Fam�lias de v�timas de trag�dia em creche de Jana�ba esperam justi�a h� 3 anos
Sofrimento e sentimento de desamparo se mant�m, sem indeniza��o j� pedida, entre familiares de crian�as mortas por ataque desferido pelo vigia da escola em 5 de outubro de 2017. Prefeitura antecipou R$ 2 milh�es
Em 5 de outubro de 2017, o vigia Dami�o Santos invadiu a escola e incendiou sala onde estavam as crian�as (foto: Luiz Ribeiro/EM/D. A Press - 9/10/17)
Saudade e ang�stia, diante de car�ncias e da espera por uma indeniza��o que repare danos, mas, seja qualquer valor que for, n�o ter� capacidade de curar a dor. Ela parece intermin�vel. Essa mistura de sentimentos resiste entre as v�timas da
trag�dia
do
inc�ndio criminoso ocorrido na antiga
Creche Gente Inocente
, em
Jana�ba
, no Norte de Minas, que, hoje, completa tr�s anos. Naquela manh� de 5 de outubro de 2017,
o vigia Dami�o Soares dos Santos, de 50 anos, e portador de transtorno mental
, invadiu o centro de ensino infantil e ateou fogo na sala onde estavam as crian�as, provocando as mortes de 10 alunos e tr�s adultos e deixou mais de 40 feridos. Dami�o tamb�m morreu.
H� dois anos, a data marca homenagem �s
v�timas
, com atividades de lazer para as crian�as sobreviventes da trag�dia e seus familiares. Desta vez, devido �s medidas de isolamento social para conter a transmiss�o do novo coronav�rus, o evento deixou de ser realizado. No entanto, os efeitos da pandemia s�o superados pela solidariedade.
Por meio de uma campanha realizada pela Defensoria P�blica de Minas Gerais, foram arrecadadas mais de 200 cestas b�sicas, al�m de brinquedos e outros produtos, que ser�o destinados �s fam�lias das v�timas do fogo criminoso na antiga Creche Gente Inocente. Quase todas elas carentes, s�o moradoras dos bairros Rio Novo e dos Barbosa, em Jana�ba.
De acordo com o advogado e defensor p�blico Gustavo Dayrell, da Defensoria P�blica Estadual em Jana�ba, devido �s restri��es do distanciamento social, ser� feita, hoje, �s 16h, entrega simb�lica das cestas b�sicas e outros itens, sem aglomera��o, na sede da Associa��o dos Familiares de V�timas e Sobreviventes da Trag�dia da Creche Municipal Gente Inocente de Jana�ba (Avtjana). A campanha de arrecada��o foi liderada pelas reparti��es da Defensoria P�blica em Belo Horizonte, Curvelo, Montes Claros e Jana�ba.
''Foi a maior perda. Sei que dinheiro n�o vai trazer a vida do meu filho mais. Mas justi�a deve ser feita''
Fernando da Concei��o Silva, pai de Ruan Miguel, morto aos 5 anos no inc�ndio
O pr�dio da creche incendiada foi demolido menos de um m�s ap�s a trag�dia, que ganhou repercuss�o internacional. No lugar da escola, gra�as a doa��es de um grupo de empresas liderado por um empres�rio de Montes Claros (na mesma regi�o), foi erguido edif�cio com todas as normas de seguran�a, diferentemente da constru��o anterior, que n�o tinha nenhum equipamento de preven��o contra o fogo. As atividades presenciais do novo pr�dio est�o suspensas por causa da pandemia de COVID-19.
Passados tr�s anos, as fam�lias das v�timas ainda aguardam o desenrolar na Justi�a de uma a��o coletiva que pede indeniza��o para repara��o de danos por parte do Munic�pio de Jana�ba. Foi assinado um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para a antecipa��o parcial dos recursos, com o desembolso pela prefeitura local para as fam�lias atingidas, de R$ 1 mil nos casos de mortes, e de R$ 500 para os familiares das v�timas que tiveram les�es graves.
Campanha arrecadou mais de 200 cestas b�sicas, al�m de brinquedos, que ser�o doados aos familiares das v�timas (foto: Defensoria P�blica MG/Divulga��o)
Parentes reclamam que foram “esquecidos” pelo Poder P�blico. O sentimento � refor�ado pelo presidente da Associa��o dos Familiares das Vitimas da Trag�dia, Luiz Carlos Batista, marido da professora Heley de Abreu. “A administra��o p�blica praticamente � (sic) um descaso. Abandou mesmo as fam�lias (das v�timas), critica. O Executivo municipal nega.
A Prefeitura de Jana�ba afirma que tem garantido o atendimento �s v�timas da trag�dia e que j� desembolsou R$ 1,947 milh�o, como antecipa��o parcial das indeniza��es. Informou ainda que doa��es em dinheiro, por meio da conta SOS Gente Inocente, aberta no dia seguinte ao inc�ndio, foram devidamente repassados �s fam�lias atingidas. Uma rede de atendimento � sa�de das v�timas foi criada pela administra��o municipal. “Foram realizadas contrata��es de profissionais de sa�de para atendimento exclusivo de v�timas, junto com a disponibilidade de exames, aquisi��o de medicamentos e insumos espec�ficos para esses pacientes”, diz em nota.
