
A amea�a do novo coronav�rus imp�s o distanciamento social e provocou mudan�as que atingiram tamb�m o sistema prisional. No entanto, n�o impediu a continuidade de boas iniciativas voltadas para a recupera��o e ressocializa��o dos detentos.
Um exemplo � a realiza��o, em plena pandemia, de curso de produ��o e cria��o de pe�as de croch�, voltado para um grupo de nove pessoas da ala LGBT da Penitenci�ria Professor Jason Soares Albergaria, em S�o Joaquim de Bicas, na Regi�o Metropolitana de Belo Horizonte (RMBH).
O Curso do projeto “Maxi Croch� – Tecendo a diversidade” foi conclu�do neste m�s. Entre os participantes est�o condenadas por crimes como homic�dio, latroc�nio, tr�fico, roubo e furto, que hoje se encontram em processo de recupera��o e de qualifica��o, em busca de uma nova vida quando retornarem � liberdade.
A iniciativa mostra que, independentemente do passado, qualquer pessoa pode buscar a ressocializa��o, elevar a autoestima e resgatar seus direitos como cidad�o, superando o preconceito e reconquistando a vida digna.
A capacita��o teve como instrutora uma detenta transexual, Maria Vit�ria, de 27 anos, que aprendeu a arte do croch� em uma oficina promovida pelo Conselho da Comunidade da Comarca de Igarap�, tamb�m na Grande BH, no segundo semestre do ano passado.
A oficina tamb�m fez parte do projeto “Maxi croch�”, implantado pelo Conselho da Comunidade do munic�pio.
A diretora de Atendimento da Penitenci�ria de S�o Joaquim de Bicas, Cristiane Leite Rodrigues, policial penal formada em psicologia, informa que come�ou a trabalhar na unidade prisional no in�cio do isolamento social da pandemia.
Ao ouvir as presas, percebeu a necessidade de usar a arte como ferramenta terap�utica. “Sempre acreditei nas possibilidades das diferentes manifesta��es art�sticas, e t�nhamos uma pessoa preparada para ensinar”, afirma Cristiane.
“O aprendizado permitiu �s participantes descobrir que t�m capacidade de construir algo belo, muito diferente do crime, da prostitui��o e das drogas”, destaca a policial penal e psic�loga. O grupo participante do curso foi selecionado por uma comiss�o t�cnica de classifica��o formada por diferentes servidores da unidade prisional como assistente social, pedagogo, psic�logo, enfermeiro, analista jur�dico e representante do n�cleo de seguran�a. Uma das exig�ncias para a sele��o foi a condi��o de pertencer ao p�blico LGBT, sendo avaliado tamb�m o interesse do candidato durante entrevista.
As aulas foram ministradas durante dois meses, numa esp�cie de “intensiv�o”. Nesse per�odo, houve tempo de aprender as mais diferentes t�cnicas e ainda produzir pe�as para presentear parentes e tamb�m para vender, o que trouxe uma ajuda para renda das fam�lias das detentas.
As vendas s�o feitas por parentes. A renda � dividida, parte dela vai para a fam�lia e outra parte para as internas. Elas usam o dinheiro para compra de itens pessoais de beleza, como esmalte e maquiagem, al�m de materiais de higiene.
A gera��o de renda � necess�ria, mas n�o � o �nico benef�cio proporcionado pelo projeto. A observa��o � dodiretor-geral da Penitenci�ria de S�o Joaquim de Bicas, Ant�nio de P�dua Pataro. “O crso proporciona o resgate da autoestima, da autoconfian�a, assim como fomenta o esp�rito de trabalho em equipe e do respeito ao outro”, enfatiza Pataro.
“Mostra tamb�m o quanto a unidade prisional se preocupa com os indiv�duos privados de liberdade e busca parcerias que promovam atividades que proporcionem a reinser��o social”, acrescenta o diretor-geral.
