
Caetano ensaia os primeiros passos – ainda meio se equilibrando, o menino de cabelos claros apoia o bra�o na cadeira, caminha, senta no ch�o, levanta com a fralda desajeitada e depois procura sustento nas m�os dos pais. J� em completa seguran�a, vai se aninhar no colo at� buscar o seio materno. N�o demora muito, cai no sono. Gabriel Francisco dos Santos e D�bora Marotti Dumont contemplam o filho e parecem voltar no tempo, exatamente h� um ano, quando, com o beb� nos bra�os, enrolado numa toalha de mesa, sa�ram de casa para nunca mais voltar a viver ali.

Desde a evacua��o de 125 fam�lias da zona de autossalvamento (ZAS), devido � eleva��o do n�vel de alerta da Barragem B3/B4 da Mina de Mar Azul, Gabriel, D�bora e Caetano peregrinam por hot�is, primeiro na capital e depois em Macacos mesmo. Agora est�o em pousada. Mas, n�o bastasse a fam�lia ficar longe da comunidade do Engenho, onde vivia, houve mais um baque, com o fechamento, h� um m�s, do restaurante de Gabriel. Agora, o sustento depende do voucher-alimenta��o que a mineradora distribui no distrito (44 mil t�quetes por semana).
“Meu filho n�o est� crescendo na casa dele. T�nhamos feito o quarto, arrumado tudo com carinho... agora estamos aqui”, observa D�bora, artes�, preocupada com o hoje e sem ideia do que ser� o amanh�. “Para come�ar, n�o recebemos treinamento no caso de soar o alarme. Sa�mos no desespero. N�o houve indeniza��o para comprar outra casa. H� gente pensando que � bonito a Vale pagar a conta desta pousada. Ser� isso um favor? Acho que n�o. Quero criar meu filho em meio � natureza, e tive esse direito interrompido”, afirma D�bora.
A casa no Engenho, localizada a tr�s quil�metros do Centro de Macacos, foi adquirida h� cerca de 15 anos pela advogada Guiomar Marotti Dumont, hoje hospedada, na mesma situa��o de “vida fora do prumo”, em um hotel em BH. “L� em Macacos tem espa�o, pitangueira, limoeiro. Pensava em viver ali perto do meu neto”, conta a advogada, que fez uma proposta de indeniza��o � empresa e diz que recebeu, em troca, “uma proposta indecente”.
Partid�ria de uma concilia��o, “pois tudo pode se resolver no entendimento”, Guiomar sabe que h� limite e n�o quer esperar muito mais. Se na pr�xima reuni�o no escrit�rio de acordos aberto pela Vale perdurar a indefini��o, pensa em recorrer � Justi�a. “Tenho todos os documentos, grava��es feitas naquela noite, enfim, o necess�rio. Eles dizem que nossa situa��o � de 'ilhados', mas, se houver um rompimento, como vamos sair de l�?”, pergunta a advogada.
PREJU�ZOS D�vidas e ang�stias norteiam dias e noites dos moradores do distrito, embora sem perder o foco na nova realidade e sem deixar de criticar o modelo em que se desenvolveu a explora��o mineral no estado. “� preciso que a minera��o respeite as comunidades, pois levam os lucros e deixam os danos”, avalia a presidente da Associa��o Comunit�ria de Macacos, Melina Neves Borges Francesquini, lembrando que, na noite de 16 de fevereiro de 2019, muito idosos e crian�as tiveram que abandonar suas casas.
Polo gastron�mico, com muitas pousadas e restaurantes charmosos, o distrito h� um ano acumula enormes preju�zos, com queda de 40% no turismo, incluindo o com�rcio. “Mas estamos esperan�osos, pois h� muitas a��es a caminho, incluindo o carnaval, que ser� realizado todos os dias, e um festival gastron�mico, em 7 e 8 de mar�o”, antecipa o presidente da Associa��o do Com�rcio de Macacos, Francisco Assis Magalh�es Monteiro.
Lembrando que o movimento maior � sempre no fim de semana, Francisco explica que, atualmente, Macacos tem o risco mapeado, e que todas as pousadas se localizam fora da �rea vulner�vel. “Queremos que o turista volte devagarzinho. A comunidade ainda est� fragilizada, houve altera��o na rotina das pessoas, que precisam trabalhar e n�o viver de assistencialismo”, acrescenta. Em Macacos, os moradores recebem voucher di�rio de R$ 40 (para almo�o e jantar) e h� den�ncias de que esse t�quete virou dinheiro vivo, sendo “comercializado” por valor menor para suprir outras necessidades no lugar das refei��es.

Emprego, s� de 'pare/siga'
Em conversas com os moradores, s�o muitas as queixas, cr�ticas e lamentos que se ouvem. O pedreiro Dilmar Rodrigues Pereira teve que sair de casa com a mulher, Nadir Catarina da Costa Pereira, e quatro dos seis filhos e hoje mora numa casa alugada pela mineradora. Nem � preciso dizer que a vida virou do avesso, com perdas materiais e morais. “S� tivemos tempo voltar e pegar os documentos”, recorda o filho Amilton Rodrigues, de 26. Ao lado, a irm� dele, Ederv�nia Rodrigues, estudante, revela que a situa��o cr�tica a fez perder o emprego. “Hoje, aqui em Macacos, s� tem mesmo servi�o de pare/siga”, diz a jovem, em uma refer�ncia ao controle do movimento dos carros nas ruas dentro da zona de autossalvamento. Tamb�m chamada de “Mancha”, essa �rea consiste em pontos em que, no caso de rompimento da barragem, quem estiver no caminho da lama precisa escapar com recursos pr�prios, pois n�o h� tempo para interven��o das autoridades.
“A gente estava viajando e, quando retornou a Macacos encontrou essa situa��o. Est� muito dif�cil para todo mundo”, afirma Dilmar. Olhando ao redor, d� para entender perfeitamente cada palavra do pedreiro: tudo parado, lojas fechadas e, principalmente, o mato tomando conta das casas abandonadas, janelas trancadas, sujeira... enfim, um clima de desola��o. Tamb�m pedreiro, Paulo Roberto Gomes veio de Te�filo Otoni, no Vale do Mucuri, para trabalhar e, com a dura situa��o no distrito, ficou sem emprego. “Hoje, vivo de bico”, lamenta, enquanto o aut�nomo Paulo C�sar Gon�alves v� um tratamento diferenciado por parte da empresa, beneficiando os locat�rios em detrimento dos propriet�rios de im�veis. Antes dono de uma distribuidora de bebidas e g�s, Paulo C�sar foi obrigado a reduzir os neg�cios, ficando apenas com o segundo produto. “Fiz acordo com a empresa, recebi uma parte e falta receber a referente � casa.”