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Estado de Minas DIREITOS DEVASTADOS

Mariana, 5 anos depois: V�timas de barragem ainda sofrem com doen�as

Moradores do antigo distrito de Bento Rodrigues, soterrado pela lama da Barragem do Fund�o, apresentam enfermidades f�sicas e psicol�gicas


02/11/2020 04:00 - atualizado 02/11/2020 07:11

(foto: Fotos: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS )
(foto: Fotos: LEANDRO COURI/EM/D.A PRESS )

As a��es simples do dia, como tomar caf�, preparar comida e brincar com os netos exigem esfor�o e sofrimento do aposentado Jos� das Gra�as Caetano, de 67 anos. Quem o v�, n�o desconfia. � um homem forte e de bravura: salvou mais de uma dezena de pessoas com seu carro, removendo-as do vilarejo de Bento Rodrigues, em Mariana, enquanto as casas eram tragadas pelo rompimento da Barragem do Fund�o, em 2015.

Zezinho Caf�, como � carinhosamente chamado, contudo, nunca se recuperou psicologicamente da perda da sua amada comunidade e hoje, cinco anos depois, se mant�m � base de rem�dios controlados. “Amava Bento Rodrigues. N�o tem uma coisa que fa�a hoje, que n�o me lembre de l�. Todos os dias quero chorar. Lembrando. Pensando se algum dia ainda vou ter Bento de volta, se vou ter de come�ar tudo de novo ou se vou morrer antes. Cheguei a pensar at� em suic�dio”, desabafa.

Um alto consumo de medicamentos para depress�o, ansiedade e ins�nia, que em Mariana aumentaram ap�s o rompimento em mais de 160%, segundo a prefeitura, s�o sequelas psicol�gicas de atingidos pelo desastre da Barragem do Fund�o, como Zezinho Caf�. Males que n�o apenas trazem sofrimento ps�quico. De acordo com a psic�loga da equipe de sa�de mental do munic�pio, Ma�ra Almeida Carvalho, isso se reflete em decl�nio f�sico.

“Vemos casos traum�ticos de alto potencial que chegam com desespero, choro, medo, ins�nia, pensamentos repetitivos sobre o desastre. Muitos procuram o �lcool e as drogas. Isso traz conflitos e desagrega��o da fam�lia. Por fim, esse somat�rio tem resultado claramente em hipertens�o, diabetes e doen�as card�acas”, conta.

"Eu amava Bento Rodrigues. N�o tem uma coisa que fa�a hoje, que n�o me lembre de l�. Todos os dias quero chorar. Pensando se algum dia ainda vou ter Bento de volta, se vou ter de come�ar tudo de novo ou se vou morrer antes"

Jos� das Gra�as Caetano, o Zezinho Caf�, aposentado


A degrada��o da sa�de dos atingidos pelo maior desastre socioambiental do Brasil � tamb�m um fator que pouco foi reparado depois de cinco anos da cat�strofe, segundo o Minist�rio P�blico Federal (MPF). S�o mazelas comuns �s v�timas da Barragem do Fund�o e que se refletem em viola��es diretas ou por analogia aos direitos humanos, como mostra desde domingo (31/10) a reportagem do Estado de Minas.

Baseado na Declara��o Universal dos Direitos Humanos (DUDH) e na observa��o de assessorias t�cnicas – entre elas a Caritas, da Igreja Cat�lica – que auxiliam essas v�timas, os danos continuados � sa�de transgridem o direito de todo ser humano � vida, � liberdade, � seguran�a pessoal e social.

