Chineses e descendentes comentam atitudes xenof�bicas durante a pandemia de coronav�rus (foto: L�lis)
J� s�o mais de 200 pa�ses, territ�rios e �reas independentes afetados pela pandemia de coronav�rus. Do Brasil ao Jap�o, do Canad� � Austr�lia, da Europa � �frica, diversas pessoas sofrem com a dissemina��o de um v�rus que j� atingiu mais de 3 milh�es de seres humanos e matou mais de 190 mil. Mesmo com toda a globalidade da situa��o, ainda h� pessoas mal informadas ou mal-intencionadas que persistem em associar a doen�a a uma nacionalidade. Ataques xenof�bicos s�o registrados em diversas �reas do mundo, quase que diretamente proporcional ao aumento do n�mero de casos. Diante disso, chineses e descendentes s�o os que mais sofrem, j� que o primeiro caso da doen�a foi registrado na cidade de Wuhan.
Desde que o v�rus se espalhou pelo mundo e chegou de forma intensa � m�dia ocidental, os chineses v�m recebendo cr�ticas e sendo associados diretamente � doen�a. No entanto, o discurso, que inicialmente era algo restrito a comunidades de redes sociais, acabou extrapolando a linha da informalidade e chegou, inclusive, a ser adotado por autoridades.
No final de mar�o, o deputado Eduardo Bolsonaro culpou o pa�s asi�tico pela dissemina��o do v�rus no mundo. Na ocasi�o, o parlamentar chegou a comparar a pandemia com o acidente nuclear de Chernobyl e a China com a Uni�o Sovi�tica (Estado socialista que se dissolveu em 1991). A declara��o, inclusive, gerou uma crise diplom�tica com o pa�s que hoje � o maior parceiro comercial do Brasil.
''Acho isso muito triste porque sou brasileiro e escutar isso de um brasileiro � muito triste, � realmente muito triste. Mas isso n�o � s� de agora, est� enraizado. Isto � desde sempre''
Arthur Lam, de 29 anos, filho de um chin�s que mora no Brasil desde 1974
Dias depois, no in�cio de abril, o ministro da Educa��o, Abraham Weintraub, publicou em sua conta no Twitter uma s�tira preconceituosa, chamando a pandemia de “plano infal�vel” e a associando � China. Utilizando o personagem Cebolinha, da Turma da M�nica, o ministro ainda ironizou o sotaque de alguns chineses quando falam portugu�s. O epis�dio serviu para tensionar ainda mais a rela��o Brasil-China.
“Acho isso muito triste porque sou brasileiro, e escutar isso de um brasileiro � muito triste, � realmente muito triste. Mas isso n�o � s� de agora, est� enraizado. Isto � desde sempre”, conta Arthur Lam, de 29 anos, filho de um chin�s que mora no Brasil desde 1974.
Sem raz�o
Atualmente, 55.419 chineses vivem no Brasil e 1.521 em Minas, segundo a Pol�cia Federal. Roberto (nome aportuguesado) � um deles. Dono de um restaurante chin�s na Regi�o Centro-Sul de Belo Horizonte, ele mora no pa�s h� 33 anos. “O chin�s n�o tem culpa, a doen�a n�o tem origem. Inclusive, o primeiro caso no Brasil veio da Europa, e n�o da China. O preconceito com a China n�o tem raz�o, eu n�o gostaria de sofrer esse preconceito. Ainda tem gente que fala que a China � que criou o v�rus, mas isso � completamente mentiroso. N�s fomos as primeiras v�timas. Se n�s o tiv�ssemos criado, n�o ser�amos t�o burros de mandar pra gente primeiro, e sim para os outros”, defende.
Ao todo, desde que a pandemia come�ou, a China j� registrou mais de 4,6 mil mortes relacionadas ao v�rus. Al�m disso, o pa�s asi�tico registrou uma queda de 6,8% em seu Produto Interno Bruto (PIB) no primeiro trimestre de 2020. Esse foi o pior registro desde 1992, quando os dados trimestrais come�aram a ser divulgados. A queda, comparada com o primeiro trimestre do ano passado, foi de 9,8%.
Origem At� o momento, n�o se sabe como chegou ao ser humano o v�rus que colocou o mundo de cabe�a pra baixo. Atualmente, cientistas de v�rios pa�ses levantam dados e tentam descobrir o ponto inicial dessa cadeia de contamina��o. Uma das hip�teses mais estudadas � a de que o v�rus tenha vindo de morcegos, animal reconhecido por transmitir v�rias doen�as. No entanto, caso essa teoria esteja certa, ainda n�o se sabe quando e como ocorreu a transmiss�o do morcego para o humano.
Zhang Ding Chun, ao lado da esposa brasileira, mora no Brasil h� 11 anos e diz que muito do preconceito contra os chineses vem da ignor�ncia das pessoas
(foto: Arquivo Pessoal)
� em meio a esses estudos que pessoas ao redor do mundo v�m levantando teorias da conspira��o de que a infec��o prim�ria se deu devido a h�bitos alimentares dos chineses. “Muitas pessoas n�o leem, n�o sabem de nada e ficam jogando culpa nos chineses, falando que a gente come qualquer coisa, eu sofro com isso na internet. Sou chin�s e nunca comi cachorro e morcego, nem sei onde posso comer isso. A nossa lei n�o permite comer isso, � ilegal. Quem n�o tem conhecimento acha que a gente come isso todo dia”, questiona Zhang Ding Chun, de 37 anos, que mora no Brasil h� 11.
