
A determina��o pelo isolamento social devido � pandemia do novo coronav�rus transformou a rotina de muitas fam�lias. Para pais separados, a forma de conviver com os filhos merece aten��o, seja por causa do deslocamento entre as resid�ncias ou pela recomenda��o de n�o sair de casa. Diante da avalanche de informa��es que tamb�m s�o recebidas por crian�as e jovens, o di�logo � fundamental. Afora as quest�es jur�dicas, principalmente para quem compartilha a guarda dos filhos, � preciso esclarecer o que est� acontecendo, mas sem exageros para n�o causar medo e ansiedade. Importante entender tamb�m que dist�ncia f�sica n�o significa dist�ncia afetiva – nesse ponto, a tecnologia � aliada. A proximidade deve ser mantida, ainda que por meios virtuais.
Os efeitos da COVID-19 entre crian�as e adolescentes, habitualmente, n�o s�o t�o severos, por�m � preciso considerar que o quadro pode se agravar no caso de doen�as preexistentes, como problemas respirat�rios, cardiovasculares e diabetes. Uma circunst�ncia particular, por exemplo, � quando um dos pais volta de viagem, ou em ocasi�o de uma contamina��o confirmada ou suspeita, mesmo quando os sintomas ainda n�o s�o manifestados. Deve ser evitado, ent�o, o contato com a crian�a at� que seja eliminado o risco de doen�a.
A gestora cultural Luciana Salles, de 48 anos, � m�e de Miguel, 14, e Andr�, 13. H� seis anos divorciada do pai dos garotos, o produtor Carlos Alberto, eles dividem a guarda dos filhos. A distribui��o de quatro noites da semana com a m�e e tr�s com o pai continua valendo. Luciana est� em isolamento completo e conta que o ex-marido, algumas vezes, precisa trabalhar de modo presencial. “Se acontece de em uma semana ele ficar mais exposto, suspendemos os dias que seriam com os meninos, que s� voltam para a casa dele se ele estiver assintom�tico”, destaca Luciana. Nas duas casas, ela diz haver uma separa��o entre as zonas suja e limpa. Quando os filhos chegam, tiram o sapato, colocam a roupa para lavar, v�o tomar banho e s� depois t�m algum contato entre eles. O cuidado � redobrado at� porque Luciana e Miguel s�o asm�ticos graves.
“Saio de casa s� uma vez por semana, para levar o lixo; quando vou ao supermercado compro o suficiente para duas semanas, e ainda assim higienizo o carrinho de compras. E cozinho em casa, como o pai deles”. At� o cachorro de estima��o faz parte da guarda compartilhada – s� sai quando vai para a casa de Carlos Alberto. Luciana conta que a fam�lia tem enfrentado a pandemia com tranquilidade, resili�ncia, informa��o e sem t�dio: “N�o tem paranoia, mantemos os contato f�sico, a gente abra�a, beija. Encaramos a situa��o com muito amor”.
A servidora p�blica Debora Balarini, de 32, toma todas as precau��es para afastar os perigos da COVID-19 do filho Davi, de 8. Separada h� seis anos do pai do garoto, antes a guarda previa a perman�ncia da crian�a com pai na maior parte do tempo, com os finais de semana, f�rias e feriado com a m�e. Foi assim durante um ano, quando as exig�ncias profissionais de Debora dificultavam o conv�vio di�rio. Desde 2019, a situa��o mudou, e ela agora fica com Davi todo o tempo, e o menino, de 15 em 15 dias, passa o fim de semana com o pai, que � caminhoneiro e foi demitido h� pouco tempo.
“Na casa do pai tem �lcool gel na porta, Davi entra, tira a roupa e vai direto para o banho. Quando est� l�, o pai evita receber vistas. Mas tenho medo quando o Davi n�o est� sob meus olhos, principalmente porque tem asma e est� no grupo de risco. Os dois passaram o almo�o de P�scoa juntos, mas agora n�o quero mais que Davi v� para a casa do pai”, diz Debora.
Leila De Luca, de 46, trabalha com terapias alternativas e artes pl�sticas e h� um ano e meio se separou do professor de filosofia Daniel De Luca, tamb�m de 46. Os dois s�o pais de Manuela, 15, e Caio, 11. No in�cio, os meninos, que moram com a m�e, se dividiam entre as resid�ncias em fins de semana alternados. Leila e Daniel moram perto e ela conta que, com a pandemia, agora � o pai que vai � casa dos filhos. Daniel tamb�m se preocupa com sua m�e, idosa, com quem vive.
“Ele est� sempre presente. Almo�a e faz o lanche da tarde aqui, algumas vezes at� dorme. Dividimos as tarefas da casa. Quando � preciso ir a supermercado, padaria, farm�cia ou banco, � o Daniel que vai, e com m�scara. Mas evitamos ao m�ximo essas sa�das”, descreve Leila.

