Thelma Virg�nia Rodrigues passar� o Natal longe da filha, que mora na Irlanda (foto: Leandro Couri/EM/D.A Press)
Uma das grandes li��es de 2020 recai sobre o �bvio que, de t�o �bvio, havia ca�do no autom�tico. Pessoas precisam de abra�os, de estar juntas, de compartilhar e partilhar. Isso nunca foi t�o necess�rio e, neste feriado, quando celebramos a vida e a esperan�a, mais do que nunca, s�o sin�nimo de conforto. Num Natal marcado pela recomenda��o ou imposi��o de distanciamento social – quando poder�amos imaginar isso? –, a falta desse conjunto se torna ainda mais dolorosa para quem tem um p� no Brasil e o outro em outra parte do mundo. Para fam�lias de dupla cidadania, a saudade ficou do tamanho dos milhares de quil�metros que as separam.
�s intemp�ries da COVID-19, se juntam o aperto no cora��o, os abra�os que n�o poder�o ser dados e essa saudade que n�o h� no mundo “you miss me”, “tu me manques” ou “te hecho de menos” (frases em ingl�s, franc�s e espanhol para designar o “sentir falta”) capaz de explicar. S� mesmo em bom portugu�s. O risco de uma viagem ao exterior ou o impedimento legal de ganhar pa�ses com fronteiras ainda fechadas ao Brasil desmarcou encontros de fim de ano e adiou planos. Separadas pelo v�rus, essas fam�lias v�o passar, em muitos casos, o primeiro Natal longe dos seus, esperando que a simbologia do nascimento do Menino Jesus traga, novamente, o �bvio para nossas vidas.
A designer de treinamento empresarial Ana Paula Rodrigues Manga, de 40 anos, deixou Belo Horizonte h� 15 para morar na Irlanda e conta que, nesse per�odo, nunca passou tanto tempo sem ver sua numerosa fam�lia de pais e quatro irm�os. No Natal, ou ia ao Brasil ou ficava na Irlanda para receber o pai ou a m�e. Este ano, seria a vez de a m�e, a psic�loga Thelma Virg�nia Rodrigues, de 64, passar o fim do ano na Europa. “A partir de mar�o, ningu�m da minha fam�lia – nem eu – sentiu firmeza para planejar uma viagem internacional. E � ainda o ponto onde estamos”, conta Ana Paula.
Conex�o Pequim
Thelma, que costuma ir duas vezes por ano, esteve pela �ltima vez em janeiro. Curiosamente, viajou num voo da AirChina e, por ter feito conex�o na capital, Pequim, chegou com a recomenda��o de ficar em observa��o, visto que a China estava nessa �poca em lockdown, enfrentando um problema que, at� ent�o, parecia long�nquo e restrito ao mundo asi�tico. Ana, o marido irland�s e os dois filhos, de 5 e 3 anos, pensaram em ir ao Brasil em fevereiro, mas desistiram por causa das chuvas, sem imaginar o que ocorreria logo depois.
Todas as expectativas de rever a m�e giram agora em torno do nascimento da filha, no fim de fevereiro. Thelma tem passagem marcada para chegar 15 dias antes e fazer a quarentena, conforme norma irlandesa. “Temos receios o tempo inteiro de como vai se dar a entrada dela. At� agora, n�o ouvi falar de familiar de residente que tivesse sido barrado na entrada mesmo no �pice do lockdown. E o governo sempre autorizou, em caso de nascimento de familiar, a entrada dos av�s. Mas, � um per�odo de receios m�ltiplos e a preocupa��o permanece. N�o tenho data concreta para ver mais ningu�m. Meu marido n�o sente seguran�a em ir (ao Brasil) antes de estarmos todos vacinados.”
Quando questionada sobre como fica essa saudade no fim do ano, a futura m�e de tr�s responde sem titubear: “Depress�o, escuro, tristeza, dor… Diria que ‘a alegria � a prova dos nove’ ganhou uma conota��o de desafio da vez, porque a gente n�o ousaria estragar o Natal das crian�as. Guardamos qualquer excita��o pelo Natal para quando estamos com eles, e parte dela confesso que � fingimento”, diz.
