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Estado de Minas

Rompimento de dique constru�do com material de segunda amea�a recupera��o ambiental no Rio Doce

Represa que recebeu grande parte do rejeito de min�rio vazado na trag�dia de Mariana, em 2015, tem obras de recupera��o atrasadas em tr�s anos e den�ncias de erro de engenharia e uso de material de baixa qualidade para baratear custos. Funda��o fala em 'falha geol�gica'


postado em 21/07/2019 06:00 / atualizado em 21/07/2019 08:16

Dique no entorno da área da usina: barramento que deveria receber lama para secagem e recuperação de água para o Rio Doce ruiu, o que faz com que rejeitos continuem a contaminar o lago (foto: Edésio Ferreira/Em/D.A. Press)
Dique no entorno da �rea da usina: barramento que deveria receber lama para secagem e recupera��o de �gua para o Rio Doce ruiu, o que faz com que rejeitos continuem a contaminar o lago (foto: Ed�sio Ferreira/Em/D.A. Press)
Santana do Deserto e Rio Doce – Um erro construtivo ou, pior, a realiza��o de obra usando material de qualidade question�vel s�o causa apontadas como respons�veis por um atraso de tr�s anos na remo��o dos rejeitos de min�rio provenientes do desastre da Samarco, em Mariana, que ficaram depositados na Represa de Candonga, no munic�pio de Rio Doce. A situa��o empurrou para 2021 a previs�o para que a Hidrel�trica Risoleta Neves volte a produzir energia. A expectativa inicial era 2018. O atraso ocorreu devido a uma trinca que fez ruir parte do maci�o de mais de 15 metros de altura de um dique feito de rochas, areia e solo compactado projetado para receber 3 milh�es de metros c�bicos dos rejeitos depositados pelo rompimento da Barragem do Fund�o, em 2015. Al�m dos atrasos e da perman�ncia da lama dentro dos remansos do lago – na pr�tica, ainda dentro do Rio Doce – trouxe tamb�m p�nico para a comunidade de Santana do Deserto, que vive abaixo do barramento e v� um drama do passado voltando � tona.
A Funda��o Renova, respons�vel por lidar com os efeitos do desastre, sustenta que ocorreu uma “falha geol�gica (trinca)” e por causa disso o planejamento do dique na Fazenda Floresta (veja arte) foi abandonado. A ideia, agora, seria construir pequenas barragens para receber o material do rompimento. Contudo, a reportagem do Estado de Minas esteve na represa em companhia de um engenheiro e de um profissional de geotecnia, integrantes de empresas que trabalham nas obras. Eles t�m uma outra explica��o, menos eventual, para o que ocorreu. Pela avalia��o dos profissionais, o que comprometeu a constru��o foi o uso de material proveniente de uma pedreira e de areia de baixa qualidade como insumos, por poderem ser extra�dos de dentro do terreno dos canteiros de obras, o que os tornava mais baratos. O dique programado para receber os rejeitos vazados da barragem da Samarco cedeu no in�cio do ano e comprometeu todos os processos de retirada de lama de min�rio.

(foto: Artes/EM)
(foto: Artes/EM)

O rompimento da Barragem do Fund�o despejou 40 milh�es de metros c�bicos de rejeitos nos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce, obrigando a Hidrel�trica Risoleta Neves, na Represa de Candonga, a abrir suas comportas para ter capacidade de reter parte da onda de lama. Ao todo, 10 milh�es de metros c�bicos se depositaram no fundo do lago, impedindo a gera��o de energia. A equipe do EM entrou em contato com o Grupo de Gest�o de Candonga, mas n�o obteve informa��o sobre os preju�zos acumulados nesses quatro anos de interrup��o.

(foto: Artes/EM)
(foto: Artes/EM)

Por�m, em sua p�gina na internet, que parece ter sido atualizada pela �ltima vez em fins de 2016, o empreendimento informa que a usina tem potencial para gerar “140MW/h (megawatts por hora), que consegue suprir o fornecimento de energia de uma cidade com cerca de 400 mil habitantes, o que equivale a atender cidades como Ponte Nova, Vi�osa, Guaraciaba, Ouro Preto, Mariana e Ub�, entre outras cidades da Zona da Mata, simultaneamente”. Potencial que est� inoperante desde novembro de 2015.

O plano de recupera��o ambiental proposto para Candonga pela Funda��o Renova, em 2016, envolvia retirar cerca de 3 milh�es de metros c�bicos de rejeitos para um dique na Fazenda Floresta. Naquele local, o material �mido seria drenado e a �gua resultante, que representa 80% da composi��o, seria tratada e devolvida ao Rio Doce. Ap�s esse processo, o rejeito seco seria removido do dique para pilhas em �reas afastadas na mesma propriedade.