Resgate da autoestima e op��o de rendimento
Instrutora do curso Maxi Croch� na unidade Penitenci�ria de S�o Joaquim de Bicas, a detenta transexual Maria Vit�ria se destacou em uma capacita��o sobre croch� ministrada o ano passado. Ela conta que, antes de participar do projeto, nunca tinha manuseado uma agulha e jamais imaginava que um dia ensinaria o of�cio.
A trans tinha crises de depress�o e ansiedade e conta que a arte do croch� tem ajudado a superar esses transtornos. Ela j� pensa no aproveitamento do que aprendeu para ter renda e vencer as dificuldades quando ganhar a liberdade.
“O croch� representa a possibilidade de ter uma renda, principalmente pelas dificuldades que vou ter ao sair daqui. Serei uma ex-detenta e transexual, com um corpo ainda marcado por caracter�sticas masculinas”, afirma Maria Vit�ria.
As integrantes da ala LBGT da Penitenci�ria destacam a import�ncia do curso e enaltecem a eleva��o da autoestima e a conquista de uma profiss�o para a vida fora das grades.
“Para mim, em particular, o curso foi o resgate da minha autoestima. Eu me senti mais valorizada e mais �til”, afirma a detenta J�nia Venturini, lembrando que n�o tinha esse sentimento havia sete anos, desde que foi privada da liberdade.
�lcio Dias, que tamb�m cumpre pena na ala LGBT, declara que o curso mudou sua vida pris�o. “Eu ficava na cela, mais retra�do, n�o conversava com ningu�m. Depois que vim para o curso, estou me expressando mais. Todos notaram muita diferen�a ao conversar comigo”, diz. “Estou me saindo muito bem e fazendo uns cachep�s bem bonitos”, completa.
Para a detenta trans Isabel Cristina, o curso de croch� foi mais do que uma ferramenta de resgate da autoestima. “A gente trata com toda essa seriedade essa oportunidade, porque � prazeroso. � uma oportunidade, uma a��o reparadora para todos n�s”, assegura. “Hoje, me sinto uma pessoa importante pra a unidade, para todo mundo que est� aquim torcendo por n�s.”
“Viver honestamente, isso n�o tem pre�o”
Um percentual de presos que recebeu a liberdade como medida de seguran�a sanit�ria durante a pandemia do novo coronav�rus acabou cometendo algum delito e voltou para o c�rcere.
Para evitar que isso ocorra, � preciso que o estado crie meios para ressocializar os detentos, de forma que sejam qualificados e entrem no mercado de trabalho. Mas, essas pessoas tamb�m precisam ser conscientizadas de que a vida no crime n�o compensa e queiram sair dela.
A opini�o � de Paulo (nome fict�cio), de 33 anos, beneficiado com a liberdade durante a pandemia em Montes Claros, Norte de Minas. Ele estava no regime semiaberto e passou para o sistema domiciliar. Aproveitou bem a oportunidade de trabalho numa barbearia em um bairro da cidade, onde j� trabalhava quando estava no semiaberto.
Ele conta que esteve ligado ao crime por cerca de uma d�cada – dos 18 aos 28 anos, em S�o Paulo, foi preso v�rias vezes por roubos e assaltos. Esteve detido em diversas cadeias, onde conheceu de perto o poder de uma fac��o que atua nas penitenci�rias.
Resolveu mudar de vida e retornou � terra natal, no Norte de Minas. Mas acabou sendo descoberto como foragido e foi preso novamente. Depois de um per�odo trancafiado, quatro meses antes da pandemia, passou a cumprir pena no sistema semiaberto e a trabalhar como barbeiro.
“Viver honestamente n�o tem pre�o”, afirmou, em entrevista ao EM, na qual preferiu o anominato por causa do preconceito. Ele elogia a decis�o do Poder Judici�rio de mandar para casa os presos do regime semiaberto, a fim de evitar a propaga��o do coronav�rus e a contamina��o de outros detentos e dos servidores do sistema prisional.