"Comemoramos e agradecemos pela sa�de dos nossos amigos e familiares, tendo em mente todos aqueles que se foram por causa da pandemia"
Maria Zancanaro, que mora no Texas com a fam�lia e n�o poder� se reunir com a m�e
Ana Paula falou � reportagem no dia do solst�cio de inverno no hemisf�rio norte, o dia mais curto do ano e �ltimo do outono. “N�o s�o nem 15h e as luzes da nossa sala est�o acesas. Desde os celtas o que o povo desta ilha faz para sobreviver � escurid�o � comemorar o Natal durante o m�s inteiro, com muitas luzinhas e abra�os. Eu n�o saberia nem mensurar o n�vel de dor em ter essa estrat�gia de sobreviv�ncia ao inverno amputada da sociedade irlandesa. Soma-se a isso, no caso do expatriado, a dor profunda de ter os seus mais queridos isolados e distantes, ainda mais em um pa�s sem governo. D�i, e creio que as cicatrizes dessa dor ser�o sentidas por anos a fio. Nunca vivi nada parecido.”
Precau��o na viagem
No Brasil, sem poder entrar na Irlanda para encontrar Ana Paula e sua quinta filha, Thelma Rodrigues, que atualmente mora no Rio de Janeiro, passa este Natal com os tr�s filhos em BH, e aposta todas as fichas na viagem de fevereiro. “� a terceira gravidez dela e estou fazendo todos os esfor�os para ver minha filha gr�vida ao vivo e em cores pela primeira vez”, diz. “� muito dif�cil para algu�m que mora no exterior n�o ter algu�m pr�ximo logo na sequ�ncia do parto.”
Para encontrar os filhos e a outra netinha de BH em seguran�a, Thelma deixa janelas abertas e usa m�scara mesmo em casa, com energias e pensamento para a fam�lia na Irlanda. “Estou colocando no cora��o que os encontros de hoje, amanh� e depois de amanh� sejam transcendentes, porque o limite que a COVID-19 trouxe � muito grande”, afirma. “Meu cora��o est� apertado e espero n�o ser impedida de entrar em fevereiro. A Irlanda � sensibilizada para entender que essa � uma quest�o fundamental. N�o estar com minhas filhas no Natal nem quando o nen�m nascer ser� profundamente dif�cil.”
A volta ao Brasil tamb�m est� cheia de precau��es, incluindo o distanciamento do marido, de 70, que ficar� no Rio de Janeiro. “Estamos ressignificando esse ato t�o �bvio que era poder dar um abra�o, estender a m�o e poder ficar um pouco juntos. E o que era �bvio se tornou o grande presente.”
Incerteza e viagens remarcadas
A COVID-19 p�s um ponto de interroga��o tamb�m na vida da arquiteta Maria Zancanaro, de 47 anos, natural de Curitiba. Ela mora em Houston, no Texas (EUA), desde 2001 e est� h� quase dois anos sem ver a fam�lia brasileira. A m�e, Suely, de 78, que sempre vai em mar�o para uma temporada de tr�s meses, este ano n�o p�de entrar nos Estados Unidos. J� do lado de Maria, as duas filhas, de 9 e 17, e o marido norte-americano, o receio em rela��o ao avan�o da doen�a em territ�rio nacional mudou os planos habituais de passar no Brasil os meses de julho e agosto, per�odo de f�rias no hemisf�rio norte.
