A estudante Maria*, de 30 anos, evita se sentar nos bancos localizados nos corredores de �nibus e do metr�. E esse comportamento j� dura pelo menos 13 anos, devido a um trauma enfrentado quando foi assediada por um passageiro em um coletivo em Belo Horizonte. O homem ficou por um longo trecho se encostando na jovem, que, mesmo mostrando insatisfa��o, n�o conseguiu se livrar do ass�dio. Casos como o dela s�o cada vez mais comuns, tanto que, nos �ltimos dois anos, aumentou em 44,8% o n�mero de queixas de atos contra a dignidade sexual em �nibus em Minas Gerais, segundo a Secretaria de Estado de Seguran�a P�blica (veja quadro). Embora esse tipo de importuna��o seja extremamente subnotificado, as ocorr�ncias registradas em �nibus apenas at� setembro deste ano j� superaram em 21,7% o n�mero de queixas de todo o ano passado. Em Belo Horizonte, apitos distribu�dos a passageiras e bot�o de p�nico instalado nos ve�culos do transporte coletivo s�o apostas para ajudar v�timas e frear o avan�o desse tipo de delito, que se transformou em crime em 24 de setembro. Treinamento com motoristas – que poder�o acionar a Guarda Municipal em casos suspeitos, por meio desse novo tipo de alarme – come�a na semana que vem.
Ao todo, 2.098 �nibus em BH e regi�o metropolitana est�o equipados com o bot�o do p�nico, acionado atualmente em casos de depreda��o e assalto, e cujo uso ser� adaptado para os casos de ass�dio. A iniciativa da Guarda Municipal ter� parceria com a BHTrans e a Companhia Brasileira de Trens Urbanos (CBTU). Amanh� � dia de capacita��o das agentes femininas que atuam no metr�. Segunda-feira come�a o treinamento da primeira turma de motoristas, com 40 participantes, para o enfrentamento do crime. No curso eles v�o aprender que poder�o acionar o bot�o ao verificar determinadas situa��es e a observar a conduta de suspeitos, n�o dependendo apenas de den�ncia de passageiros ou dos apitos.
Agentes da Guarda v�o embarcar em �nibus e vag�es de metr� para falar da campanha. Guardas femininas v�o atuar em esta��es de �nibus e no metr�, orientando as passageiras sobre como agir em casos de ass�dio no transporte coletivo, em hor�rios de pico ou de maior incid�ncia dos atos. Elas distribuir�o panfletos, ajudando as mulheres a detectar atitudes que configuram ass�dio ou importuna��o sexual, e sobre como buscar ajuda imediata. Tamb�m v�o advertir poss�veis abusadores sobre as penalidades �s quais est�o sujeitos. Al�m da patrulha feminina empenhada na luta contra o ass�dio, a Prefeitura de Belo Horizonte pretende distribuir 10 mil apitos para que as mulheres que usam �nibus e metr� da capital acionem quando forem v�timas de ass�dio.
A campanha � parte do Plano Municipal de Enfrentamento � Viol�ncia contra a Mulher no Transporte Coletivo, cuja conclus�o foi acelerada depois que uma agente da Guarda Municipal foi v�tima de ass�dio no metr� de BH, em meados do m�s passado. Ela estava sentada em um dos bancos da composi��o quando percebeu que um homem se esfregava em seu ombro. O vag�o estava com poucos passageiros e a agente solicitou que o assediador se afastasse, mas ele n�o parou. Ent�o, ela se identificou como guarda municipal e deu voz de pris�o ao homem, que ficou enfurecido, a empurrou e a insultou com uma s�rie de xingamentos.
Com o apoio da equipe de seguran�a do Metr�, a agente conteve o suspeito, de 34 anos, e acionou o apoio da Guarda Municipal. O homem foi encaminhado � Central de Flagrantes da Pol�cia Civil (Ceflan), onde foi indiciado por amea�a, desobedi�ncia, desacato, e pelo artigo 61 da lei de contraven��es penais, que � “importunar algu�m, em lugar p�blico ou acess�vel ao p�blico, de modo ofensivo ao pudor”.
“A preven��o � mais barata e eficiente do que a repress�o”, destaca Aline Santos Silva, uma das respons�veis pela campanha. Ela lembra, ainda, que o ato que era tido como contraven��o penal e, por isso, ato de menor potencial ofensivo, agora � crime. O plano nasceu de uma integra��o criada dentro da Secretaria Municipal de Seguran�a e Preven��o, em mar�o de 2016. “Trabalh�vamos separadamente em v�rios projetos, ligados � intoler�ncia religiosa, � viol�ncia contra a mulher e racial. Tentando entender a viol�ncia � mulher, visualizamos muitas reclama��es de ass�dio no transporte”, conta a agente da guarda.
Maria foi v�tima do abuso no transporte aos 17 anos. Ela conta que estava dentro de um �nibus com a prima, quando foi assediada. “Estava sentada no corredor e minha prima ao lado. Um cara come�ou a se esfregar em meu ombro. Eu ia para frente, ele tamb�m arredava. Mexia, e ele ia junto. Olhava com cara feita, mas o homem fingia que nada estava acontecendo. Acabou que fui sentar no colo da minha prima”, contou a estudante.
O crime transformou a vida dela, que mudou seus h�bitos. “At� hoje eu evito me sentar em lugares no corredor o m�ximo que posso”, disse. “O problema � que se voc� chama a aten��o, � chamada de doida. J� ouvi casos de pessoas que come�aram a rir, ou at� mesmo de v�timas que acabaram xingadas ao relatar o abuso”, completou.

PENA MAIS R�GIDA Autores de atos de ass�dio no transporte agora poder�o ser condenados a penas de at� cinco anos, j� que no fim de setembro a importuna��o sexual passou a ser crime. Antes, os atos eram considerados importuna��o ofensiva ao pudor, uma contraven��o penal. “Hoje essa contraven��o n�o existe mais e se transformou em crime, com pena de um a cinco anos. Ent�o, o ass�dio dentro dos coletivos, desde que n�o haja amea�a e agress�es, o que caracteriza estupro, � considerado legalmente como importuna��o sexual. A nova lei representa um grande avan�o, um marco jur�dico importante ap�s a Lei Feminic�dio e a Lei Maria da Penha. Um avan�o no combate a atos contra a dignidade sexual das pessoas”, comentou a delegada Larissa Mascotte, da Delegacia Especializada de Combate � Viol�ncia Sexual.
Dois dias somente depois de a importuna��o sexual virar crime, cinco pris�es em flagrantes foram feitas em Minas Gerais, segundo a delegada. “As pris�es est�o ocorrendo. Os flagrantes, que antes n�o ocorriam, passaram a existir. Houve um grande aumento de investiga��es desse crime”, diz Larissa Mascotte. Segundo ela, ainda h� dificuldade na apura��o de casos do tipo, mas as v�timas podem tomar algumas atitudes para ajudar nas investiga��es. “A maior dificuldade que encontramos � a falta de base com rela��o � autoria. Nem sempre temos elementos suficientes para configurar a pr�tica do delito. �s vezes, o �nibus n�o tem imagens e o autor consegue fugir. Ent�o, � uma investiga��o mais complexa. As v�timas devem pedir ajuda policial, da Guarda Municipal ou at� mesmo da popula��o para tentar conter os autores. Al�m disso, devem sempre denunciar”, recomendou.
*A personagem desta reportagem foi identificada com nome fict�cio