
Se a cidade passar no teste, � considerada at� mesmo a recomenda��o de reabertura das escolas, fechadas h� nove meses por for�a da pandemia, no primeiro trimestre de 2021. Caso contr�rio, a cidade pode p�r em a��o novamente o endurecimento das medidas de flexibiliza��o, com possibilidade desta vez de interven��es “cir�rgicas”, voltadas a grupos espec�ficos da popula��o, como relata o infectologista Carlos Starling, integrante do comit� cient�fico que d� a base para tomada de decis�es na capital. Entre elas, considera-se mesmo passar os professores na frente na fila priorit�ria da vacina��o. “Temos absoluta consci�ncia da import�ncia de abrir (escolas), mas estamos atentos � din�mica. Podemos at� cometer erros, mas negligenciar, jamais”, afirma o m�dico em entrevista ao Estado de Minas.
A situa��o em BH est� se degradando?
Levamos em considera��o tr�s par�metros: o Rt (taxa de transmiss�o), o n�mero de interna��es em terapia intensiva (ocupa��o de leitos) e a ocupa��o de enfermarias. Se tivermos dois deles em vermelho, � alerta m�ximo. Rt acima de 1,2 e ocupa��o de leitos acima de 80% � situa��o insuport�vel, de risco, e que deve nos levar a decis�es que significam restri��o de mobilidade social, a �nica maneira de se controlar a epidemia. A situa��o hoje deve estar em torno de 1,1, e tem se mantido, com tend�ncia de aumento. A ocupa��o de leitos em hospitais privados est� no limite cr�tico, aumentando progressivamente, assim como a ocupa��o de enfermarias. � pouco confort�vel a situa��o do ponto de vista epidemiol�gico. Dependendo da fonte de informa��o, estamos variando entre 100 e 150 casos por 100 mil habitantes. � melhor que S�o Paulo ou Rio, que est�o com mais de 300, 500 casos. Mas est�vamos com 40 casos por 100 mil habitantes h� cerca de dois meses e voltou a subir progressivamente, � medida que as pessoas come�aram a banalizar os cuidados.
Muita gente acha que com o ver�o e o calor o v�rus desaparece. O que dizer sobre isso e quais as recomenda��es para as festas de fim do ano?
O v�rus n�o entra de f�rias, n�o importa se � ver�o ou inverno, circula da mesma forma. H� gente muito vulner�vel entre a popula��o e � alta a transmiss�o que se d� por via �rea e contato entre as pessoas. A dissemina��o do v�rus � muito r�pida. Numa semana est� boa (a situa��o) e em outra acelera rapidamente. Tem progress�o e aumento geom�trico. N�s (do conselho cient�fico) estamos enfatizando para que sejam evitadas festas durante esta �poca, que � tradicionalmente festiva, mas neste ano, n�o. A recomenda��o � o contr�rio: ficar em casa, com o n�cleo familiar. N�o � ano para mistura de grupos.
Se depois das festas as condi��es sanit�rias piorarem, quais medidas s�o consideradas?
Tudo o que j� foi feito anteriormente e que est� planejado desde o in�cio da pandemia. A novidade � que podemos hoje ser mais “cir�rgicos” nas interven��es do que fomos quando n�o t�nhamos estrutura assistencial organizada e, por isso, as medidas foram mais duras. Em mar�o e abril, quando fizemos a primeira tentativa de flexibiliza��o, n�o t�nhamos equipamentos de prote��o individual em quantidade suficiente para profissionais de sa�de, n�o t�nhamos conhecimento fisiopatol�gico da doen�a. Mas continuamos n�o tendo tratamento precoce nem antiviral efetivo dispon�vel. Ao contr�rio do que determinados grupos preconizam, n�o temos evid�ncias cient�ficas de drogas eficazes para fazer profilaxia ou tratamentos em fase inicial, embora achemos que o monitoramento precoce � vital. No tratamento de pacientes graves os protocolos s�o muito mais ajustados. Temos estrutura para atender pacientes adultos que est� funcionando e a menor mortalidade do pa�s, com cidade de mais de 1 milh�o de habitantes. Esses fatores fazem com que possamos ser mais objetivos nas interven��es. Temos cidade inteira mapeada: sabemos onde a epidemia mais avan�a, quem obedece e n�o obedece �s regras.
