Municipal de Meio Ambiente no texto.
A pasta tamb�m lembra que o problema com as �rvores trouxe preju�zo para o uso da avenida pela popula��o. O local recebia feiras e outras atividades. “Pela atual condi��o da �rea na qual se encontram essas �rvores, ocorre, ainda, um severo comprometimento da mesma no tocante ao seu uso p�blico, com grandes preju�zos paisag�sticos, n�o s� para o espa�o em si, mas, tamb�m, para os seus entornos, com a interrup��o de atividades de lazer e de realiza��o de feiras e eventos, o que faz com que se procure empreender a recomposi��o paisag�stica dessa �rea, de maneira a possibilitar que a presen�a de �rvores frondosas e de grande porte continue a servir de refer�ncia para a cidade e a constituir a ambi�ncia peculiar que sempre existiu neste conjunto, e propicie a revitaliza��o das atividades que nele se processavam, com a defini��o de espa�os adequados necess�rios � circula��o e perman�ncia e � instala��o de mobili�rio p�blico e ilumina��o que gerem melhores condi��es de conforto a seus usu�rios”, justifica.
Decis�o arrastada
A proposta de lan�amento de um concurso nacional j� � antiga. Em 2016, a reportagem do Estado de Minas publicou que estava em fase final a elabora��o de um edital para o concurso que contemplaria n�o s� a Bernardo Monteiro, mas tamb�m a Avenida Barbacena, no Barro Preto, que teve o mesmo problema com a mosca-branca-do-f�cus. “A solu��o final vem se arrastando h� pelo menos dois anos, j� que em mar�o de 2014 havia sido prometida provid�ncia semelhante, que inclu�a at� mesmo prote��o dos esp�cimes”, publicou o EM na �poca. Embora seja lembrada no edital, a Secretaria Municipal de Meio Ambiente informa, no mesmo documento, que a Avenida Barbacena n�o faz parte do concurso.
"Acho que � preciso uma equipe com bot�nicos, zo�logos, porque as �rvores tamb�m abrigam uma por��o de p�ssaros. Hoje em dia s� pensam em tr�nsito. � um modelo totalmente na contram�o do que todas as cidades, por exemplo, europeias, adotam"
Myriam Bahia Lopes, professora da escola de Arquitetura da UFMG e integrante do movimento Fica F�cus
Busca de ideias em todo o pa�s
O Concurso Nacional de Estudos para a Revitaliza��o da Avenida Bernardo Monteiro est� aberto a pessoas f�sicas e jur�dicas de todo o pa�s, em individual ou conjunto, desde que habilitada a exercer as atividades e atribui��es de arquiteto e urbanista. � ainda obrigat�ria a forma��o de uma equipe t�cnica com profissionais de engenharia agron�mica, engenharia florestal e biologia. A proposta tamb�m deve ser compat�vel com um custo m�ximo de R$ 500 mil e considerar, entre outros crit�rios o grau de revitaliza��o e a compensa��o do impacto sofrido em fun��o da infesta��o pela mosca-branca.
O estudo que conquistar o 1º lugar receber� premia��o no valor de R$ 100 mil. O valor somente ser� pago ao concorrente classificado em primeiro mediante a assinatura do contrato de elabora��o dos projetos de desenvolvimento da proposta, visando � completa implementa��o. Caso ele desista, o segundo colocado assume o pr�mio e o trabalho.
De acordo com o arquiteto da Ger�ncia de Projetos Especiais da Secretaria Municipal de Meio Ambiente, J�lio De Marco, a discuss�o sobre a requalifica��o da Avenida Bernardo Monteiro passou por diversas entidades e grupos de interesse. A partir da�, foram criadas as diretrizes do plano de revitaliza��o da avenida, aprovadas pelo Conselho Deliberativo do Patrim�nio Cultural do Munic�pio de Belo Horizonte em 2015. “O grande objetivo � o retorno das �rvores de grande porte ao local, e tamb�m permitir o retorno das feiras, tudo isso faz parte do ambiente”, explica.
J� sobre a possibilidade de remo��o dos f�cus mortos, De Marco explica que a prefeitura aguarda as propostas. “De repente tem alguma para usar as �rvores como suporte para alguma coisa. Vamos ver qual ser� o tratamento dado a cada uma. Abrimos o concurso para o pa�s para poder ter exatamente isso: uma maior diversidade de projetos. Hoje cada regi�o tem coisas espec�ficas que podem contribuir com a situa��o de Belo Horizonte”, esclareceu.
As inscri��es para o concurso ser�o feitas exclusivamente pelo envio das propostas pelos Correios � Secretaria Municipal de Meio Ambiente no prazo de 60 dias entre 16 de outubro deste ano a 11 de janeiro de 2019. Depois disso, segundo J�lio De Marco, o concurso ter� a fase de habilita��o, julgamento e demais tr�mites. A expectativa, segundo ele, � de que os trabalhos comecem no segundo semestre do ano que vem.
Defesa da rela��o com a natureza
A professora da escola de Arquitetura da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) Myriam Bahia Lopes, integrante do movimento Fica F�cus, que se mobilizou pela preserva��o das �rvores a partir de 2013, diz que � essencial mudar a rela��o da cidade com a natureza. Para ela, o que ocorre hoje � um retrocesso. “Se pensarmos em como Belo Horizonte foi planejada no s�culo 19, pode-se ter uma ideia: o Parque Municipal tinha viveiro, m�quina para transportar �rvores, eram feitos estudos qu�micos do solo, havia levantamento das �rvores nativas. Esse conhecimento era colocado em pr�tica e tinha espa�o para ser efetivado”, afirma a coordenadora do N�cleo de Estudos da Hist�ria da Ci�ncia e da T�cnica da institui��o. Ela defende a participa��o de equipe multidisciplinar no projeto para a Bernardo Monteiro.

O movimento Fica F�cus foi cr�tico da decis�o da PBH de podar as �rvores doentes na Avenida Bernardo Monteiro. Na �poca, foram organizados diversos protestos. O grupo tamb�m participou de audi�ncias p�blicas na C�mara Municipal e no Executivo apresentando solu��es alternativas e poss�veis tratamentos para as plantas, al�m da manuten��o das �rvores sadias. “V�rias pessoas poderiam montar projetos para ver cientificamente o que estava matando as �rvores. A prefeitura n�o foi adiante. Continuaram podando e diziam que n�o podiam deixar daquela forma porque as �rvores eram amea�a”, disse. Segundo ela, na �poca foi levantada a possibilidade de que o problema nas �rvores poderia ser causado por um fungo, e n�o pelos insetos.
Sobre as solu��es para a Avenida Bernardo Monteiro, a professora da Escola de Arquitetura diz que � preciso cuidar do local permanentemente e garantir a participa��o da sociedade no processo. “Tem que ter uma equipe multidisciplinar para contemplar a especificidade do local, que entenda a hist�ria e como era quando foi criado para estabelecer esse di�logo respeitoso em rela��o ao passado. Acho que � preciso uma equipe com bot�nicos, zo�logos, porque as �rvores tamb�m abrigam uma por��o de p�ssaros. Hoje em dia s� pensam em tr�nsito. � um modelo totalmente na contram�o do que todas as cidades, por exemplo, europeias, adotam”, analisa a especialista, que ainda acrescenta: “Precisaria de uma equipe interdisciplinar e um movimento da sociedade. Porque se n�o volta naquela coisa da inaugura��o, da fitinha. Tem que ter um movimento para que seja um momento de discuss�o da sociedade, n�o adianta ser de cima para baixo. Tem v�rios atores que participam e usam aquele espa�o, eles t�m que ser contemplados nos projetos".