
“Quero Justi�a. E voc� que � negro n�o pode deixar passar. � preciso denunciar. Aconteceu comigo hoje, mas se eu n�o tivesse denunciado, poderia ocorrer com voc� amanh�.” Foi o que disse o taxista Luis Carlos Alves Fernandes, de 51 anos, que foi v�tima de discrimina��o racial e aguardava ansioso a decis�o do delegado sobre o crime: inj�ria racial ou racismo. Nat�lia Gomes, de 36, afirmou ao motorista que n�o andava com negros. Ao ser questionada sobre a declara��o, teria dito que era racista e depois cuspido no p� do agredido. Segundo a Pol�cia Militar, as agress�es prosseguiram na delegacia, onde a acusada chamou uma sargento de “sapat�o”. E n�o se trata de um crime isolado: a discrimina��o e o desrespeito seguem marcando presen�a em Minas Gerais, que registra a m�dia de praticamente um caso de inj�ria racial por dia – considerados apenas epis�dios que se transformam em queixa oficial. Dados da Secretaria de Estado de Justi�a e Seguran�a P�blica (Sejusp) mostram que foram registradas nada menos que 221 ocorr�ncias desse tipo nos primeiros nove meses do ano.
O caso ocorreu na tarde de ontem. Segundo o registro policial, o taxista Luis Carlos Alves Fernandes, h� 16 anos na profiss�o, estava parado na Avenida �lvares Cabral, em frente ao pr�dio da Justi�a Federal. Ele teria presenciado a mulher, identificada como Nat�lia Gomes, se aproximando com um idoso e aparentemente procurando um t�xi. Segundo o motorista, ele se dirigiu � mulher para perguntar se precisava do servi�o. Segundo relato da v�tima que consta do boletim de ocorr�ncia, no momento ele foi interrompido pela mulher, que teria dito: “Precisando de um t�xi estou mesmo, mas n�o ando com negros”.
O taxista disse que questionou se a mulher sabia que estava cometendo um crime. Nesse momento ela respondeu, segundo o relato do condutor: “N�o gosto de negro mesmo. Sou racista”. E cuspiu no seu p�, contou ele. Ela chegou a entrar em um dos t�xis, mas foi impedida de seguir com a corrida. A v�tima narrou que todos ficaram muito revoltados e tentaram agredi-la. Entretanto, a pol�cia chegou muito r�pido. "At� ent�o, ela estava muito calma. Ela se exaltou ao chegar � delegacia, onde precisou ser algemada", completou.
De acordo com a PM, quando os militares chegaram ao local, a mulher os ignorou. Acabou sendo conduzida para a Delegacia Adjunta ao Juizado Especial Criminal (Deajec). Mesmo detida, segundo o boletim de ocorr�ncia, a mulher continuou exaltada. De acordo com a PM, uma sargento pediu para ela se sentar na delegacia. Como resposta, foi chamada de “sapata”.
Impunidade
O taxista conta que exerce a profiss�o h� 16 anos como taxista e nunca havia sofrido nenhum tipo de preconceito, mas agora est� revoltado. Segundo a v�tima, desde o primeiro momento, a mulher foi muito arrogante e tinha certeza da impunidade. "Ela achou que diria o que disse e sairia impune. Disse que o pai � delegado e repetia 'voc� n�o sabe com quem est� falando'". Luis Carlos ainda disse que � importante ficar atento: “O racismo n�o est� s� nas palavras usadas pela mulher. Pode ser muito sutil, mas precisamos denunciar”, disse o homem, que espera que o caso seja classificado como racismo.
Dados da Sejusp mostram que os casos de inj�ria racial v�m se mantendo em patamares altos nos �ltimos anos. De janeiro a setembro deste ano, foram 221 registros. No mesmo per�odo do ano passado, foram 230 ocorr�ncias, e o mesmo n�mero registrado no estado nos primeiros nove meses em 2017. Em rela��o aos crimes de racismo, o total de casos registrados em 2017 foi de 173. O n�mero recuou para para 112 em 2018 e entre janeiro e setembro deste ano ficou em 73.