Mas isso n�o � o que est� acontecendo. Na companhia dos dois profissionais que trabalham em empresas ligadas �s obras, a reportagem constatou que o canteiro de obras foi abandonado. As dragas que bombeavam rejeitos do fundo foram desmobilizadas. Rejeito da parte alta do rio e dos remansos continuam a entrar no lago, mantendo o processo de concentra��o do material proveniente da minera��o.

Um dos profissionais de engenharia viu de perto todo o processo de instala��o do canteiro em Candonga. “Durante uns seis a oito meses, as obras eram feitas com material do mercado, de boa qualidade. Por�m, enquanto isso, uma empresa foi contratada para fazer prospec��o. Queriam encontrar rochas e areia no terreno da Fazenda Floresta, para baratear os custos e aumentar a velocidade (das obras)”, conta. De acordo com ele, para a constru��o do dique de rejeitos foram extra�dos 70 mil metros c�bicos de areia e 60 mil metros c�bicos de pedras. “Quando acharam as rochas, viram que estavam a 16, 18 metros de profundidade. Foram seguindo o veio que s� aflorava na fazenda vizinha, que foi comprada para poder fazer a extra��o”, conta o engenheiro. O local � considerado muito pr�ximo do dique, a apenas 500 metros, e para ser feito, segundo o engenheiro, precisou desmatar �rea de prote��o permanente (APP) e lan�ar detritos em um c�rrego da bacia.

ESTACA ZERO A extra��o de rochas parecia correr bem. At� que, ap�s uma sequ�ncia de detona��es para desagregar as pedras, os trabalhadores notaram abalos no dique projetado para recebimento de rejeitos. “As pedras e a areia eram muito ruins, de um material decomposto, considerado de segunda ou terceira qualidade, que � impr�prio para constru��o civil, (para montagem de) drenos e conten��es. Sua utiliza��o comprometeu toda a obra”, indicou outro profissional, ligado � �rea de geotecnia. “Quando come�aram as detona��es, isso afetou o dique. Primeiro, trincou a estrutura e as laterais come�aram a desbarrancar. A� desceu tudo (a estrutura lateral do dique) e foi preciso paralisar a obra. A prefeitura e a comunidade entraram no meio. Ficaram com medo. Se est� assim, (com o dique) vazio, imagina quando estiver cheio? Foram quase quatro anos mexendo e at� agora n�o conseguiram sair do lugar”, critica o especialista.

Os dois profissionais ouvidos pela reportagem consideram que a extra��o desse material impr�prio foi o que causou a paralisa��o das obras. “Para que abrir uma pedreira ineficiente, na pressa? Pagaram um dique de mais de R$ 90 milh�es e precisaram gastar mais R$ 10 milh�es a R$ 15 milh�es para consertar tudo”, criticou um deles.

Mas o rompimento do dique n�o foi o �nico problema. Segundo os dois trabalhadores que estiveram envolvidos nas obras, a rocha encontrada � t�o fr�gil que depois das detona��es a pr�pria jazida come�ou a ficar comprometida. “Depois que detonaram, detonaram e detonaram, surgiu uma trinca gigante em cima da pedreira. A�, colocaram uma biomanta e fizeram revegeta��o para tampar aquilo l�. S� que a� um funcion�rio caiu no buraco. A�, desmobilizaram a obra. � preciso que as autoridades fiqueem atentas. Parece que j� est�o procurando mais pedreiras no terreno para fazer o resto da obra”, denuncia o engenheiro ouvido pelo EM.

Moradores de Santana do Deserto, como João Ribeiro, temem por suas vidas diante da falta de informação(foto: Edésio Ferreira/Em/D.A. Press)
Moradores de Santana do Deserto, como Jo�o Ribeiro, temem por suas vidas diante da falta de informa��o (foto: Ed�sio Ferreira/Em/D.A. Press)

O medo em nova barragem

Rio Doce e Santana do Deserto – “Voltou o medo de arrebentar tudo a� para cima de novo e levar as casas da gente embora. Todo mundo est� preocupado. Ningu�m descansa a cabe�a no travesseiro.” As palavras temerosas do lavrador Jo�o Ribeiro, de 68 anos, descrevem a volta de um fantasma que estava sendo esquecido em Santana do Deserto, munic�pio de 3.860 habitantes que fica � beira do Rio Doce, bem abaixo da Represa de Candonga. A comunidade viveu momentos de p�nico em 2015, ap�s o rompimento da Barragem do Fund�o, em Mariana, pois temia que os mais de 10 milh�es de metros c�bicos de rejeitos de min�rio de ferro despejados sobre o reservat�rio provocassem o colapso de Candonga e a destrui��o da cidade. O medo, agora, � de que o dique constru�do a um quil�metro para receber os rejeitos removidos do fundo do lago volte a apresentar problemas e venha a ruir sobre as constru��es rio abaixo. Nas ruas da pequena comunidade mais pr�xima do Rio Doce as pessoas dizem que n�o foram alertadas sobre nada pelas autoridades ou executores das obras do dique. Enquanto isso, boatos circulam dando conta de riscos que apavoram os habitantes vizinhos.

