
Com o objetivo de mostrar a hist�ria n�o contada do pa�s, a Olimp�ada da Hist�ria do Brasil, promovido pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas), trouxe � tona a vida de um benzedor, M�rio Braz da Luz, de 86 anos, integrante da Comunidade dos Arturos. E os respons�veis por dar luz a essa hist�ria s�o tr�s alunos do Col�gio Santo Agostinho Contagem: Ana Carolina Grip de Carvalho, Ana Luiza Reis Silva (ambas de 17) e Lucas Almeida Brand�o, de 18, orientados pelo professor de Hist�ria Robinson Vinicius de Oliveira Lage, de 39. O trabalho feito por eles est� hoje na final do concurso, com grande chance de vit�ria.
E a hist�ria teve in�cio h� 53 anos, como conta seu M�rio. “Eu n�o era benzedor. Um dia, minha irm� Juventina Paula, que era quem benzia, me chamou e disse que eu teria que fazer o mesmo que ela. Exclamei: Mas como, se n�o sei fazer?. Ela ent�o disse que iria me ensinar. Ensinou uma reza e mandou que a benzesse. Quando terminei, ela disse que eu estava pronto e da� em diante, n�o parei mais”, explica.
Encontrar seu M�rio n�o � dif�cil. Para chegar � comunidade dos Arturos, basta cortar o Centro de Contagem, indo em dire��o ao Bairro Vera Cruz, j� na periferia da cidade. Uma placa anuncia a chegada aos Arturos. Descendo a rua de acesso, chega-se a uma capela. E, logo ao lado, um p�tio de cimento, no meio de uma rua. L�, numa cadeira de rodas, seu M�rio” faz seus atendimentos. Pr�ximo, uma fila de pessoas para ser benzidas. Mal uma pessoa � atendida, outra chega para a fila. � assim durante todo o dia. �s vezes, o n�mero de consulentes chega a 100.
Para aguentar o ritmo, seu M�rio segue uma r�gida rotina. Levanta �s 6h, toma caf� junto com a esposa, Maria Auxiliadora da Luz, de 82 (com quem est� casado h� 60 anos), e �s 8h come�a o atendimento. “Sempre que saio de casa, j� tem gente me esperando. Fico aqui, quando est� quente, debaixo da sombra dessa pequena �rvore, mas nos dias frios, como hoje, fico no sol.” O atendimento � feito sempre at� as 17h30.Seu M�rio s� para pra almo�ar.
Ele explica que faz isso, esse tempo todo, por prazer e por f�. “Sempre fui devoto de Nossa Senhora e � ela quem me ajuda a ajudar as pessoas. Quem vem aqui tamb�m tem f� e cr� em Nossa Senhora. Fico feliz com o que fa�o, que � um dom.” E a benze��o seguir� na fam�lia: o filho, Raimundo Luz, de 56, tamb�m segue os passos do pai.
Dona Maria Auxiliadora tamb�m est� sempre junto do marido. Ela conta a hist�ria de amor dos dois. “N�s somos primos. O pai dele era irm�o da minha av�. Naquela �poca n�o existia esse neg�cio de n�o deixar primo se casar com primo. Pelo contr�rio, por sermos de uma mesma fam�lia, havia uma confian�a maior por parte dos pais. Assim, fomos aben�oados por nossos pais e vivemos felizes desde ent�o.”
MODERNIDADE No dia em que recebeu a reportagem, seu M�rio tamb�m fez atendimento, via celular, no viva voz, de uma mulher que pedia ajuda para seu com�rcio, “Ningu�m est� entrando na minha loja, o movimento � muito pequeno, preciso de ajuda”, diz ela. Ele responde. “Vamos fazer uma ora��o e vou te passar uma receita para fazer a� na sua loja. Vai te ajudar.”.
Pr�ximo estava a estudante Tatiana Vila�a Rangel, de 17, ansiosa para ser benzida. “Venho aqui desde pequena. Meu pai me traz. Saio daqui confortada e sem qualquer problema que estivesse tendo”, afirma. O pai, o vendedor ambulante Ronaldo Adilson Rangel, de 50, diz que seu M�rio trata n�o s� de doen�as, mas resolve problemas particulares das pessoas tamb�m. “Eu, quando vim pela primeira vez, foi para pedir ajuda, pois tinha um inquilino que n�o queria sair da minha casa. Vim, pedi e fui atendido. Desde ent�o, venho sempre aqui me benzer. � importante que todos saibam que a f� remove montanhas.”

