
Em 10 de julho de 2017, o telefone de Sandra Soares Desiderio, de 43 anos, tocou �s 2h. Do outro lado da linha, um policial deu a pior not�cia que uma m�e pode receber: seu filho Gabriel Soares Mendes, de 14 (foto), tinha sido baleado durante uma interven��o policial em um baile funk, no Aglomerado da Serra, na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte. O adolescente morreu. �s v�speras de completar dois e meio de um assassinato ainda sem solu��o, a dor da saudade divide espa�o com a ang�stia pela falta de respostas. “Faz mais de dois anos que n�o durmo. Quero que tudo se esclare�a. � a d�vida que mata. Foi pol�cia ou foi bandido?”, questiona a m�e, emocionada. Os moradores que participavam do baile naquele dia afirmam que os tiros que mataram o adolescente vieram de armas da pol�cia. A Pol�cia Militar diz que Gabriel foi executado, com seis tiros, por criminosos.
Ao acompanhar pela televis�o o notici�rio do massacre que deixou nove jovens mortos em um baile funk na Comunidade de Parais�polis, em S�o Paulo, Sandra reviveu as dores e os dramas daquela madrugada de segunda-feira, data de sua maior trag�dia pessoal. “S� Deus para confortar aquelas m�es. D�i muito. Os meninos n�o estavam fazendo bagun�a, estavam curtindo, dan�ando”, defende a mulher, que passou o �ltimo fim de semana inteiro ligada � TV. “Me lembrou demais. Todos os meninos tinham idade aproximada do meu filho. Um deles tamb�m se chamava Gabriel”, comenta.
O Gabriel de Sandra era o ca�ula de tr�s filhos. Nascido e criado no Bairro Novo Eldorado, em Contagem, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte, era conhecido por toda a vizinhan�a. “Todo mundo sempre gostou muito dele. Era um menino muito querido. N�o tinha desaven�a com ningu�m. � dif�cil de acreditar. Muitas pessoas ainda ficam esperando que ele volte”, conta a m�e. � a primeira vez que Sandra conversa com uma equipe de reportagem sobre o assassinato do filho. Ela recebeu o Estado de Minas na quinta-feira.
Sentada em uma cadeira, na sala de casa, Sandra relembrou o �ltimo dia em que viu Gabriel, contou a hist�ria dele e mostrou que todos os pertences do filho ainda est�o exatamente como ele deixou. No arm�rio do quarto, as roupas est�o todas l�, dobradinhas e arrumadas. O computador dele foi desmontado e guardado no c�modo reservado �s lembran�as. Nas paredes, as fotografias mostram registros felizes desde a inf�ncia de um beb� gordinho � adolesc�ncia de um menino vaidoso, que gostava de andar bem arrumado. Ali tamb�m fica guardada a blusa de frio usava quando foi morto.

A m�e conta que Gabriel amava o pancad�o do funk. Seu maior sonho era se tornar DJ, j� tinha at� comprado um equipamento de mixagem de som. Suas divers�es prediletas eram o videogame, passear no shopping e andar de moto. Mesmo com a pouca idade, Sandra disse que ele j� pilotava. “Era apaixonado por motos. Comprou uma, foi apreendida pela pol�cia, a� comprou outra, foi apreendida. No final, foram tr�s”, contou entre risos. Estudar n�o era seu forte, largou a escola na 5ª s�rie. Queria mesmo era ser artista. “Estava come�ando com a baguncinha dele. H� pouco tempo tinha come�ado a ser promoter. Gostava de ir para a Serra porque tinha uma turma que sempre ia”, disse.
No in�cio da noite daquele domingo, Gabriel pegou R$ 50 emprestados com a m�e e saiu de Uber com um amigo. Disse que iria ao shopping e voltaria logo, mas n�o voltou. Preocupada, �s 21h30 Sandra ligou para o filho. O celular j� estava desligado.