A equipe do Estado de Minas foi at� a �rea do dique e constatou que l� tamb�m n�o v�m sendo feitos mais trabalhos. A estrutura de pedras e terra erguida para conter o material vazado de Fund�o e bombeado do fundo do lago de Candonga n�o exibia as rachaduras denunciadas pelos funcion�rios que trabalham na obra e acompanharam o EM. “Foi tudo recoberto, mas os trabalhos pararam. O problema � que se avan�ar sobre uma estrutura feita com as pedras de m� qualidade, da pr�xima vez que ruir pode ser pior, pode ser com rejeitos dentro. Ent�o, fica a d�vida, se refor�am ou refazem o dique”, afirma o engenheiro integrante de empresa que trabalha nas obras e que mostrou o canteiro na condi��o de n�o ter sua identidade revelada.

E d�vida sobre o futuro da interven��o reverbera na comunidade de Santana do Deserto, que fica a apenas um quil�metro do dique por uma estradinha de terra que vai margeando o Rio Doce alguns metros � frente das comportas abertas da Barragem de Candonga. “Sempre morei na beira do Rio Doce e quando esse trem (a lama da Barragem) passou aqui ficamos assustados, sem saber se a represa ia aguentar ou se ia jogar tudo para cima da gente. Depois mudou tudo. Antes mexia com ro�a e pescava nesse rio. Agora a �gua n�o pode mais usar nem na ro�a, n�o tem condi��o de pescar mais, porque o peixe est� ruim, cheio de min�rio”, conta o lavrador Jo�o Ribeiro, que vive a poucos metros das margens do rio com a mulher e a sogra.

“A gente fica muito preocupada, porque n�o sabe se o pior pode acontecer quando a gente estiver dormindo”, afirma a dona de casa Auxiliadora Arlindo de Souza Alves, de 41 anos. A falta de informa��es concretas � o que mais aflige ela e os tr�s filhos, de 23, 22 e 21 anos, que moram com ela a menos de cinco metros do Rio Doce. “A gente escutou falarem que o dique tinha rompido e que tinha de desmanchar para fazer um outro de novo, em vez de arrumar esse. Mas n�o veio ningu�m da Renova aqui para falar sobre isso com a comunidade”, conta, em refer�ncia � funda��o criada para lidar com os reflexos da trag�dia de Mariana.

Ap�s o rompimento da Barragem do Fund�o, v�rias placas orientando sobre rotas de fuga da comunidade em caso de novos rompimentos foram instaladas. Mas, de acordo com pessoas ouvidas na comunidade, n�o ocorreu um treinamento nem uma orienta��o das autoridades competentes, como a Defesa Civil, sobre como agir em caso de desastre. Com isso, no caso de uma emerg�ncia j� h� pessoas com planos alternativos em mente, como a fam�lia da dona de casa Auxiliadora Arlindo. “Se romper, as placas mandam a gente correr para baixo (no sentido da igreja central da comunidade), na dire��o de onde o rio corre. A gente n�o confia nisso, n�o. Combinamos de fugir morro afora, no meio do pasto, porque se vier a lama descendo em cima da gente, ficamos num lugar mais alto”, disse.

Águas de afluentes do Rio Doce são tragadas pelo rejeito acumulado em barramento(foto: Edésio Ferreira/Em/D.A. Press)
�guas de afluentes do Rio Doce s�o tragadas pelo rejeito acumulado em barramento (foto: Ed�sio Ferreira/Em/D.A. Press)

Recupera��o para na 1ª fase


O dique na Fazenda Floresta seria a segunda fase do programa de recupera��o da Barragem de Candonga, respons�vel por receber quase 3 milh�es de metros c�bicos de rejeitos depositados do fundo do lago de Candonga. Essa dragagem � a primeira fase. Depois do dique, o rejeito seria drenado na terceira fase e o material seco seguiria para ser empilhado, na quarta fase. Os problemas no dique fizeram com que tudo parasse ainda na etapa inicial. Com isso, o rejeito removido dos primeiros 400 metros antes do barramento acabaram sendo depositados em barramentos nos remansos do lago, o que na pr�tica significa que ainda est�o dentro do Rio Doce.