REVEZAMENTO
A rotina de Davi Leit�o, de 14, n�o est� t�o complicada assim, segundo a m�e, Carolina Castro Andrade, de 39. Ela � separada do pai do garoto, Tiago Leit�o, e a rela��o entre pai e filho at� se estreitou. Davi costumava encontr�-lo entre sexta-feira e s�bado, o que mudou – agora se reveza entre uma semana com a m�e e a outra com o pai. “Ele tem o privil�gio de poder ir de uma casa para outra de carro, de ter um computador, de estudar em casa. A situa��o est� tranquila. Entra no carro, passa o �lcool gel e, quando chega � outra casa, lava bem as m�os, toma os cuidados b�sicos e n�o sai mais. Mesmo porque as �reas de brincadeiras nos pr�dios est�o fechadas”, diz Carolina.Davi tem um irm� de quase um ano, Isabel, fruto do relacionamento do pai com a nova esposa. Conta que est� adorando ter mais tempo para estar com ela. E tamb�m n�o reclama de ter pais separados. “Como n�o estou indo � escola e fico o dia todo em casa, � bom poder alternar entre um e outro. N�o fico s� com meu pai ou s� com minha m�e, o que poderia desgastar a rela��o”, comenta. Tiago lembra da divis�o das tarefas dom�sticas quando est� com Davi. “Ele � o cara da lou�a. Como a rotina na casa se intensificou, tivemos que estabelecer algumas regras”, ressalta o pai, que celebrar a proximidade maior com o filho: “A quarentena est� servindo para isso, � sempre bom estar mais perto. Surge tamb�m um senso de coletividade”.
J� a psic�loga �rika Finelli, de 40, se desdobra para dar conta da nova rotina com os filhos. Como o ex-marido, de quem se separou h� dois anos e meio, est� morando em S�o Paulo, � ela quem fica a maior parte do tempo com Sofia, 10, David, 7, e Flora, 3. Logo ap�s o div�rcio, �rika assumiu a guarda das crian�as, que inicialmente passavam uma dia da semana e finais de semana, quinzenalmente, com o pai. Depois que recebeu uma proposta de trabalho, ele se mudou. “No come�o, ele vinha para BH toda semana, mas isso se complicou, principalmente por causa dos custos. Come�ou a vir a cada 15 dias, no fim de semana, e assim est�, mesmo ap�s o coronav�rus”, diz �rika.
Nos �ltimos dias, o pai chegou � capital mineira e alugou uma casa de campo perto de Belo Horizonte para ficar com as crian�as, mas logo vai embora. �rika diz ainda n�o saber o que far� para resguardar os filhos, sem eliminar a conviv�ncia com o pai: “Estamos conversando para ver o que � melhor para todos”.
Apesar de ser um momento peculiar, ela afirma que tem sido interessante. Antes, com a correria da profiss�o, �rika vivenciava um sentimento de certa incompletude em rela��o � maternidade. Considerava o papel de m�e quase burocr�tico – algo como levar e buscar na escola, e s�. “Mesmo que seja imposto, fiz as pazes com a maternidade. Estar dispon�vel, cuidar de algu�m. Estou ressignificando esse papel. Encontrei novas formas de me relacionar com meus filhos, e eles tamb�m aprendem a tomar conta das pr�prias coisas, s�o cooperativos, tenho muito orgulho. � um per�odo desafiador, mas muito bonito.”

Bem-estar deve ser preponderante
Para o advogado de fam�lia Renato Horta, professor do Centro Universit�rio UNA e secret�rio-geral da Comiss�o de Direito de Fam�lia da OAB/MG, mediante a pandemia, nos par�metros da lei nada � alterado no tocante � guarda compartilhada, que envolve a participa��o igualit�ria e efetiva dos pais nas decis�es sobre a vida dos filhos, tais como vigil�ncia, dire��o, educa��o e bem-estar geral. “Quanto � guarda alternada, em que o menor tem dois referenciais domiciliares, em regra, tamb�m n�o deve haver altera��es, a n�o ser quando necess�rias diante da comprova��o da exposi��o de risco ao menor ou mesmo ao genitor (pertencente a grupo de risco – hipertenso, diab�tico, asm�tico e idoso).”
Uma d�vida sobre o tema � a poss�vel previs�o, pela legisla��o, sobre a altera��o no n�mero de dias de conv�vio dos filhos com o pai ou a m�e. “Como na pandemia, a imposi��o do isolamento social � algo jamais experimentado, n�o h� lei sobre o tema, ainda que se apresente o princ�pio do melhor interesse do menor”, elucida. Em rela��o � divis�o de dias com a crian�as, salienta que valem o bom senso, a serenidade e a empatia. “O per�odo de conv�vio (guarda compartilhada) ou visitas (guarda unilateral) deve permanecer inalterado, salvo situa��es excepcionais capazes de causar risco ao menor e/ou ao genitor. O di�logo � a melhor op��o.”
O referencial domiciliar fixado para a crian�a ou jovem pode at� ser alterado, acrescenta o especialista: “Em caso de suspeita ou confirma��o de contamina��o de um dos genitores pelo novo coronav�rus, seria vi�vel tanto o requerimento judicial de altera��o tempor�ria de referencial domiciliar, como a suspens�o do per�odo de conv�vio ou visita. A melhor alternativa � a resolu��o caso a caso pelos envolvidos, levando em considera��o que a eventual morosidade judicial poderia colocar em risco o menor”.