Sinal de celular s� no alto do morro: os desafios da educa��o a dist�ncia em Minas
Com limita��es de toda ordem, fam�lias do interior de Minas e de Belo Horizonte mostram uma realidade bem diferente da anunciada pelo governo do estado para defender a educa��o remota na rede p�blica durante a pandemia
Local de estudos de Istefani Beatriz da Silva, de 16 anos, aluna do 9� ano do ensino fundamental (foto: Arquivo pessoal)
Primeiro � preciso espantar as vacas. Depois, encontrar um lugar onde tenha menos mato para conseguir improvisar um assento. Ali, no meio do pasto, no alto do morro, � onde o sinal de celular pega. Desde o in�cio das aulas a dist�ncia em Minas, em 18 de maio, o local tem sido a nova sala de aula de Istefani Beatriz da Silva, de 16 anos, aluna do 9º ano do ensino fundamental. “� aqui que venho para falar com os professores e tirar d�vidas”, conta a estudante, filmando a pastagem onde ela vai ficar naquela manh�, com a grama ainda molhada de sereno. A adolescente acabou de ser m�e. O beb� de dois meses fica no colo da av�, enquanto ela troca �udios e faz liga��es pelo Whatsapp para os professores.
O regime de estudos remotos implantado na rede estadual de ensino no estado disponibiliza os conte�dos em canais digitais e apostilas impressas. As aulas s�o exibidas na TV diariamente, de segunda a sexta-feira, pela Rede Minas. Depois, s�o disponibilizadas no Youtube. Mas, no c�rrego do Aran�s, no distrito de Guarataia, no Vale do Mucuri, onde Istefani mora, o sinal n�o chega. O sinal da Rede Minas abrange apenas 186 dos 853 munic�pios mineiros. Istefani s� tem acesso ao material impresso.
“Na minha casa n�o tem televis�o pra eu ficar assistindo �s aulas e eu n�o tenho muito acesso � internet para ficar no Youtube vendo as aulas do dia. Est� bem dif�cil”, comenta a adolescente.
"Montamos grupos de Whatsapp das s�ries, mas a maioria dos alunos n�o tem internet"
Paulline Alves Coelho, diretora da Escola Estadual Ramiro Souza e Silva, na zona rural de Guarataia
As dificuldades para continuar os estudos enquanto as aulas presenciais est�o suspensas por causa da pandemia do novo coronav�rus s�o compartilhadas por outros estudantes da regi�o. Na escola onde Istefani estuda, apenas dois dos 46 alunos t�m acesso � internet fixa. “S� um aluno que, neste per�odo, est� na casa de parentes na Bahia, e o outro que � o meu filho t�m internet wifi e conseguem acompanhar as aulas on-line”, conta Paulline Alves Coelho, diretora da Escola Estadual Ramiro Sousa e Silva, na zona rural de Guarataia.
Paulline Coelho, diretora da escola de Guarataia, entregando a apostila aos alunos da zona rural (foto: Arquivo pessoal)
A educadora coordenou uma for�a-tarefa e foi de casa em casa entregar o material impresso aos alunos. “Montamos grupos de Whatsapp das s�ries, mas a maioria dos alunos n�o tem internet”.
A falta de internet no dia a dia dos alunos tornou o contato com os professores raro em Guarataia. “Eles est�o meio t�midos, poucos est�o procurando. Nossos alunos s�o um p�blico carente. E a �nica maneira para tirar as d�vida � pela internet”, diz a professora de Portugu�s Neusa Medeiros. Outro problema, segundo a pedagoga, � que a ordem do conte�do disponibilizado na apostila que veio da Secretaria de Estado e Educa��o (SEE-MG) n�o segue o calend�rio que os alunos estavam seguindo antes da suspens�o das aulas. “A aula vem pronta e vem pra todo mundo. A realidade de cada escola � diferente”.
O resultado dessa padroniza��o, segundo ela, � que muitos alunos de l� est�o “perdidos”. “N�o estavam preparados para aprender aquela determinada mat�ria. Precisavam ter visto outra antes”, explica. “Quando foi lan�ada a ideia (ensino a dist�ncia), n�s pensamos que n�s ir�amos organizar. S� que o estado vai aplicar uma prova, n�o adianta a gente tentar uma realidade diferente”, reclama a professora.
Drama tamb�m na periferia de BH
Os desafios de acesso ao novo sistema de educa��o a dist�ncia em Minas n�o s�o s� geogr�ficos, passam pela desigualdade social. “A maioria da galera que mora em periferia est� passando pela mesma situa��o. N�o tem acesso � internet de qualidade”, diz Naiara Marques Oliveira, vi�va e m�e de cinco filhos, quatro deles estudantes. “O meu filho mais velho � o �nico que tem celular, mas de nada adianta porque n�o tem internet”, conta a m�e.
