Em 2020, as locomotivas voltar�o a transpor um dos s�mbolos mais emblem�ticos da Revolu��o de 1932. A Associa��o Brasileira de Preserva��o Ferrovi�ria (ABPF) far� circular um trem tur�stico entre Cruzeiro, no Vale do Para�ba, e a mineira Passa Quatro, passando pelo Grande T�nel da Mantiqueira, onde as tropas paulistas montaram um dos mais duros focos de resist�ncia ao avan�o dos federais. A recupera��o dos trilhos ter� in�cio ainda em agosto.
Historiadores contam que, na fase final do conflito, os paulistas descarrilaram uma locomotiva no t�nel para bloquear a passagem do inimigo, enquanto recuavam estrategicamente para Guaratinguet� e Cruzeiro. Localizado na Garganta do Emba�, num dos pontos mais intranspon�veis da serra, o t�nel fazia a liga��o entre Minas, S�o Paulo e Rio, atrav�s da Estrada de Ferro Sul Mineira. Em seus 997 metros de extens�o, foram travados alguns dos mais sangrentos combates da guerra civil.
Inaugurado em 14 de junho de 1884 pelo imperador D. Pedro II, o t�nel ainda guarda as marcas do enfrentamento em suas paredes de tijolos revestidos com massa. "Esses buracos podem ter sido produzidos por balas de fuzil ou estilha�os", explica a historiadora Cl�udia Ribeiro, diretora do Museu Hist�rico Major Novaes, de Cruzeiro. Segundo ela, a passagem ferrovi�ria da Mantiqueira foi o �ltimo foco da resist�ncia paulista � entrada das tropas federais no front leste da guerra civil. "Os federais s� conseguiram tomar Cruzeiro bem no fim da revolu��o e, quando entraram na cidade, foi para assinar o cessar fogo, ap�s a rendi��o dos paulistas. O armist�cio que encerrou a revolu��o, em 2 de outubro de 1932, foi assinado no Col�gio Dr. Arnolfo Azevedo, at� hoje uma escola do munic�pio."
Como aconteceu nas principais frentes de batalha, Cruzeiro entrou na guerra por ter sido, na �poca, um importante entroncamento ferrovi�rio, localizada pr�xima das divisas. Quando estourou a revolu��o, os trens passaram a ser usados para levar soldados e armas para as linhas de frente e o t�nel se tornou estrat�gico para os dois lados. "A tropa paulista seguiu de trem para tomar Passa Quatro. Quando foi obrigada a recuar, ocupou posi��o naquele ponto da Mantiqueira, de forma que, do outro lado, os federais s� chegavam at� o t�nel. Foi nele que os paulistas usavam as matracas que, com o eco, pareciam metralhadoras."
Conforme a historiadora, a log�stica da guerra, na regi�o, estava centrada nos trilhos. Inicialmente, as tropas paulistas que chegaram a Cruzeiro de trem se aquartelaram na esta��o e em outras depend�ncias ferrovi�rias. Os jardins do Solar dos Novaes casar�o de 1846 tombado e restaurado pelo Condephaat, �rg�o do patrim�nio paulista, foram usados como acampamento pelos soldados. O im�vel pertencia � fam�lia de Manuel de Freitas Novaes Neto, o capit�o Neco, um dos her�is de 32 e o respons�vel pela defesa do t�nel da Mantiqueira.
Em 5 de agosto, quando seguia com uma patrulha para restabelecer as agulhas de um desvio, para que o trem blindado avan�asse, ele foi cercado por uma tropa inimiga. Conta-se que um sargento federal gritou: "Renda-se, paulista!". O capit�o Neco, armado s� com uma espada, respondeu: "Um paulista morre, mas n�o se rende." Ele ainda foi socorrido com vida, mas morreu horas depois. O ato de hero�smo contribuiu para que Cruzeiro fosse declarada por lei estadual de 2008 a Capital da Revolu��o.
Guardi�o
As hist�rias de assombra��es que permeiam o t�nel da Mantiqueira n�o assustam o agricultor Antonio Fernandes, de 85 anos, que nasceu na Garganta do Emba� dois anos depois da Revolu��o. Com o fim dos trens, ele se tornou uma esp�cie de guardi�o do local. O fac�o que usa para abrir caminho na mata serviu para afugentar dois homens que tentavam arrancar a placa de bronze que homenageia os "Her�is do T�nel". Fixada na parede �mida da passagem, a l�pide faz refer�ncia aos "oficiais e pra�as do ‘2 de Ouro’, unidade respons�vel pela guarda deste t�nel", onde "o sangue generoso de seus her�is tingiu este solo".
O lavrador perdeu a conta de quantas balas de canh�o, c�psulas de fuzil, placas de soldados e pe�as de artilharia recolheu durante suas andan�as pela regi�o. "Naquela curva, era uma trincheira, ali recolhi um monte de casca de bala."
Abandono. Em 1991, com o fechamento do ramal de Cruzeiro a Tr�s Cora��es, o t�nel e a ferrovia foram abandonados pela Rede Ferrovi�ria Federal. No lado mineiro da ferrovia, a ABPF j� mant�m o Trem Tur�stico da Mantiqueira, que circula em fins de semana e feriados.
O projeto do trem tur�stico de Cruzeiro j� saiu do papel com a compra, pela ABDF, de parte dos 40 mil dormentes que ser�o usados para recompor os 24 km de trilhos entre a esta��o e a entrada do t�nel. Conforme o presidente Bruno Crivellari Sanches 99% dos trilhos est�o em bom estado. Bruno trabalha com o pai, Jorge Luis Sanches, na oficina de recupera��o de locomotivas a vapor e a diesel, em Cruzeiro. "Meu pai e meu av� fizeram parte da Revolu��o e tinham liga��es com a ferrovia. � um patrim�nio importante que est� abandonado. Estamos acertando as parcerias e em agosto, iniciamos a recupera��o dos primeiros seis km", disse Jorge.
A prefeitura de Cruzeiro informou que a esta��o ferrovi�ria tamb�m ser� restaurada. O pr�dio foi inaugurado em 1878, na antiga Estrada de Ferro D. Pedro II, que depois se tornou E.F. Central do Brasil. Era tamb�m o ponto de partida da estrada de ferro mineira. As informa��es s�o do jornal O Estado de S. Paulo.