A partir de quantos casos por 100 mil habitantes os protocolos podem mudar?
N�o tem uma quantidade m�nima, pois o que conta s�o os par�metros sobre os quais falei. Se tivermos menos de 100 casos, mas com leitos e enfermarias sobrecarregados, muda. Porque tanto o impacto do aumento quanto o da queda ocorrem alguns dias depois nas enfermarias e leitos. Quando cai (a taxa de transmiss�o) na comunidade, o paciente fica ainda 15 dias na UTI. Quando se acelera na comunidade, superlota as unidades, que demoram para esvaziar. � um equil�brio muito t�nue, �s vezes dif�cil de a popula��o entender. H� um hiato entre ocupa��o de leitos e flutua��o epidemiol�gica.
E as escolas? Quando se imagina uma reabertura?
Consideramos a escola uma prioridade. Ela n�o ficou de fora do processo de planejamento de discuss�o ao longo do per�odo. Tivemos in�meras discuss�es para planejamento de retorno e protocolos de retorno. Reuni�es na C�mara, na Assembleia Legislativa, com pais... A preocupa��o � grande, porque � uma base complexa. A base de racioc�nio que tivemos no in�cio da pandemia era a influenza, mas o coronav�rus se comporta de forma diferente. S� pudemos chegar � conclus�o de que crian�as se infectam pouco ao longo do tempo, com muitos trabalhos. Mas a din�mica epidemiol�gica dentro da comunidade e de fluxos de casos que partem da comunidade, entram na escola e voltam para a comunidade est� sendo estudada. Abrem-se escolas de formas diferentes mundo afora, com estrat�gias diferentes, din�mica de funcionamento diferente, o que n�o necessariamente significa que tenhamos condi��es de fazer o que est� sendo feito na Europa e nos Estados Unidos. E h� lugares em que escolas continuam funcionando e em outros em que fecha tudo outra vez. Estamos olhando com bastante cuidado e carinho e posso dizer que tenho conflito de interesse, porque tenho minhas filhas pequenas tamb�m. � uma quest�o que tenho acompanhado muito de perto desde o princ�pio.

"Somos favor�veis � vacina��o de profissionais de sa�de e de professores, para que possam voltar em seguran�a, al�m dos grupos priorit�rios que est�o em casa"
Carlos Starling
Como s�o feitos esses estudos?
Tem um grupo de pesquisadores que trabalham comigo e fazem revis�o sistem�tica de literatura de todos os assuntos relacionados � pandemia, em diversas regi�es do mundo, e nada se parece conosco. Na Coreia do Sul, por exemplo, a preconiza��o � de 5 casos por milh�o. Se formos tom�-los como base, n�o voltaremos nunca. Nos EUA, h� v�rias faixas. S�o essas faixas de risco que com esse grupo de apoio analisamos aqui os 853 munic�pios de Minas e repassamos para a secretaria (de Sa�de) como est� a situa��o, se est� na faixa de baixo, m�dio ou alto risco. Colocamos para o poder p�blico e cada munic�pio vai correr o risco que est� disposto a correr – de ocorr�ncia de surtos na comunidade e nas escolas, assim como nas empresas. A decis�o do tamanho do risco que cada um quer correr � pol�tica. Usamos a faixa do Centro de Controle e Preven��o de Doen�as dos EUA e a recomenda��o � para abrir com baixo risco: 20 casos por 100 mil habitantes.
Esse par�metro pode mudar?