Inconformismo tamb�m � demonstrado pela balconista Valdirene dos Santos Borges, de 42, que perdeu o filho Mateus Felipe Rocha Santos, aos 5 anos, no inc�ndio no centro de ensino infantil. “De certa forma, fomos esquecidos. Ficamos com nossas dores e esquecidos pela Justi�a. Em tr�s anos, nada foi feito por n�s”, reclama.
O defensor p�blico Gustavo Dayrell ressalta que os parentes das v�timas da trag�dia s�o pessoas carentes, “dependentes do sistema p�blico para tratamento de sa�de”. Essa foi uma das raz�es do acordo para a antecipa��o parcial do pagamento da indeniza��o, feito mensalmente para cerca de 80 fam�lias. Por outro lado, ele diz que n�o � poss�vel prever quando a a��o ter� um desfecho na Justi�a.
Sofrimento sem tr�gua
Fernando da Concei��o Silva (foto: Arquivo Pessoal)
As cicatrizes provocadas pela trag�dia persistem na vida das m�es, cujos filhos perderam a vida ou sofreram ferimentos graves na trag�dia ocorrida na creche de Jana�ba. “Apesar de terem passados tr�s anos, a saudade e a dor parecem t�o recentes. A sensa��o que tenho � de que tudo aconteceu agora. Parece que a ferida por dentro s� aumenta”, afirma a balconista Valdirene, lembrando do filho Mateus Felipe, que sonhava em ser policial.
Religiosa, Valdirene afirma que a pandemia do coronav�rus trouxe uma li��o para todos. “A pandemia nos ensinou o quanto somos iguais independente da cor e religi�o, um aprendizado para sermos iguais”, diz. O sofrimento tamb�m parece n�o ter fim para a dom�stica Jane Kelly da Silva Soares, de 32, m�e de Ruan Miguel Soares Silva, que morreu aos cinco anos no inc�ndio criminoso. “Sinto uma dor que n�o passa nunca. Eu queria que meu filho estivesse aqui comigo. Mas, pra mim, ele n�o morreu. Ele continua sempre guardado no meu cora��o”, afirma Jane Kelly.
Em 24 de setembro, a Justi�a de Jana�ba concedeu senten�a favor�vel a uma a��o de indeniza��o por danos morais movida contra a Prefeitura municipal pelo tratorista Fernando da Concei��o Silva, de 32, pai de Ruan Miguel. O valor da indeniza��o requerida � de R$ 100 mil e a a��o foi ajuizada pela Defensoria P�blica de Minas Gerais.
O defensor p�blico Gustavo Dayrell explica que Fernando, diferentemente de outros pais de crian�as vitimadas na trag�dia, teve a antecipa��o parcial negada pelo fato de estar divorciado � �poca da morte do filho, e n�o ter a guarda da crian�a. Por isso, ele apresentou a��o individual. Por ser da primeira inst�ncia, cabe recurso � decis�o. Procurada, a Prefeitura de Jana�ba informou n�o ter sido notificada sobre a senten�a, mas “que cumprir� integralmente tudo que for determinado pela Justi�a”, informou o prefeito da cidade, Carlos Isaildon Mendes (PSDB).
Ver galeria . 17 FotosVigia ateou fogo e matou crian�as na Cemei Gente Inocente, uma creche de Jana�ba, Norte de Minas Gerais. Ocorr�ncia mobiliza for�as de seguran�a e desespera moradores
(foto: Pol�cia Militar/Divulga��o )
“Foi uma grande dor no cora��o a perda do meu filho. Foi a maior perda que tive na vida. Sei que dinheiro n�o vai trazer a vida do meu filho mais. Mas Justi�a deve ser feita”, reclama o pai de Ruan Miguel. Sobrevivente da trag�dia, Rhuan Emanuel Dias, de 8, guarda na mem�ria o cen�rio da trag�dia. Ele recorda o momento em que vigia Dami�o atirou gasolina na sala onde estavam as crian�as. “O homem (Dami�o) falou assim: vem tomar sorvete.! Quando fui ver... A�, era uma bomba (o frasco de gasolina). Quando sa� correndo, ele jogou a 'bomba' com o f�sforo. Minha tia (a professora Heley de Abreu) me pegou no colo e p�s l� fora. Tava doendo demais por causa do sol e por causa da queimadura muito forte”, relata Rhuan Emanuel, que sofreu queimaduras em grande parte do corpo e passou por v�rias cirurgias.
A mae de Rhuan, Dayana Cristina Dias, de 32, lembra que passou por muito sofrimento e agradece pelo filho estar vivo. “N�o foi f�cil. Pensei que estava vivendo um filme de terror, que nunca iria acabar. Mas, louvo a Deus pela vida do meu filho. Tr�s anos depois, estou passando por uma situa��o dif�cil, mas gra�as a Deus meu filho est� aqui”, afirma. Ela lamenta que, devido as sequelas, Rhuan “n�o pode brincar no sol como as outras crian�as”.