O CRIME
Gabriel foi para o baile funk na Rua Bin�rio, na Vila Cafezal, no Aglomerado da Serra. A festa, famosa por reunir artistas locais do cen�rio do funk e ser um espa�o de divers�o para jovens amantes do ritmo, atra�a milhares de pessoas vindas de diversas regi�es de BH e de cidades vizinhas. Naquele dia houve uma interven��o da Pol�cia Militar.
Na �poca, a PM disse que foi acionada por moradores que reclamavam do barulho. E que, ao chegar � Rua Bin�rio, eles teriam sido agredidos por participantes da festa com pedras e garrafas. Em rea��o, os policiais lan�aram bombas de efeito moral, que teriam sido revidadas com tiros disparados por criminosos. Ainda segundo vers�o da pol�cia, a equipe teria recuado, pedido refor�os, e ao retornar foi informada de que Gabriel tinha sido baleado. Outros dois jovens ficaram feridos na a��o.
Na vers�o de moradores e participantes da festa, a hist�ria � outra. Eles dizem que os tiros partiram dos militares. “De acordo com a vers�o da pol�cia, um homem tinha sido assassinado devido a um enfrentamento com o tr�fico. O pessoal ficou muito revoltado, primeiro porque n�o era um homem, era uma crian�a. E n�o tinha nenhuma rela��o com o tr�fico de drogas”, diz a advogada Ma�ra Neiva, integrante do movimento Observat�rio do Funk, respons�vel por regulamentar o baile, que passou a ser chamado Baile Funk da Serra nas Quebradas – o primeiro com alvar� no estado.
O fato � que Gabriel foi socorrido por populares e levado para o Hospital de Pronto-Socorro Jo�o XXIII. Naquela madrugada, assim que recebeu o telefonema do policial com a not�cia do ocorrido, Sandra ligou para o amigo que saiu de casa com seu filho. “Consegui falar com o R. e ele logo me disse: ‘Desculpa, desculpa. N�o pude fazer nada’. A� entendi que meu filho tinha morrido’”, relembra a m�e. “Fui at� o hospital e a assistente social veio falar comigo. Quando fui ver o Gabriel, ele estava sem o bon�, sem o t�nis, sem o rel�gio, sem o cord�o. O corpo estava molhado. Parecia que haviam jogado �gua nele”, recorda. Duas semanas depois, segundo a m�e, o hospital entrou em contato para devolver os pertences do adolescente. “Me entregaram o celular, R$ 55 e o cord�o, que desde esse dia n�o tiro do meu pesco�o”, contou a mulher, segurando o acess�rio que alisava com carinho durante toda a conversa.
QUEST�ES

Amanh�, dia 10, o crime completa dois anos e seis meses. At� hoje as investiga��es n�o foram conclu�das e permanecem em segredo. “Em 25 de novembro do ano passado, procurei pelo investigador do caso e ele me disse que n�o era mais o respons�vel. Lembro-me de dizer que gostaria tanto de saber se foi bandido ou pol�cia. E ele me respondeu: ‘Por que voc� vai ficar mexendo em caixa de abelha?’”, contou.
A Pol�cia Civil de Minas Gerais (PCMG) disse, por meio da assessoria de imprensa, que as investiga��es est�o em andamento. Entretanto, afirmou que a suspeita de participa��o de policiais militares na morte de Gabriel foi totalmente descartada. Ainda ressaltou que investigadores mant�m contato com a fam�lia. Os laudos e exames s�o consideradas informa��es estrat�gicas para o inqu�rito e n�o podem ser detalhados. Ainda de acordo com a corpora��o, a investiga��o continua sem prazo definido para a conclus�o. J� a Pol�cia Militar n�o respondeu �s perguntas da reportagem at� o fechamento desta edi��o.
Dois anos e meio, um corpo e quatro perguntas: Quem matou Gabriel? Qual a motiva��o do crime? Foi feito exame de bal�stica e, se sim, qual o resultado? Por que a investiga��o ainda n�o foi conclu�da?