Uso de psicotr�picos subiu no rastro da lama

Tamb�m deveria ser assegurado um padr�o de sobreviv�ncia capaz de sustentar o bem-estar em caso de doen�a, invalidez e velhice por aqueles que causaram o desastre, segundo tais preceitos. De acordo com levantamento da Funda��o Get�lio Vargas (FGV) sobre atendimentos do Sistema �nico de Sa�de (SUS) encomendado pelo MPF, o uso de psicotr�picos aumentou n�o apenas em Mariana, mas chegou a uma alta de 15% nos 39 munic�pios atingidos entre Minas e o Esp�rito Santo.
Ver galeria . 22 Fotos Barragem de rejeitos se rompe em mineradora de Mariana e inunda distrito Corpo de Bombeiros/PMMG
Barragem de rejeitos se rompe em mineradora de Mariana e inunda distrito (foto: Corpo de Bombeiros/PMMG )

O registro de doen�as respirat�rias agudas se elevou em 75%, muitas delas relacionadas a fatores de baixa imunidade segundo apontamentos m�dicos. “Particularmente importante � o aumento de incid�ncia dos transtornos mentais, viol�ncia dom�stica, acidentes por animais pe�onhentos, uso de psicotr�picos e incid�ncia de transtornos mentais. Na an�lise da s�rie hist�rica, � mais significativo o aumento entre atingidos a partir do fim de 2017 de suic�dios, bronquites, pneumonia, dermatites, abortos, febre amarela e mal�ria”, aponta o relat�rio da FGV.

A Funda��o Renova, criada em 2016 por um termo de ajustamento de conduta entre o poder p�blico e as mineradoras respons�veis pelo rompimento (Samarco, Vale e BHP Billiton), tem programas de apoio � sa�de, mas, segundo a consultoria Ramboll, tamb�m contratada pelo MPF, ainda aqu�m de prestar o aux�lio necess�rio.

Fotos e v�deos sobre o rompimento da Barragem do Fund�o


De acordo com a empresa independente, no programa de apoio e fortalecimento das redes de sa�de dos estados e munic�pios atingidos, por meio da elabora��o de planos de a��o em sa�de, at� o momento, apenas Mariana e Barra Longa contam com aporte de profissionais de sa�de cedidos pela Funda��o Renova. “Em Mariana, busca-se a amplia��o do n�mero de profissionais e dos insumos necess�rios para as a��es. Em Barra Longa, o plano de a��o do munic�pio aprovado em dezembro de 2018 nem sequer foi implementado”, afirma a empresa.

Pandemia agravou drama dos atingidos

Com a pandemia do novo coronav�rus, a fragilidade dos atingidos foi ainda mais exposta, na avalia��o do procurador da Rep�blica em Minas Eduardo Henrique de Almeida Aguiar. “A pandemia ampliou os danos de sa�de sobre os atingidos, sobretudo, de sa�de mental. Temos um dado f�tico de aumento de casos potencializados pelo desastre. A demora nas medidas de repara��o ainda agrava diariamente esse quadro”, critica.

Para o procurador da Rep�blica no Esp�rito Santo, Paulo Henrique Camargos Trazzi, a Funda��o Renova tem tido atua��o “pobre e insuficiente”, aumentando a demanda do poder p�blico nesses tratamentos. “Um pescador ou um atingido j� fragilizado, que est� em casa e n�o pode sair para a sua atividade, mas tem o famoso cart�o emergencial, traz para sua casa o �lcool, as drogas e a viol�ncia dom�stica”, observa.

Aumento de doen�a entre v�timas

O meio ambiente tamb�m est� ligado � sa�de e � prote��o da integridade dos atingidos, que � defendida pela Declara��o Universal dos Direitos Humanos. “H� estudos que indicam rela��o do dano ambiental do rompimento com a altera��o da quantidade de metais pesados nocivos � sa�de no Rio Doce. H� aumento dos casos de c�ncer. Crian�as que desmaiam nas escolas, gente com problemas digestivos e de pele. Esses metais n�o s�o eliminados pelo organismo e, ao longo dos anos, v�o acumular em quantidade nociva, que acaba no corpo humano ao consumir peixes e �gua. Por isso, as a��es de repara��o do meio ambiente s�o urgentes e se refletem na sa�de da popula��o”, alerta o procurador da rep�blica no Esp�rito Santo, Paulo Henrique Camargos Trazzi.