O advogado de Nat�lia e a irm� dela, que estavam na delegacia, n�o conversaram com a reportagem do Estado de Minas e disseram que responderiam durante o processo. At� o fechamento desta edi��o, Lu�s e Nat�lia estavam sendo ouvidos pelo delegado da Pol�cia Civil da Central de Flagrantes. O delegado definir� se a mulher responder� por inj�ria ou por racismo.
Casos de repercuss�o
Pelo menos outros tr�s casos de inj�ria tiveram grande repercuss�o nos �ltimos meses em Belo Horizonte e regi�o metropolitana. Em 15 de novembro, um homem foi preso em Betim ao se referir a um taxista como “aquele pretinho ali”, segundo consta no boletim de ocorr�ncia da Pol�cia Militar. A declara��o ocorreu na presen�a de militares e outras testemunhas. O acusado, de 61, foi autuado em flagrante pelo crime, pagou fian�a e foi liberado.O passageiro de um t�xi e o condutor, de 39, estavam em uma discuss�o sobre o pre�o de uma corrida quando a PM foi acionada. Em conversa com os policiais militares, o passageiro, Celso Serafim de C�ssia Rezende, afirmou, segundo consta no boletim de ocorr�ncia, que pediu uma corrida para Esmeraldas. O taxista aceitou e teria dito que a viagem ficaria em R$ 80. O homem, ent�o, tentou negociar e perguntou se podia ser feito por R$ 60.
Nesse momento, segundo apura��es da PM, o taxista teria dito a Celso que fosse a p�, o que deu in�cio a uma discuss�o. Os militares foram at� o local onde acontecia a briga e, durante os levantamentos do caso, flagraram Celso se referindo ao taxista de maneira discriminat�ria. Diante disso, o homem recebeu voz de pris�o por inj�ria racial e foi encaminhado � delegacia.
Na capital, um processo seletivo divulgado por duas empresas � investigado pois, ao divulgar vagas para cuidadores de idosos, a descri��o dos pr�-requisitos trazia a condi��o de que as candidatas n�o fossem “negras ou gordas”. Uma das exclu�das foi Elis�ngela Lopes, de 41, que tem quatro anos de experi�ncia profissional. “N�o vou me calar”, disse, em entrevista ao EM.
Outro caso ocorreu durante o �ltimo cl�ssico entre Cruzeiro e Atl�tico pelo Campeonato Brasileiro. Ap�s o empate por 0 a 0, as arquibancadas do Mineir�o viraram uma pra�a de guerra, onde torcedores se ofendiam e se atacavam, enquanto seguran�as tentavam cont�-los. Em meio � confus�o, Adrierre Siqueira da Silva se dirigiu ao seguran�a F�bio Coutinho com menosprezo e disse: “Olha a sua cor”. O irm�o de Adrierre, Nathan Siqueira da Silva tamb�m � acusado decometer inj�ria racial. Segundo a pol�cia, o torcedor chamou F�bio Coutinho de “macaco”. Ambos foram indiciados pela Pol�cia Civil e podem receber penas de um a quatro anos de reclus�o, al�m de multa, com base no artigo 140, par�grafo 3º do C�digo Penal.
Inj�ria racial
A inj�ria racial est� prevista no artigo 140, par�grafo 3º, do C�digo Penal, que estabelece a pena de reclus�o de um a tr�s anos e multa, al�m da pena correspondente � viol�ncia, para quem comet�-la. De acordo com o dispositivo, injuriar seria ofender a dignidade ou o decoro utilizando elementos de ra�a, cor, etnia, religi�o, origem ou condi��o de pessoa idosa ou portadora de defici�ncia. Em geral, o crime de inj�ria est� associado ao uso de palavras depreciativas referentes � ra�a ou cor com a inten��o de ofender a honra da v�tima.
Racismo
O crime de racismo, previsto na Lei 7.716/1989, implica conduta discriminat�ria dirigida a determinado grupo ou coletividade e, geralmente, refere-se a crimes mais amplos. Nesses casos, cabe ao Minist�rio P�blico a legitimidade para processar o ofensor. A lei enquadra uma s�rie de situa��es como crime de racismo, por exemplo, recusar ou impedir acesso a estabelecimento comercial, impedir o acesso �s entradas sociais em edif�cios p�blicos ou residenciais e elevadores ou �s escadas de acesso, negar ou obstar emprego em empresa privada, entre outros.