
“Mato Grosso � o �nico estado brasileiro em que a unidade especializada para casos da Lei Maria da Penha julga as a��es criminais e c�veis entre v�tima e agressor. Ocorre que essas a��es deveriam tramitar na mesma Vara, com os mesmos representantes da Defensoria P�blica, da promotoria e a mesma autoridade judicial”, afirma Rosana Leite. “Quando acontece a viol�ncia contra a mulher, h� o julgamento do crime – como em casos de les�o corporal, tentativa de homic�dio, de amea�as. Mas h� tamb�m que se tratar das a��es c�veis, como div�rcio, dissolu��o da uni�o, alimento (pens�o) para filhos e filhas, indeniza��es por dano moral e material. � de suma import�ncia que esse artigo 14 seja cumprido”, afirma Rosana Leite. Segundo ela, a den�ncia ser� levada � Corte Interamericana de Direitos Humanos e � Organiza��o das Na��es Unidas. Tamb�m o Conselho Nacional de Justi�a (CNJ) ser� acionado.
Na semana em que protestos no mundo inteiro marcaram o Dia Internacional para a Elimina��o da Viol�ncia Contra as Mulheres, em Belo Horizonte, o 1º Semin�rio Justi�a Seja Feita, promovido pelo movimento feminista mineiro Quem Ama N�o Mata, vai discutir hoje com especialistas da �rea jur�dica os obst�culos ao enfrentamento a crimes do tipo no Brasil. O evento tem apoio do Tribunal de Justi�a (TJMG), representado pela Coordenadoria da Mulher em Situa��o de Viol�ncia Dom�stica (Comsiv), da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-MG), da Rede de Enfrentamento � Viol�ncia Contra a Mulher e da Funda��o Oswaldo Cruz (Fiocruz-MG) e do Instituto Brasileiro de Direito de Fam�lia (Ibdfam). Ocorrer� a partir das 8h30, no audit�rio do Anexo 1 do Tribunal de Justi�a de Minas Gerais, na Rua Goi�s, 299. As recomenda��es do semin�rio integrar�o a Carta de Belo Horizonte, que ser� encaminhada a autoridades pol�ticas e do Judici�rio brasileiro.
Al�m do n�o cumprimento da Lei Maria da Penha, que ser� objeto de den�ncia a organismos internacionais de defesa dos direitos humanos, h� temas importantes em pauta. “A Lei Maria da Penha � extraordin�ria, vanguarda no mundo”, afirma a advogada Eliana Piola, uma das coordenadoras do semin�rio. Mas a lei, por si, n�o basta para mudar a sociedade nem ser efetiva pela sua simples exist�ncia, pois enfrenta um conjunto de problemas que se op�em � sua implementa��o, a come�ar pelo desconhecimento de pol�tica de g�nero dos operadores de Justi�a. “De policiais at� ju�zes que atendem as mulheres em situa��o de viol�ncia, h� grande desinforma��o sobre como deva ser a abordagem das v�timas, a come�ar pelo emprego de uma linguagem respeitosa”, afirma Piola. Ela ainda lembra que v�timas ainda enfrentam o preconceito, que decorre tamb�m da falta de continuidade de pol�ticas p�blicas, e da aus�ncia de uma rede de servi�os integrada.
Obst�culos
O preconceito por parte at� de autoridades judiciais no julgamento de v�timas de viol�ncia masculina � realidade para defensoras p�blicas e advogadas que enfrentam as audi�ncias. Um dos casos mais recentes e ruidosos envolveu a pr�pria defensora p�blica do Mato Grosso Rosana Leite, presidente da Comiss�o de Defesa da Mulher do Condege. “Eu acompanhava em audi�ncia uma jovem de 18 anos, v�tima de estupro paterno. O juiz me disse que n�o havia necessidade da minha presen�a. Insisti e expliquei sobre os artigos 27 e 28 da Lei Maria da Penha, prevendo que a v�tima tem direito de estar com a defensora que escolheu para acompanhar o depoimento. Mas o juiz me falou que a �nica forma que me aceitaria naquela Vara seria para defender o agressor”, conta Rosana Leite.
Na pr�tica, ao ingressar com a��o contra agressores, as mulheres lan�am as fichas sobre uma roleta, tal a diversidade de atua��es dos ju�zes, em sua compreens�o quanto � aplica��o da Lei Maria da Penha. Essa � a conclus�o do estudo qualitativo denominado O Poder Judici�rio no enfrentamento � viol�ncia dom�stica e familiar contra as mulheres, com levantamento de campo entre fevereiro e mar�o de 2018, realizado pelo Instituto Econ�mico de Pesquisa Aplicada (Ipea) sob demanda do Conselho Nacional de Justi�a. A observa��o qualitativa de v�rias unidades especializadas na Lei Maria da Penha identificou tr�s tipos ou categorias de ju�zes, segundo a forma de atua��o.