Casado com uma brasileira, Zhang � natural de Shenyang, cidade de 8,29 milh�es de habitantes, localizada a 690 quil�metros da capital, Pequim. Apesar de n�o ter sofrido nenhuma ofensa direta, ele conta que frequentemente recebe materiais nas redes sociais ofendendo chineses.
“Todo dia vejo pessoas postando coisas contra a China no Facebook, mas sou discreto e n�o comento nada n�o. Outro dia, um brasileiro me mandou um v�deo em chin�s falando que a China � ruim. Eu vi aquele v�deo e percebi que a mulher que falava no v�deo n�o era da China continental; na verdade, o v�deo era de Taiwan”, conta. O pa�s vizinho � visto como um inimigo pol�tico da China, que, inclusive, o considera parte de seu territ�rio.
Ching Tsai � de Taiwan, veio para o Brasil com 3 anos e se considera brasileiro. Propriet�rio de um restaurante em BH, foi chamado de 'Coronav�rus' na Ceasa enquanto fazia compras (foto: Arquivo Pessoal)
Apesar de n�o se considerarem chineses, os taiwaneses tamb�m acabam sendo associados ao v�rus, ainda que apresentem n�meros bem menores do que a vizinha China (cerca de 400). Ching Tsai, de 25, � natural de Chiayi, a 250 quil�metros de Taipei, e veio para o Brasil quando tinha apenas 3 anos. “Eu me considero brasileiro, vim para Belo Horizonte com a fam�lia quando eu era crian�a. Meus pais gostaram do pa�s, acreditando numa melhor qualidade de vida. O Brasil � um pa�s bem receptivo, o brasileiro � bem caloroso”, comenta.
''A gente que � oriental sempre escuta 'olha o japa', 'olha o coreano'. A gente, inclusive, acaba se acostumando''
No entanto, o carinho pelo pa�s n�o foi suficiente nos �ltimos dias. Dono de um restaurante no Bairro Padre Eust�quio, Ching costuma fazer compras na Central de Abastecimento de Minas Gerais (Ceasa), em Contagem, na Grande BH. Em uma dessas ocasi�es, ele ouviu uma pessoa o chamando de “Coronav�rus”. “A gente que � oriental sempre escuta ‘olha o japa’, ‘olha o coreano’. A gente, inclusive, acaba se acostumando”, lamenta.
Preconceito de todos os lados
A incans�vel busca pela origem do v�rus extrapola as barreiras cient�ficas e, cada vez mais, se torna algo pol�tico e xen�fobo. Se os chineses v�m sofrendo com ofensas absurdas em outros pa�ses, estrangeiros que moram na segunda maior economia global tamb�m relatam casos de xenofobia. Isso porque, depois de cerca de tr�s meses adotando pr�ticas de isolamento, a China conseguiu barrar o avan�o da pandemia e diminuir drasticamente o n�mero de casos. No entanto, uma nova onda surge no pa�s, vinda especialmente de pessoas que estavam fora e que est�o retornando para a China.
Diante disso, apesar de a maioria dos novos casos ser com chineses, estrangeiros v�m sofrendo repulsa no pa�s asi�tico. A brasileira Ellen Nuno mora em Tongling, cidade chinesa de um milh�o de habitantes – considerada pequena no pa�s – e sofreu com ofensas quando ia para Xangai resolver problemas burocr�ticos. Ao se sentar na poltrona do trem que fazia o trajeto, um chin�s que estava ao lado se assustou, a chamou de estrangeira e levantou.
“Somente sentei, o rapaz olhou para mim e falou ‘estrangeiro’ (em chin�s), fez uma cara de assustado, levantou e saiu. N�o senti raiva dele, mas ele estava com medo de ficar do meu lado porque est�o passando a informa��o de que n�s, estrangeiros, estamos contaminando os chineses”, relembra em v�deo publicado em seu canal no YouTube.
Em outra ocasi�o, ao chegar na esta��o de Xangai, um homem a encarou, a chamou de estrangeira e cuspiu no p� dela. “Isso � xenofobia, isso �: 'Eu n�o quero voc� porque voc� � estrangeiro'”, defende.
Pessoas negras foram impedidas de entrar em uma loja da rede McDonald's, em Guangzhou (foto: Reprodu��o/Redes Sociais)
O mesmo ocorre com africanos que moram na China. Em Guangzhou, uma loja do McDonald’s chegou a negar a entrada de negros no estabelecimento. Ap�s a repercuss�o negativa, a rede pediu desculpas pelo acontecido e fechou a loja temporariamente.
Por outro lado, conforme noticiou o jornal Folha de S.Paulo no in�cio de abril, estrangeiros brancos que moram em pa�ses africanos tamb�m vinham recebendo ofensas xenof�bicas, sendo associados ao coronav�rus.
“Neste momento, a gente n�o pode culpar ningu�m e ca�ar quem � o culpado. Se a gente tratar uma pessoa bem, com certeza essa pessoa vai nos tratar bem. Automaticamente, as pessoas v�o retribuir”, frisa o taiwan�s Ching Tsai, ao comentar os ataques ao redor do mundo.
*Estagi�rio sob supervis�o do editor �lvaro Duarte