Ang�stia dilacerante, retratada na certeza da morte ou na esperan�a da vida. Not�cias de um filho, um irm�o, um pai. Uma busca que parece n�o ter fim. Depois de percorrer os centros de apoio em Brumadinho, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, e hospitais em busca de informa��es, o Instituto M�dico-Legal (IML) da capital se tornou o �ltimo ponto de peregrina��o de familiares das v�timas do rompimento da Barragem da Mina C�rrego Feij�o. Volunt�rios permaneciam na porta ontem dando suporte em forma de alimentos, abra�o e palavras de conforto.
A identifica��o n�o est� sendo feita por reconhecimento de corpos, mas pela impress�o digital, com base no banco de dados da pol�cia. Uma �nica v�tima chegou ao IML j� com as devidas credenciais, gra�as � insist�ncia e perspic�cia da fam�lia, que deu entrevista pedindo anonimato, inclusive do parente falecido. No s�bado, os irm�os rastrearam o celular dele e obtiveram como ponto de localiza��o a entrada do campo de pouso dos helic�pteros em Brumadinho, onde est�o os rabec�es. “Dei as coordenadas geogr�ficas aos bombeiros. Quando cheguei perto, liguei e o telefone tocou no bolso dele, dentro do rabec�o. Pedi para ver e abriram o ve�culo. Ele estava com o telefone, habilita��o e crach�”, contou um irm�o. At� a noite de ontem, 19 corpos tinham sido identificados.
As digitais foram recolhidas �s 18h de s�bado e somente ontem a fam�lia conseguiu a libera��o do corpo. “Essa parte est� muito lenta. Primeiro, disseram que o min�rio estaria atrapalhando a identifica��o da digital, depois, que havia muita gente”, relatou. A trag�dia familiar s� n�o foi maior porque o pai, que tamb�m trabalha na barragem, est� de f�rias.
A fam�lia de Daniel Muniz Veloso, de 29 anos, que prestava servi�o para a Vale e foi uma das v�timas da trag�dia de Brumadinho, estava consternada na porta do IML. A m�e, Bete, precisou ser amparada por amigos e familiares. A irm� mais velha, Deiviane, estava inconformada com a perda. Ela nem sabia que o irm�o estava trabalhando na Mina do C�rrego do Feij�o, mas quando recebeu a not�cia da cunhada, que mora em Conselheiro Lafayete e est� gr�vida de oito meses do primeiro filho do casal, entrou em choque.

“Eles levaram meu irm�o para a mina inteiro e o devolveram machucado, sem vida. Essa empresa destruiu a minha fam�lia, a fam�lia do meu sobrinho, que nem veio ao mundo ainda, a do meu irm�o, que era cheio de vontade de viver. Espero que haja mais fiscaliza��o. Isso n�o vai ficar barato”, desabafou Deiviane, que ser� a madrinha de Artur Eduardo, o filho de Daniel. “Eu era muito apaixonada com meu irm�o. �ramos tr�s, todos com a letra D: Deiviani, Deivid e Daniel. Eu e Dan �ramos os mais ligados. � muito triste”, lamentou. O corpo de Daniel Muniz Veloso ser� enterrado hoje em Cora��o de jesus, no Norte de Minas, onde nasceu e cresceu.
Tr�s caminh�es frigor�ficos estavam ontem no p�tio do IML. Testemunhas dizem que eles ainda guardavam corpos de v�tima, por n�o haver espa�o suficiente no interior do instituto. A Pol�cia Civil n�o confirmou. Os familiares s�o orientados a fazer cadastro no pr�dio vizinho da Academia de Pol�cia (Acadepol), localizado no quarteir�o de baixo. L�, s�o repassadas as caracter�sticas f�sicas e algum detalhe do desaparecido, como tatuagem, que possa ajudar em uma poss�vel identifica��o. Depois disso, a recomenda��o � aguardar eventual telefonema da pol�cia.
No local, volunt�rios ajudam com alimentos e h� tamb�m suporte m�dico, psicol�gico e espiritual. Um posto da Vale foi montado na Acadepol para apoio a familiares. Quem tem o parente identificado � levado para um quiosque de uma funer�ria contratada pela mineradora para dar in�cio aos tr�mites do sepultamento. A servente escolar Doranei S�nia da Silva, de 49 anos, saiu de M�rio Campos, cidade pr�xima a Brumadinho, para ter not�cias do filho Fauller Douglas da Silva, de 29, que trabalha como mec�nico na empresa.
“Pedi para olhar os corpos para ver se acho meu filho, mas alegaram que n�o posso, por causa do risco de contamina��o e que n�o seria bom uma m�e ver essa cena”, disse. “Mas eu preferia assim, tamanho � o meu desespero. Quero dar um ponto final nessa hist�ria, n�o importa a maneira”, afirmou. Fauller, que tem um filho de 2 anos e esposa, visualizou a �ltima mensagem enviada pela m�e �s 12h25 de sexta-feira. “N�o tenho esperan�as de encontrar meu filho vivo. Essa ang�stia � que mata”, acrescentou. A fam�lia vive ainda outro drama. O marido de Doranei, o mec�nico Joildo da Cruz, de 42, procura, al�m do enteado, pelo cunhado, Carlos Augusto dos Santos, soldador de 49, e o sobrinho, o mec�nico C�ssio Cruz, de 26.
O estudante Wiron Gabriel Andrade Souza, de 18, e o irm�o dele, o desempregado Widy Augusto Ferreira da Silva, de 28, foram ao IML em busca de not�cias do irm�o Wiryslan Vin�cius Andrade Souza, de 25, servi�os gerais na �rea atingida. Wiron conversou com ele na sexta pela manh�, combinando de sa�rem. A �ltima visualiza��o de mensagens foi �s 12h24. Wiron acredita que o irm�o estava no refeit�rio a essa hora. “Quando ele estava na �rea da mina, almo�ava mais cedo. E na sexta, estava na mina”, contou.