O primeiro tipo incluiu aqueles considerados comprometidos, que escolheram as Varas e juizados por considerarem a import�ncia do tema com o qual gostariam de contribuir. Na segunda categoria est�o ju�zes chamados de moderados, que est�o nas Varas por motivos pragm�ticos e apresentam, em geral, tend�ncia a aplicar a Lei Maria da Penha de maneira limitada, optando por crit�rios mais restritos para conceder medidas protetivas e para considerar um caso como de viol�ncia dom�stica e familiar contra mulher. Os ju�zes da terceira categoria foram chamados de “resistentes”, porque demonstram baixa ades�o �s previs�es da Lei Maria da Penha.
Um dos magistrados entrevistados na pesquisa declarou, por exemplo, que a escolha pela unidade decorreu da oportunidade de promo��o e do gosto pela mat�ria criminal. No entanto, esse juiz declarou n�o ser “entusiasta” da Lei Maria da Penha, pois acredita que h� “alarde” em rela��o � tem�tica da viol�ncia dom�stica. Foi conclus�o da pesquisa que a falta de interesse de parte dos magistrados se reflete na falta de forma��o na �rea, uma vez que esse tipo de juiz, em geral, n�o participa de cursos sobre a tem�tica da viol�ncia de g�nero.
A pesquisa conclui que o perfil do magistrado acarreta consequ�ncias diretas sobre a forma como os servi�os jurisdicionais s�o prestados �s mulheres em situa��o de viol�ncia. “Neste sentido, a pesquisa trouxe evid�ncias de que a pol�tica judici�ria de enfrentamento � viol�ncia dom�stica opera em um cen�rio em que h� mais diversifica��o do que padroniza��o. Ou seja, apesar de o fen�meno da viol�ncia dom�stica usualmente seguir uma din�mica pouco variada, a resposta do Judici�rio � muito heterog�nea, a depender de fatores pessoais e institucionais”, assinala o relat�rio.
Quem ama n�o mata
Apesar de vanguarda da Lei Maria da Penha para a prote��o da mulher agredida e repara��o de seus direitos, ainda h� muito a se conquistar, afirma Dorinha Aguiar, tamb�m coordenadora do semin�rio. Segundo dados do Instituto Igarap�, que tem estruturada a plataforma de Evid�ncias sobre Viol�ncias e Alternativas para Mulheres e Meninas (EVA) no Brasil, M�xico e Col�mbia – pa�ses que concentram 80% dos assassinatos de mulheres na Am�rica Latina –, 1,23 milh�o de mulheres relataram ter sofrido algum tipo de viol�ncia no Brasil desde 2010. Segundo os dados da pesquisa, esse foi o n�mero de mulheres atendidas no sistema de sa�de que se encaixaram nesse perfil. Desse total, os parceiros s�o respons�veis por 36% de todas as ocorr�ncias. As mulheres negras s�o as principais v�timas, sendo alvo de 57% dos casos de viol�ncia sexual e 51% dos casos de viol�ncia f�sica. Enquanto a viol�ncia contra as mulheres brancas aumentou 297% entre 2010 e 2017, contra as negras o crescimento foi de 409%.
Inspira��o
A Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06) criou mecanismos para coibir a viol�ncia dom�stica e familiar contra a mulher. O nome da lei foi dado em homenagem � farmac�utica Maria da Penha, que sofreu duas tentativas de homic�dio por parte do ex-marido e ficou parapl�gica. Ap�s anos passando por situa��es de viol�ncia, ela conseguiu denunciar o agressor.
Outra mulher � assassinada
Mais um crime b�rbaro com caracter�sticas de feminic�dio chocou moradores de Itapeva, no Sul de Minas Gerais. Silvana de Oliveira, de 39 anos, foi encontrada morta na quarta-feira, embaixo da cama da casa em que passou a noite. A v�tima tinha bra�os e pernas amarrados e uma sacola cobrindo o rosto, que pode indicar asfixia. O principal suspeito do assassinato � o ex-companheiro dela, R�bson Fernandes, de 41, de quem estava separada havia tr�s meses. Ele acabou preso. A cidade de 12 mil habitantes n�o registrava um homic�dio havia quatro anos. O corpo da v�tima, que deixa dois filhos, de 10 e 6 anos, deve ser enterrado no interior de S�o Paulo.
Agenda
1º Semin�rio Justi�a Seja Feita, com debates sobre os principais obst�culos a uma real implementa��o da Lei Maria da Penha em Minas e no pa�s
Hor�rio: A partir das 8h30 (credenciamento)
Local: Audit�rio 1 do Tribunal de Justi�a de Minas Gerais – Rua Goi�s, 299
Solenidade de abertura: desembargadora Alice Birchal (Comsiv/TJMG), Izabel Braga, conselheira Seccional da OAB/MG e integrante da Comiss�o Nacional da Mulher Advogada do Conselho Federal, e jornalista Miriam Chrystus, coordenadora do Movimento Quem Ama N�o Mata.