As avalia��es da consultoria Ramboll mostram que as a��es da Renova para repara��o do meio ambiente est�o entre as mais atrasadas ou n�o implementadas. At� o momento, dos 44 milh�es de metros c�bicos de rejeitos que vazaram da barragem, apenas 1.161.591 (2,6%) foram removidos do leito dos rios Gualaxo do Norte, do Carmo e Doce. Dos 17 trechos dos cursos d’�gua soterrados por res�duos de atividade mineradora, apenas cinco t�m plano de destina��o dos rejeitos aprovados pelo Comit� Interfederativo, que gerencia o termo de ajustamento para a repara��o com a Funda��o Renova.
Contudo, o parecer � ainda mais dram�tico: “Os planos de manejo de rejeitos que foram aprovados n�o est�o sendo implementados, pois ainda demandam processos de licenciamento ambiental. As atividades de manejo de rejeitos realizadas at� o momento se referem �s atividades emergenciais, tais como a retirada dos rejeitos da sede de Barra Longa”, afirma a Ramboll. Um dos locais de manejo de rejeitos mais controversos � o reservat�rio da barragem de Candonga, no Rio Doce, que recebeu e segurou cerca de 26% dos 44 milh�es de metros c�bicos de material vazado de Fund�o.

O plano aprovado era de “remo��o mecanizada de rejeitos situados no interior dos rios (dragagem) com posterior disposi��o em �reas preparadas para esta finalidade ou reutiliza��o como material na constru��o civil”. A Renova chegou a comprar a fazenda Floresta, propriedade ao lado do lago para fazer a deposi��o, mas desde 2018 a obra est� parada.

"Vemos casos de desespero, choro, medo, ins�nia. Muitos procuram �lcool e drogas. Isso traz desagrega��o da fam�lia. Esse somat�rio tem resultado em hipertens�o, diabetes e doen�as card�acas"

Ma�ra Almeida Carvalho, psic�loga da equipe de sa�de mental de Mariana


A funda��o argumenta que os rejeitos devem ser deixados no lago. O MPF quer que sejam removidos. “A Usina Hidrel�trica de Risoleta Neves, em Candonga, est� parada h� cinco anos e, enquanto isso, o sistema el�trico recebe compensa��o de outras unidades. O consumidor � onerado pelo mecanismo compensat�rio do setor el�trico nacional e at� o momento j� se calcula em R$ 416 milh�es os gastos compensat�rios pela Ag�ncia Nacional de Energia El�trica (Aneel)”, afirma o procurador Paulo Henrique Camargos Trazzi.

Atrasos frequentes at� 2024

A Funda��o Renova apresentou como resposta aos questionamentos de seus programas o relat�rio mensal de atividades. Pelo documento, neste ano j� houve entrega da reforma do Centro de Aten��o Psicossocial Infantojuvenil de Mariana. Dois termos aditivos para perman�ncia de equipes suplementares em Mariana e Barra Longa, bem como assinatura de acordo judicial para plano de repara��o e sa�de. Ao todo, s�o 44 m�dicos, enfermeiros, assistentes sociais, psic�logos e psiquiatras de Mariana (28) e Barra Longa (16). Segundo o relat�rio, contudo, a a��o se encontra atrasada desde 2019 e assim deve se manter at� 2024. A m�dia mensal de conclus�o deste ano � de 8,2 pontos percentuais abaixo do previsto.

J� os programas de destina��o de rejeitos, segundo relat�rio da funda��o, est�o atrasados desde 2019, sendo que neste ano a m�dia de defasagem na conclus�o de metas foi de nove pontos percentuais ao m�s abaixo da meta projetada pela pr�pria Renova. Foi um ano de elabora��o de estudos e apresenta��o de planos que ainda precisam ser aprovados pelo Comit� Interfederativo com poucos avan�os na �rea pr�tica. A recupera��o de �reas de Preserva��o Permanente (APP) tamb�m est�o com 2,6 pontos percentuais de defasagem na realiza��o mensal de metas em m�dia segundo as expectativas da pr�pria empresa.


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