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Estado de Minas

Vale burlou as pr�prias normas de seguran�a em barragem de Brumadinho

Investiga��o da for�a-tarefa encarregada de apurar a cat�strofe indica que a Vale optou por substituir empresas que apontavam fragilidade na barragem que se rompeu em janeiro, em vez de sanar falhas que amea�avam estrutura


postado em 12/03/2019 06:00 / atualizado em 12/03/2019 07:25

Trabalho dos bombeiros na área da mineradora: contabilidade de mortes chegou ontem às duas centenas, com 108 desaparecidos(foto: Edésio ferreira/EM/DA Press - 7/2/19)
Trabalho dos bombeiros na �rea da mineradora: contabilidade de mortes chegou ontem �s duas centenas, com 108 desaparecidos (foto: Ed�sio ferreira/EM/DA Press - 7/2/19)


N�o apenas um. Foram v�rios os alertas � mineradora Vale de que c�lculos usados para atestar a seguran�a da Barragem 1 da Mina C�rrego do Feij�o, em Brumadinho, n�o estavam dentro dos padr�es aceitos na minera��o. Avisos surgiram de auditorias externas, de empresas de engenharia e de especialistas internacionais independentes. A mineradora preferiu ignorar e burlar normas de seguran�a, inclusive par�metros adotados pela pr�pria empresa, apontam as investiga��es sobre a cat�strofe que ontem chegou a duas centenas de mortes comprovadas, com 108 desaparecidos. Segundo as apura��es, a companhia operou com �ndices abaixo dos considerados toler�veis, amparada sempre pelo mesmo “modus operandi”: contratar terceirizadas dispostas, para n�o perder contratos, a usar metodologias questionadas no meio e, se preciso fosse, substituir quem se recusasse.

Desde novembro de 2017, foram pelo menos tr�s advert�ncias em rela��o � represa de Brumadinho, estudos com resultados maquiados, consultorias que assinaram declara��es de estabilidade fora dos �ndices estabelecidos pela pr�pria companhia e um vaiv�m de prestadoras de servi�o, em uma aparente busca por aquelas que se enquadrassem na rotina da Vale. Os resultados assustavam at� mesmo quem estava na linha de frente da mineradora. Tanto que um gerente-executivo preso na �ltima opera��o da for�a-tarefa que investiga a cat�strofe em Brumadinho classificou a barragem como “tenebrosa”.

As informa��es constam em documentos da for�a-tarefa, aos quais o Estado de Minas teve acesso. O hist�rico dos crit�rios de avalia��o de confiabilidade das represas remontam – pelo menos teoricamente – ao rompimento da Barragem do Fund�o, operada pela Samarco, em Mariana (Regi�o Central do estado), em 2015. Na ocasi�o, houve mudan�as na pol�tica nacional de seguran�a de barragens e tamb�m na organiza��o interna da Vale. A empresa criou um setor espec�fico para aperfei�oar a gest�o de risco na �rea de barragens e promoveu pain�is independentes de especialistas para discuss�o e aconselhamento sobre a gest�o de risco e seguran�a de estruturas geot�cnicas, dos quais participavam tamb�m diretores setoriais e outros integrantes da mineradora.

A investiga��o de promotores, procuradores e policiais civis mostra que o Independent Panel of Experts for Safety and Risk Management of Geotechnical Structures (Piesem) – Painel de Especialistas para o Gerenciamento de Seguran�a e Risco de Estruturas Geot�cnicas – , de novembro de 2017, recomendou expressamente que a Vale adotasse para suas barragens um fator de seguran�a maior ou igual a 1,3, quando em condi��o n�o-drenada – que era a situa��o da Barragem B1. Traduzindo: esse era o limite que a estrutura deveria ter para afastar o risco de rompimento, quando estivesse com �gua. “Quando ela n�o est� drenada, � como um caldo”, explica o engenheiro hidr�ulico Carlos Barreira Martinez, professor da Universidade Federal de Itajub� e da p�s-gradua��o da Universidade Federal de Minas Gerais.

Nesse mesmo painel de novembro de 2017 – quando a trag�dia de Mariana completava dois anos –, os especialistas conclu�ram que “os testes de laborat�rio que vinham sendo usados pela Vale na metodologia para a verifica��o da estabilidade de barragens de rejeitos n�o eram confi�veis e n�o estavam sendo consistentemente interpretados”. Por isso, os testes e os resultados deveriam ser interrompidos e adotados testes de campo. Na mesma �poca, a estabilidade da Barragem 1 vinha declarada com base no relat�rio da inspe��o semestral de seguran�a, fruto do resultado de testes de laborat�rio produzidos pela Geoconsultoria, cuja metodologia foi expressamente condenada pelo painel.

Ainda de acordo com as apura��es, tamb�m no fim de 2017, a Potamos Engenharia e Hidrologia, contratada pela Vale para apontar o risco financeiro da Barragem 1, reiterou � mineradora a recomenda��o do painel internacional de descartar os resultados obtidos em laborat�rio. E condenou as an�lises da Geoconsultoria. A Potamos informou � Vale, depois de estudos de campo, que o c�lculo de estabilidade para a condi��o de resist�ncia n�o-drenada de pico da barragem resultava, na verdade, num fator de seguran�a de 1,06 – abaixo, portanto, do 1,3 recomend�vel.