A arquiteta Maria Zancanaro (na frente) mora no Texas com a fam�lia e lamenta n�o poder encontrar este ano com a m�e (foto: Arquivo pessoal)
"Estou colocando no cora��o que os encontros de hoje, amanh� e depois de amanh� sejam transcendentes, porque o limite que a COVID-19 trouxe � muito grande"
Thelma Virg�nia Rodrigues, que passar� o Natal longe da filha, que mora na Irlanda
A m�e mora sozinha em Curitiba. A irm� de Maria d� suporte, mas o fato de ter filha dentista morando com ela a impede de estar mais pr�xima. “Fiquei muito nervosa, porque queria ir ou trazer minha m�e, o que ficou imposs�vel, pois o governo aqui n�o aceitou mais passageiros sem green card vindos do Brasil. Combinamos de ir para o Natal, pensamos que talvez a pandemia fosse passar. Agora, troquei a passagem novamente, vou de qualquer maneira em fevereiro, mas sem minhas filhas e o marido, porque a pandemia est� terr�vel no Brasil e tenho muitos amigos passando por momentos dif�ceis l�. Vou tentar trazer minha m�e na volta”, relata.
A ideia � se testar antes de ir e na chegada ao Brasil, para ter seguran�a de poder abra�ar a fam�lia, que neste per�odo passou por maus bocados. Al�m da solid�o, Suely fez uma cirurgia em maio, o que aumentou ainda mais a ansiedade e levou a problemas de press�o arterial.
O cunhado perdeu dois tios para a COVID-19 e um primo est� internado com a doen�a. A mulher do sobrinho perdeu o av� para o coronav�rus e a m�e dela, que foi internada pelo mesmo motivo, ficou com sequelas no pulm�o. “Sofri muito, principalmente quando minha m�e teve esse problema com a press�o. Minha irm� e meu cunhado, um pequeno empres�rio, ficaram em s�rios problemas. Por isso, n�o posso esperar mais. Tomarei todos os cuidados para ficar pelo menos por 20 dias.”
Para o Natal, resta a saudade e a esperan�a de dias mais certos. “Passaremos s� n�s quatro, aqui em casa, sem ceia sofisticada nem presentes, como todos os anos. Este ano, comemoramos a chegada do menino Jesus e agradecemos pela sa�de dos nossos amigos e familiares, tendo em mente todos aqueles que se foram por causa da pandemia.”
Isolados na serra
H� tamb�m quem se valeu de cautela para enfrentar os riscos. O casal Fl�via e Diogo Siuves, ambos de 39, vive h� 13 anos em Miami e foi ao Brasil em julho e neste m�s. A advogada e o administrador contam que a decis�o mais dif�cil foi a primeira, num momento de “muitos questionamentos e inseguran�a”. Pegaram o voo da noite, depois do jantar das crian�as, para evitar tirar m�scaras para comer. “Levei produtos de limpeza na mala de m�o, em quantidade suficiente para desinfetar todo o avi�o”.
“Pousamos e antes de buscar as malas trocamos de roupa. Fomos para a Serra do Cip�, onde permanecemos por oito dias”, relata a advogada. S� depois de resultado negativo de novo teste em Lagoa Santa foram para a casa de familiares. “Com a experi�ncia de julho, a inseguran�a foi minimizada. O fato de ser ver�o no Brasil ajudou. Al�m do mais, Minas tem tr�s vezes menos casos de Covid que a Fl�rida e um territ�rio 3,5 vezes maior”, conta.
O que � o coronav�rus
Coronav�rus s�o uma grande fam�lia de v�rus que causam infec��es respirat�rias. O novo agente do coronav�rus (COVID-19) foi descoberto em dezembro de 2019, na China. A doen�a pode causar infec��es com sintomas inicialmente semelhantes aos resfriados ou gripes leves, mas com risco de se agravarem, podendo resultar em morte. V�deo: Por que voc� n�o deve espalhar tudo que recebe no Whatsapp
Como a COVID-19 � transmitida?
A transmiss�o dos coronav�rus costuma ocorrer pelo ar ou por contato pessoal com secre��es contaminadas, como got�culas de saliva, espirro, tosse, catarro, contato pessoal pr�ximo, como toque ou aperto de m�o, contato com objetos ou superf�cies contaminadas, seguido de contato com a boca, nariz ou olhos.