Brumadim. H� algo de intimidade na fala mineira. Em uma palavra, revela mais que um sotaque ou diminutivo. P�e para fora o acolhimento dessa gente e sua rela��o com terra, fam�lias, casas, ruas e trilhas. Muito disso se perdeu na lama.
Brumadinho est� viva, mas em estado de choque e, como os seus, tamb�m procura por uma carteira de identidade. A Brumadim, a cidadezinha pacata onde "nada acontece nunca", viu sua mem�ria desaparecer em poucos minutos na sexta-feira, levada por uma avalanche de rejeitos. Seus 40 mil habitantes n�o reconhecem mais o rosto da cidade, que se transformou em outra coisa. E n�o sabem mais como ser� daqui para a frente.
No balc�o improvisado do Sindicato de Oficiais de Registro Civil de Minas Gerais, no bairro de Casa Branca, um ponto pr�ximo da barragem, duas volunt�rias est�o a postos para atender v�timas que perderam documentos. Em um formul�rio, anotam os dados das pessoas para emitir a segunda via de certid�es de nascimento e casamento. "Certid�es de �bito, tamb�m", diz a atendente Denise Parreira. No primeiro dia de trabalho, s� duas pessoas passaram por ali para pedir certid�es. "Essa procura pelos documentos ainda vai demorar."
Pela estrada de terra que leva at� a regi�o das barragens da Vale, um grupo de mais de 20 ciclistas transpirava na manh� de ontem. Alguns com�rcios voltaram a abrir as portas. Na noite de sexta, um restaurante, que ficou dias fechado, colocou plaqueta na porta para avisar que estava funcionando, mas que n�o haveria m�sica ao vivo. "Estamos em luto pelas fam�lias atingidas pela trag�dia. Paz".
Em Brumadinho, todos perderam algu�m ou alguma coisa. Por onde se olha na cidade, se colhem os relatos sobre parentes e amigos desaparecidos ou mortos. A cidade segue obstru�da. As tr�s principais estradas que a ligavam a outros munic�pios do interior e a Belo Horizonte est�o cobertas pelo barro. Na sexta, agentes da prefeitura come�aram a retirar a lama de uma delas, na tentativa de abrir o caminho.
Tiveram de paralisar os servi�os logo de in�cio, porque encontraram uma v�tima. Foi preciso chamar o Corpo de Bombeiros. Nas outras duas estradas, o prazo para recolher todo o barro ainda � desconhecido, dado o volume descomunal do lixo podre.
No calor dos fatos, a prefeitura da cidade jurou que, conclu�dos os trabalhos de busca pelas mais de 200 pessoas que permanecem desaparecidas, a Vale ter� de retirar cada grama de rejeito que lan�ou sobre o munic�pio. A ver. Com seus 70 anos de idade, Ernestina Rodrigues de Miranda, nascida em Brumadinho, espera menos que isso. "Eles t�m de tirar a lama, pelo menos, dos lugares pra gente passar, n�o � mesmo? Sen�o fica dif�cil demais assim."
Jil�
Nos pequenos s�tios, trabalhadores come�am a voltar lentamente ao trabalho. O gado que sobreviveu e se espalhou pelas montanhas tem sido recolhido pelos donos. De enxada em punho, Nilton Geraldo Rodrigues capina a grama em volta de sua planta��o de jil�, bem ao lado do lama�al da Vale. "O jil� est� vivo, olha s�. Isso aqui, meu amigo, voc� coloca num franguinho refogado. Fica uma coisa."
A onda de rejeitos que invadiu o s�tio devastou cinco hectares de sua planta��o de cana. A pequena lagoa onde ele pescava com os tr�s netos est� agora debaixo de mais dez metros de lama. "Pra n�s, tem um antes e um depois. Esse lugar nunca mais vai ser igual", diz o campon�s. "S� resta pra gente trabalhar e tocar a vida."
Ningu�m mais espera que Brumadinho volte a ser a mesma cidade. Seu povo diz que, depois da cat�strofe, ser� outra. "A esperan�a � de que volte a ser um lugar bom pra gente viver", diz Rodrigues. O desejo � de que volte a ser Brumadim.
Ele saiu para ajudar em uma causa: salvar as abelhas
Um esparadrapo � usado para fazer um "X" em uma �rvore que ainda est� de p�, na beira do lama�al. Maur�cio de Oliveira rastreia a vegeta��o que n�o foi tomada pelo barro. � o seu primeiro dia na rua, desde que recebeu a not�cia de que sua irm�, Lecilda Oliveira, analista de opera��es da Vale no C�rrego do Feij�o, est� entre os mais de 200 desaparecidos da trag�dia.
O rapaz passou os �ltimos dias � espera de not�cias em casa, na companhia da m�e, que entrou em desespero ao saber da filha, mas resolveu sair para ajudar em uma causa. "Minha irm� era tudo para mim. Eu senti que precisava fazer algo, mas n�o tinha como entrar na lama. Ent�o, revolvi vir atr�s das abelhas, fazer um georreferenciamento das col�nias, para poder resgat�-las."
Ao lado do amigo Walasse Breno, volunt�rio da Defesa Civil, Maur�cio caminha pelas margens dos rejeitos � procura das colmeias. J� encontrou duas pela manh�, marcou os locais com fitas adesivas e fez o mapeamento com o celular. "N�o est�o resgatando os animais? A abelha tamb�m � um ser vivo que precisa ser resgatado. � ela que vai dar continuidade a tudo, vai fazer a poliniza��o."
Recentemente, Maur�cio montou um centro de resgate de abelhas nativas em sua casa. Ele retira as col�nias de lugares de risco, em Brumadinho, e doa os insetos para quem tiver interesse. "Tem muita procura. As pessoas que moram em casas e s�tios gostam muito de criar a Jata�, que n�o tem ferr�o e faz um mel que � bom para os olhos, para a pele." Segue pela mata. No dia seguinte, voltar� para buscar seus sobreviventes.
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