"O meu filho mais velho � o �nico que tem celular, mas de nada adianta porque n�o tem internet"
Naiara Marques de Oliveira, m�e de quatro crian�as em idade escolar
A fam�lia mora num barrac�o de madeira, de dois c�modos, na Ocupa��o Terra Nossa, na Regi�o Leste de Belo Horizonte. Artes�, Naiara est� sem trabalhar desde o in�cio da pandemia. Ela est� recebendo o aux�lio emergencial, por�m, os R$ 600 n�o s�o suficientes para fazer a compra do m�s. “N�o sobra dinheiro para ficar colocando cr�ditos em celular”, comenta. Sem contato com os professores, os filhos de Naiara est�o sem estudar.
Prioridade � comer, n�o a internet
A maioria das 300 fam�lias que moram na Ocupa��o Terra Nossa vive em barrac�es de madeira. Algumas nem �gua encanada t�m em casa e � preciso pedir aos vizinhos que t�m reservat�rio. “Internet � o m�nimo. As pessoas daqui n�o t�m o b�sico. Elas lutam � para terem o arroz e o feij�o para comer”, diz Danilo Santo de Oliveira, de 25 anos.
Sentado em uma cama, no c�modo que serve de sala e quarto do barrac�o onde mora com a m�e, ele conta a dif�cil realidade de quem j� se acostumou a viver �s margens da sociedade. “O distanciamento social sempre existiu. N�o veio com a pandemia. Ela s� o escancarou”, desaba o jovem.
"O distanciamento social sempre existiu. N�o veio com a pandemia"
Danilo Santos de Oliveira, aluno do 3� ano do Ensino M�dio
Danilo � aluno do terceiro ano do Ensino M�dio do Educa��o de Jovens e Adultos (EJA). Sua situa��o � um pouco melhor � dos colegas de sala de aula e de vizinhos da ocupa��o. “Como trabalhava, tenho uma renda para poder ter uma internet e para ter um celular bom. S� que a maioria da minha sala n�o est� conseguindo pegar. Ent�o, eu acabo desanimando tamb�m”, conta os estudante. Dos 28 alunos da sua turma, apenas oito participam do grupo que a escola criou no Whatsapp.
Para ele, a popula��o pobre ser� a mais prejudicada com o sistema de educa��o remota, e sendo justamente esta parcela a que mais precisa do ensino p�blico para mudar a realidade social. “Esta gera��o j� tem, pelo menos, um ano de atraso. N�s, aqui, vamos continuar a� nessa vida de m�o de obra”, desabafa.
Posicionamento do estado
Por meio de nota, a Secretaria de Estado de Educa��o de Minas Gerais (SEE/MG) disse que “a principal ferramenta e instrumento estruturante do Regime de Estudo n�o Presencial � o Plano de Estudo Tutorado (PET)”, que est�o sendo entregue a todo os alunos. O objetivo do material � servir de apoio para os alunos utilizar juntamente com os livros did�ticos. Disse ainda que as teleaulas “Se Liga na Educa��o” e o aplicativo s�o iniciativas para complementar ao processo de aprendizagem.
A SEE-MG disse que os alunos que est�o com dificuldade de acessar o conte�do n�o ser�o prejudicados. “No retorno �s atividades presenciais, a rede aplicar� uma avalia��o diagn�stica com base nas apostilas que servir� para tra�ar o plano de revis�o de conte�do individualizado para cada estudante. Assim, ser� poss�vel tra�ar estrat�gias de refor�o escolar, por exemplo”, informou. Leia a nota na �ntegra:
A Secretaria de Estado de Educa��o de Minas Gerais (SEE/MG) informa que a principal ferramenta e instrumento estruturante do Regime de Estudo n�o Presencial � o Plano de Estudo Tutorado (PET), o material de apoio para ser utilizado juntamente com os livros did�ticos, sendo as teleaulas do programa “Se Liga na Educa��o” e o aplicativo Conex�o Escola iniciativas complementares ao processo de aprendizagem.
Os PETs est�o sendo entregues de forma impressa para todos os alunos que informaram n�o ter acesso aos meios virtuais. A log�stica e organiza��o para viabilizar a entrega para esses alunos foram feitas pelos diretores das escolas, de acordo com a realidade da sua comunidade escolar, seguindo orienta��es da Secretaria de Sa�de (SES). O acompanhamento da entrega est� sendo feito nominalmente.
� importante destacar que nenhum aluno ser� prejudicado por dificuldades de acesso ao conte�do digital. No retorno �s atividades presenciais, a rede aplicar� uma avalia��o diagn�stica com base nas apostilas que servir� para tra�ar o plano de revis�o de conte�do individualizado para cada estudante. Assim, ser� poss�vel tra�ar estrat�gias de refor�o escolar, por exemplo.
A SEE/MG refor�a que o Regime de Estudo n�o Presencial tem como objetivo apoiar os alunos da rede estadual a manter a continuidade de estudos durante o per�odo de isolamento social, evitando assim os riscos da evas�o escolar.