De uma gera��o para outra
A Comunidade dos Arturos � formada por descendentes de escravos, que ainda preservam as mais belas tradi��es de dan�as, festividades e eventos religiosos. Sua import�ncia � tanta que foi elevada � condi��o de patrim�nio imaterial do estado de Minas Gerais.
Tudo come�ou com Camilo Silv�rio da Silva, escravo, trazido de Angola para o Brasil no s�culo 19. Vendido para trabalhar na Mata do Macuco, hoje munic�pio de Esmeraldas, casou-se com uma escrava alforriada e teve seis filhos. Um deles era Artur, que por ter nascido ap�s a Lei do Ventre Livre, n�o era oficialmente escravo, mas foi muito maltratado pelos seus patr�es.
Um dia, insistiu para ir ao sepultamento do pai e acabou agredido pelo patr�o. Fez ent�o uma promessa a si mesmo: seus filhos viveriam sempre juntos. Mudou-se para Contagem, na �rea que passou a ser conhecida por Comunidade dos Arturos, no Bairro Jardim Vera Cruz. L� est�o todos os descendentes de Artur.
Ele se casou com Carmelinda. Tiveram 11 filhos, dos quais nove j� faleceram. Seu M�rio � um deles. L� tamb�m vive seu irm�o Ant�nio. Junto deles, mais 90 fam�lias. No Arturos, as tradi��es dos negros s�o preservadas, principalmente atrav�s de festas e celebra��es, como a folia de reis, em janeiro, a festa da liberta��o dos escravos, em 13 de maio, e o reinado de Nossa Senhora do Ros�rio, conhecido como congado, em outubro.
A religiosidade, tradi��es e a heran�a do patriarca Artur s�o motivo de orgulho. No passado, a Comunidade funcionou tamb�m como entreposto, pois doces e colheita, assim como animais de corte, eram levados para l�, e dali vendidos na regi�o central de Minas Gerais.
Persist�ncia e brilho
Principal incentivador dos alunos Ana Carolina, Ana Lu�za e Lucas Brand�o, o professor Robinson Lage vibra com a oportunidade de a equipe disputar a fase final da competi��o. E revela que a persist�ncia foi um fator fundamental. “Essa � a 11ª edi��o da Olimp�ada promovida pela Unicamp. Estou no Col�gio Santo Agostinho h� 10 anos, mas somente h� seis come�amos a participar. Cada ano � um grupo diferente. Esta � a primeira vez que chegamos � fase final do evento”, destaca.
Ele conta que at� a quinta fase do concurso o tema ainda n�o havia sido definido. “Quem participa da Olimp�ada tem de cumprir requisitos. Desta vez fomos escolhidos para a fase final e s� ent�o definimos o personagem. A proposta � contar hist�rias de personagens brasileiros que n�o s�o conhecidos. Escolhemos um personagem atual, que tem, tamb�m, um passado a ser contado.”
Al�m disso, o fato de ser um personagem de Contagem, onde fica a escola, foi fundamental. “Seu M�rio tem uma grande import�ncia na Comunidade dos Arturos. Al�m de benzedor, ele � tamb�m rei do congado e um dos organizadores, junto com sua mulher, da Festa de Nossa Senhora do Ros�rio. � um personagem muito rico”, acrescenta Robinson.
O professor destaca que os tr�s alunos integrantes do grupo s�o muito ativos e voltados para a pesquisa. Recentemente, estiveram em Portugal, pois participam tamb�m do Grupo de Dan�a Sarandeiros, projeto da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) em parceria com o col�gio. E essa parceria teve liga��o direta com a escolha por seu M�rio.
“J� hav�amos tentado na competi��o do ano passado, mas ficamos na quarta etapa. Desta vez, aproveitamos que j� t�nhamos contato com o Sarandeiros, por causa de congado, e por serem descendentes diretos da cultura africana, em especial de Mo�ambique. E sab�amos sobre o seu M�rio, nosso personagem. Ele � muito importante para a cultura deles e a Comunidade dos Arturos. Quando fomos l� para fazer o levantamento sobre o personagem, toda a comunidade quis participar. E agora estamos na final”, diz Ana Lu�za Reis.
Orgulhoso, Robinson destaca que projetos como esses s�o importantes para fazer um resgate cultural do pa�s. E j� anuncia que seus alunos n�o v�o parar por a�. “Eles j� est�o falando que v�o disputar a Olimp�ada de Geografia, tamb�m promovida pela Unicamp. O projeto da universidade � apoiado pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Cient�fico e Tecnol�gico (CNPq).