Widy tem esperan�as de que Wiryslan esteja ilhado em algum local. A cunhada ligou para ele e conseguiu 4 segundos de chamada, mas sem falar. “Estamos buscando informa��es em todos os lugares. J� fomos a hospital, nossos pais foram a Brumadinho (a fam�lia mora no Barreiro, em BH), e agora aqui. A falta de not�cias nos deixa em desespero”, disse. “E agora vem a pergunta: a culpa � de quem? � da empresa. N�o h� fiscaliza��o. O dinheiro manda. Quantas vidas soterradas? Quantas fam�lias n�o sabem de nada?”, questionou.
Os irm�os Wallace e Ubiraci Campos Rodrigues estiveram no IML depois da confirma��o da morte do irm�o Wellington, analista de sistemas de 53 anos, que deixa tr�s filhas, de 25, 20 e 13. “� muito angustiante, porque, infelizmente, n�o � a primeira vez nem ser� a �ltima. A irracionalidade humana, a gan�ncia e a convic��o da impunidade causam isso e � por isso nossa indigna��o”, disse Wallace. “Ele deixa uma filha de 13. Quem vai substituir esse pai? N�o adianta bloquear bilh�es da Vale agora.”
Rede de solidariedade

No meio da dor, solidariedade. Pelo menos 20 pessoas, que nada combinaram, se encontraram em torno do mesmo objetivo na porta do Instituto M�dico-Legal (IML) de Belo Horizonte: amparar familiares das v�timas da trag�dia de Brumadinho. Desde s�bado, gente de v�rias idades e bairros da capital tomaram a iniciativa de ir ao local ajudar quem aparece em busca de not�cias. Caso do desempregado Maur�lio da Concei��o, de 38, e da t�cnica em enfermagem Nayara de Almeida Gomes, de 27. “Ontem (anteontem), vendo as reportagens, eu, ela, o irm�o e nossas esposas decidimos nos unir para doar um alimento, um abra�o e uma palavra de conforto”, disse.
Chegaram �s 22h de s�bado e foram embora � 1h30. Ontem, chegaram �s 6h30, sem hora para ir embora. “S�o fam�lias acabadas e essa � uma forma de partilhar um pouco do que temos”, afirmou Maur�lio. “Quando chegamos, n�o tinha tanta coisa, mas isso mudou, pois as pessoas passam e deixam algo”, comentou Nayara. �gua, suco, ch�, caf�, cachorro-quente, p�o, biscoito servem familiares, policiais civis e at� a imprensa. “� uma dor m�tua. N�o perdemos ningu�m, mas acaba doendo em todo mundo”, ressaltou Nayara.
A atendente Yara Caroline de Souza, de 23, tamb�m � volunt�ria. De alimentos a roupas at� 45 quilos de ra��o para c�es, tudo est� estocado no est�dio de uma amiga. “J� que as doa��es j� s�o suficientes, � preciso pensar nos animais tamb�m. Se n�o conseguirmos levar tudo at� Brumadinho, vamos distribuir para uma casa de ado��o de animais.”