Acompanhada de dois profissionais que trabalham nas obras, a equipe de reportagem do EM chegou a dois desses dep�sitos que em tudo lembram barragens. Em um desses remansos foi constru�do o chamado Dique 4, erguido sobre outro represamento, que recebeu milhares de metros c�bicos de lama e rejeitos de minera��o. A estrutura criada para ser provis�ria j� est� h� mais de um ano com o material, que deveria seguir para o dique planejado originalmente.

Como essa remo��o ainda n�o ocorreu, as chuvas e o pr�prio curso do riacho que des�gua em Candonga reintroduzem o material depositado no lago. O dique � uma estrutura de cerca de 10 metros de altura, constru�da com rochas empilhadas e uma arma��o de concreto. Grandes mangueiras espiraladas que foram usadas para tirar os rejeitos dragados do fundo da represa ainda est�o expostas nos barramentos constru�dos para reter esse material, mas n�o est�o mais ligadas �s dragas, que foram desmobilizadas.

Com isso, o Dique 4, que era um remanso da represa de Candonga, se tornou um reservat�rio de 4.300 metros quadrados de rejeitos, erguido a 10 metros de altura sobre um outro dique de material dragado, de 5.800 metros, soterrando completamente o afluente que traz �gua das montanhas para o Rio Doce. “Cada vez vai descendo mais barro. O lago tem 14 quil�metros. Desses 14 quil�metros, n�o se conseguiu dragar 400 metros. Ainda est� tudo na �rea do lago, nos remansos. E a lama n�o para de vir”, aponta o engenheiro que acompanhou a reportagem. “Se a Renova veio aqui para resolver um problema, n�o podem piorar a situa��o com mais impactos”, afirma o geot�cnico que tamb�m participou da visita.


Punida, funda��o v� normalidade


A Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Recursos Renov�veis (Semad) informou que a Funda��o Renova “n�o possui licen�a ambiental para a retirada de material da Pedreira Corcini (Fazenda Floresta)”. “As a��es ali desenvolvidas foram informadas como emergenciais, para abastecimento, com material a ser utilizado em constru��o civil, em obras emergenciais na Fazenda Floresta, e ser�o regularizadas no processo de licenciamento corretivo da Fazenda Floresta”, acrescentou, em nota.

A Funda��o Renova, segundo a Semad, tamb�m n�o tem autoriza��o para supress�o de vegeta��o em �rea de preserva��o permanente (APP) ou na regi�o da Fazenda Floresta como um todo. “O que se executou foi baseado em of�cio de emergencialidade”, contudo, a Renova “recebeu dois autos de infra��o, por interven��o em APP sem autoriza��o”.

O Comit� Interfederativo (CIF) criado pelo poder p�blico para ordenar as a��es de repara��o do rompimento da Barragem do Fund�o emitiu multa � Funda��o Renova referente � n�o retomada das atividades da Usina Hidrel�trica Risoleta Neves, ratificada em 28 de maio de 2019. Caso haja nova repactua��o de prazos e obriga��es, a contagem da multa di�ria poder� ser suspensa, considerando-se como data final o futuro protocolo de documenta��o da Funda��o Renova. O valor da multa aplicada pelo CIF era de R$ 36 milh�es, em maio de 2019.

A Funda��o Renova informou que “a pedreira foi explorada para produzir agregados (pedras) que foram aplicados nos projetos de conten��o das margens e no enrocamento do dique principal”. “A qualidade do agregado para a utiliza��o no enrocamento foi aferida e aprovada conforme laudos de caracteriza��o geot�cnica elaborados por laborat�rio certificado (Solocap). A explora��o foi realizada por meio de detona��o de baixa escala, conforme norma vigente, e n�o houve registro de anormalidades. As atividades da pedreira supracitada foram encerradas em janeiro de 2019 e os projetos de descomissionamento e Plano de Recupera��o de �reas Degradadas (Prad) j� est�o em andamento”, informou, em nota.

Sobre as trincas e a queda de parte do dique, a Renova caracteriza como “uma poss�vel anormalidade no dique de recebimento de rejeitos”, indicando que “n�o foi apresentado nenhum problema construtivo ou geot�cnico”. Sobre o abandono do projeto, afirma que “em fun��o dos avan�os dos estudos de engenharia, no in�cio de 2019 foi revisto o conceito geral do processo e o dique principal tamb�m foi extinto, com a ado��o de estruturas menores e com menor risco operacional”.

Sobre os temores da popula��o ribeirinha, destaca a Renova que “concomitante �s obras, s�o realizadas visitas peri�dicas da comunidade de Santana do Deserto e circunvizinhas, representantes das comiss�es de atingidos, nas instala��es e obras. Nessas visitas s�o explicados conceitos, condi��es de seguran�a geot�cnica e operacional das estruturas e status dos servi�os”.


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