
Das montanhas da Serra do Curral �s v�rzeas do Ribeir�o Arrudas, as tempestades que castigam Belo Horizonte desde o fim de janeiro deixaram marcas de destrui��o como feridas e cicatrizes ainda abertas na paisagem da capital mineira. Em 44 dias de alerta geol�gico pela satura��o do solo em �reas de risco, foram 13 mortes e recordes de volumes de chuvas que entraram para a hist�ria. O fen�meno abriu sulcos pela Serra do Curral, que podem ser vistos de todas as regi�es. Tamb�m fez com que se espalhassem lonas pretas, brancas, amarelas e azuis, de tamanhos variados, sobre encostas das comunidades mais pobres at� bairros de classe m�dia e alta.
Tanta �gua em t�o pouco tempo comprometeu tamb�m a mobilidade urbana, destruindo vias como a Avenida Tereza Cristina, em parte de seu curso ao longo do Ribeir�o Arrudas. S�o rastros que servir�o de lembran�a da for�a destrutiva das chuvas numa cidade que n�o estava preparada para o fen�meno. Entre os dias 23 de janeiro e 13 de fevereiro, foram registrados pela Defesa Civil municipal 942 deslizamentos, 111 desabamentos e 840 alagamentos. Hoje, segundo a prefeitura, come�a o processo de reconstru��o dos principais estragos, com investimento anunciado inicialmente em R$ 31 milh�es.
Algumas das cicatrizes mais evidentes do per�odo est�o vis�veis na Serra do Curral, um dos s�mbolos da capital, que apresenta nove pontos de deslizamentos. Rochas cinzentas que se desprenderam do alto do maci�o imprimiram rastros no pared�o de vegeta��o verde, agora avivada pela umidade. Felizmente, n�o atingiram nenhuma via ou moradia. “Trabalho aqui vendendo �gua de coco e sucos h� 37 anos e nunca tinha visto descer pedras desse jeito l� da serra. De qualquer lugar que voc� estiver, d� para enxergar. Vi l� de baixo da Avenida Afonso Pena. Tamb�m n�o me lembro de chuvas t�o fortes assim”, comenta o ambulante Otac�lio Rosa da Paix�o, de 69 anos.
Dois desses deslizamentos mais evidentes ocorreram atr�s do antigo Instituto Hilton Rocha, futuras instala��es da Oncomed. A professora Maria Giovana Parizzi, do Departamento de Geologia da Universidade Federal de Minas Gerais, esteve no local e avalia tratar-se de processo natural. “Trata-se de um movimento normal da forma��o, devido �s chuvas. Os escorregamentos est�o muito distantes da �rea onde est�o ocorrendo as obras. Para que as interven��es tivessem qualquer influ�ncia, deveriam ter cortado alguma base de sustenta��o da parte que desceu, o que n�o ocorreu”, afirma a especialista.
A din�mica das eros�es e tempestades que causam mortes e desabrigados � bem conhecida na capital, relacionando-se com o relevo municipal, afirma a professora da UFMG. De acordo com ela, nas partes mais altas da cadeia Sul, como a Serra do Curral, h� uma composi��o de rochas chamadas filito, e � o seu comportamento peculiar durante chuvas intensas que causa desabamentos e deslizamentos. “(Os filitos) S�o rochas de planos sobrepostos visualmente similares a uma ard�sia, s� que em estado de decomposi��o. Quando os planos est�o saturados pela �gua da chuva, eles pesam e se destacam do maci�o rochoso, dependendo da inclina��o e da for�a da gravidade. Quando o filito est� saturado, a �gua lubrifica o encontro dos gr�os e a rocha passa a ter um comportamento semelhante ao de lama”, descreve a especialista.

PESADELO Um estalo no quarto enquanto ainda dormia com a esposa e duas filhas despertou o ajudante de carga Marcos Maximiliano Carioca Magnani, de 32 anos, para um pesadelo sem data para terminar. “Era a cinta (estrutura de concreto e a�o que normalmente sustenta uma laje) do meu quarto estourando. De repente, apareceram trincas em que cabia um dedo, em toda a casa. Tivemos de sair e por enquanto estamos em casa de parentes. Queria que demolissem tudo aqui e constru�ssem predinhos (conjuntos habitacionais populares)”, disse. A casa dele e as de outras 10 fam�lias da Vila S�o Francisco, no Bairro Carlos Prates (Noroeste de BH) tiveram de ser evacuadas depois de o barranco que as sustentava deslizou em 24 de janeiro, engolindo v�rias casas abandonadas e deixando dependuradas outras, que ainda eram habitadas. O rombo aberto e os barracos se precipitando na beirada s�o uma cicatriz que chama a aten��o de quem desce a Avenida do Contorno, do Bairro Prado rumo ao Centro. Naquele local, apenas uma obra de grande porte poderia estabilizar o barranco e suprimir a marca deixada pela chuva.
Al�m dos deslizamentos, outro tipo de evento causador de desastres na capital � o relacionado ao ac�mulo ou extravasamento de �guas (hidrol�gico). “Destacamos as enxurradas, que s�o �guas de chuvas que descem muito rapidamente e com poder consider�vel, pela combina��o de volume de precipita��o, da declividade e da impermeabiliza��o do solo, com poder de causar grande destrui��o. Em seguida, temos as cheias, que ocorrem quando os cursos d'�gua transbordam suas calhas, trazendo destrui��o nas margens, por exemplo. E, por fim, os alagamentos, quando essa �gua acaba represada”, define a professora da UFMG Maria Giovana Parizzi.
Relacionada a esse fen�meno, uma das marcas mais impressionantes deixadas pelas chuvas na capital – e que, segundo a prefeitura, s� poder� ser reparada com a chegada da estiagem – � a devasta��o que as enxurradas e cheias provocaram na Avenida Tereza Cristina, ao longo do curso do Ribeir�o Arrudas. A via teve 70% de seus nove quil�metros de extens�o destru�dos.
Obras come�am hoje, anuncia a prefeitura
A Prefeitura de Belo Horizonte anunciou no fim da semana que obras para recupera��o dos danos causados pela chuva na cidade come�am hoje, com interven��es em 221 pontos. O custo estimado pelo munic�pio para repara��o de todo o estrago est� entre R$ 150 milh�es e R$ 200 milh�es.
“Esse dinheiro est� garantido, j� est� em caixa e ainda vamos atr�s do governo federal. Agora � reconstruir a cidade com calma e t�cnica. A popula��o tem que saber que a partir de segunda-feira, em 221 pontos onde teve estrago, n�s vamos come�ar a agir para reconstruir a cidade”, afirmou o prefeito Alexandre Kalil, na sexta-feira, em entrevista na C�mara municipal.
Kalil anunciou a libera��o de R$ 31 milh�es para obras emergenciais. Segundo o prefeito, as interven��es incluem reparos na Avenida Tereza Cristina, uma das �reas mais castigadas na capital mineira. Dessa primeira quantia, R$ 7,7 milh�es foram liberados pelo governo federal, com repasse imediato � prefeitura.