� uma discuss�o aberta, � sugest�o e � o que temos usado. Podemos chegar � conclus�o de que pode ser mudado. Numa epidemia, cravar que quero que abra tal dia, que fa�a isso ou aquilo, n�o � poss�vel. A�, tem que combinar com o v�rus. E com a popula��o inteira: qual o tamanho do sacrif�cio que a popula��o est� se impondo. Quando vai para baile funk, quer fazer festa, tem repercuss�o: na sa�de, nos custos assistenciais, que v�o bater no bolso de cada um, nas escolas, na forma��o dos filhos. A responsabilidade � coletiva e, infelizmente, no que se refere a isso o pior exemplo vem do governo federal. O que estamos tentando fazer � ter o menor n�mero de �bitos poss�vel, abrir escolas mais cedo, ter hospitais em condi��es de atender as pessoas. Se l� em cima eles d�o p�ssimo exemplo, c� embaixo, parte significativa se comporta como o espelho que tem l�. E as responsabilidades que recaem sobre os munic�pios n�o isentam o governo federal de ter postura em rela��o � pandemia.
Ent�o, a abertura est� em discuss�o?
Estamos discutindo. N�o podemos cravar data, mas algum momento no primeiro trimestre. Somos favor�veis � vacina��o de profissionais de sa�de e de professores, para que possam voltar em seguran�a, al�m dos grupos priorit�rios que est�o em casa. Sou favor�vel a furar a fila para professor e profissional de sa�de, se � que consideramos educa��o como prioridade.
E fechar o resto da cidade para abrir escola?
Tem sido considerado tamb�m, mas numa epidemia ningu�m fica sem sofrer. Bares, restaurantes, com�rcio tamb�m sofreram muito ao longo da epidemia. Mas o fato de as escolas ficarem fechadas foi atitude, a princ�pio, de prote��o da pr�pria crian�a e da comunidade do entorno. Isso tem efeitos colaterais claros. Viol�ncia dom�stica aumenta, isso tudo acontece, mas n�o h� como (evitar). Todos sofrem. Nesta guerra, as crian�as s�o, de certa forma, protegidas pelo v�rus, mas seus pais, av�s, tios, todo t�m possibilidade de contra�-lo. Crian�a � prioridade numa sociedade, mas n�o tira o direito tamb�m dos mais velhos. Uma atitude e ensinamento importantes, pois nossa sociedade, sempre muito jovem, privilegia a juventude, o futuro. Se tem algo que temos de aprender e ensinar �s crian�as e jovens � o respeito � vida em todas as faixas et�rias. � um sacrif�cio sendo feito em nome de quem ajudou a construir o que n�s temos. � uma discuss�o filos�fica extremamente importante, �tica. Podemos at� cometer erros, mas negligenciar, jamais. E � preciso dizer que 7,6% das crian�as infectadas v�o para terapia intensiva e 0,2% morre. Cerca de 3 mil crian�as j� morreram nos EUA.
H� muitas pessoas acreditando que no in�cio do ano todos ser�o vacinados. Poderia explicar como � esse cen�rio?
At� que consigamos vacinar um contingente populacional que impe�a ou dificulte a circula��o viral, levaremos de seis meses a um ano. N�o estamos contando que a vacina chegou e est� resolvido. O v�rus n�o veio passear, veio para ficar. � (miss�o) para maratonista. Tem que ir dosando esfor�os para chegar ao final com menos sofrimento. N�o h� quem corra uma maratona que n�o chegue ao final sem sofrimento, por mais bem preparado que o atleta esteja. N�o � a primeira maratona nem ser� a �ltima: � bom que nos preparemos para pr�ximas, e elas vir�o. Teremos novas epidemias. A de hoje � fundamental para criar estrutura social capaz de enfrentar situa��es semelhantes no futuro. Os asi�ticos aprenderam, e n�s n�o. Estamos batendo cabe�a. E essa bate��o de cabe�a est� enterrando 200 mil brasileiros.