Mas, contrariando o pr�prio an�ncio de ser mais rigorosa nesse quesito, a Vale assumiu, em mar�o de 2018, nova declara��o de estabilidade, esta feita pela Tractebel Engeneering, que tamb�m se valeu dos estudos da Geoconsultoria. A situa��o da barragem de Brumadinho foi analisada em pain�is por especialistas, consultores e representantes da Vale, por ser considerada “naquele meio acad�mico e t�cnico como uma estrutura que inspirava grande aten��o”, de acordo com a for�a-tarefa. Em e-mail encaminhado em 31 de julho de 2018 a um consultor externo, o gerente-executivo de Geotecnia Operacional da mineradora, Joaquim Pedro de Toledo, se referiu � represa como “mais tenebrosa do que imagino”. Ele foi preso no dia 15 do m�s passado, junto de outros sete empregados de cargos executivos e t�cnicos da mineradora, que respondem a processos criminais, mas j� est�o em liberdade. 

Gestores de risco ignoravam alertas

 

Em junho de 2018, a alem� T�v S�d apresentou declara��o de estabilidade da barragem, apesar de os estudos apontarem o fator de seguran�a igual a 1,09. Embora mantida a orienta��o para um limite m�nimo de 1,3, o documento tamb�m foi assinado pela gigante da minera��o. Em depoimento, engenheiros da empresa de consultoria alem� informaram tratar-se de pr�tica recorrente da mineradora. A for�a-tarefa concluiu que a �rea de geotecnia corporativa, criada depois do desastre de Mariana para fazer a gest�o de risco, trabalhou em sentido oposto. Passou a atuar de maneira sistem�tica para alcan�ar declara��es de estabilidade de barragens de estruturas que n�o atendiam aos par�metros legais e estipulados pela pr�pria empresa.

Em mais de uma ocasi�o o setor de geotecnia corporativa substituiu auditores externos que se negaram a fornecer declara��es convenientes � mineradora, indica a investiga��o. Um exemplo � a pr�pria Tractebel, substitu�da imediatamente pela T�v S�d ap�s informar, em setembro, que n�o seria poss�vel declarar a estabilidade da barragem, diante de estudos que apontavam o fator de seguran�a de 1,09 – embora, seis meses antes, essa mesma empresa houvesse emitido declara��o com fator de seguran�a ainda mais abaixo desse limite. Como resposta, a Vale comunicou � auditoria que em raz�o da “diverg�ncia de crit�rios utilizados para avalia��o de seguran�a geot�cnica, para o modo de falha de liquefa��o”, a empresa n�o mais seria respons�vel por conduzir os trabalhos de inspe��o de seguran�a regular do ano.

Promotores, procuradores e policiais civis s�o enf�ticos ao afirmar que h� evid�ncias de que havia uma pol�tica da Vale de obter declara��es de estabilidade de barragens de forma indevida, “mesmo sabedora de que se tratava de estruturas com risco elevado, capazes de vitimar, no caso de sua ruptura, n�mero significativo de pessoas e causar danos ambientais e patrimoniais de grande vulto”, relatam. A premissa para celebrar contratos, avaliam os investigadores, era a emiss�o dos documentos de confiabilidade da estrutura. A pr�tica tinha o objetivo de garantir a continuidade das atividades da empresa, sem embara�os com �rg�os ambientais.

Procurada, a Vale sustentou em nota que nenhum depoimento de seus funcion�rios “indica conhecimento pr�vio de cen�rio de risco iminente de ruptura da barragem”. “As quest�es apontadas nas auditorias vinham sendo atendidas sob a orienta��o das pr�prias empresas de auditoria. Ao contratar uma empresa de auditoria de renome mundial, como a T�v S�d, a Vale esperava que os auditores tivessem responsabilidade t�cnica, independ�ncia e autonomia na presta��o de servi�os. As alega��es da T�v S�d de terem sofrido ‘press�o’ nos levam a crer que os funcion�rios da pr�pria T�v S�d teriam adotado condutas inid�neas grav�ssimas, violado o seu dever e fun��o como auditores independentes”, acrescentou a mineradora.

Segundo a companhia, a barragem que viria a se romper “passou por inspe��es em 8 de janeiro e 23 de janeiro de 2019”. “Em nenhuma dessas inspe��es foi detectada altera��o no estado de conserva��o que expusesse situa��o de risco iminente de ruptura da estrutura.”

O Estado de Minas procurou a Tractebel para se manifestar sobre a quest�o, mas a empresa informou que n�o comenta as apura��es e continua contribuindo com as autoridades. O s�cio-diretor da Geoconsultoria, Paulo C�sar Abr�o, contesta as an�lises dos especialistas referentes � metodologia usada pela empresa, h� 50 anos no mercado. Informou que seu posicionamento sempre foi de se adotar ensaios de laborat�rio, em conjunto com ensaios de campo, para a determina��o da equa��o de resist�ncia dos materiais presentes na barragem e nas an�lises de estabilidade. Informou que as t�cnicas adotadas t�m similares em outros pa�ses e que n�o defende o “uso de resultados errados na geotecnia”. Acrescentou que presta servi�os � Vale, “como a maioria das empresas de engenharia do pa�s”, mas que nunca houve press�o da mineradora para apresentar resultados convenientes � atividade econ�mica. “Toda e qualquer metodologia por n�s utilizada, seja em projetos seja em consultorias, sempre tem uma base t�cnica s�lida, em geral j� adotada pelo setor de minera��o.”


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