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Estado de Minas ENTREVISTA

Entenda as muta��es do coronav�rus; geneticista explica efeitos na pandemia

Altamente contagiosa, variante pode dificultar imuniza��o, diz geneticista do College of London, que prev� efeitos prolongados dessa pandemia na sa�de mundial


10/01/2021 04:00 - atualizado 10/01/2021 11:30

Belo Horizonte volta à estaca zero nesta segunda, com novo lockdown (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A press)
Belo Horizonte volta � estaca zero nesta segunda, com novo lockdown (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A press)

Avignon, Fran�a
– A nova variante do coronav�rus detectada primeiramente na Inglaterra isolou o Reino Unido e faz a Europa tremer. Em pleno pico de uma segunda onda e temendo para breve uma terceira, pa�ses est�o decretando novo lockdown na tentativa de frear essa cepa, que se propaga mais r�pido que a capacidade de resposta.

Reconfinamentos voltam com for�a total, fechando, inclusive, escolas. Mais contagiosa, n�o mais letal. Mas, a boa matem�tica est� a� para lembrar que, se h� mais infectados, h� tamb�m mais mortos, como explica o professor Fran�ois Balloux, diretor do Instituto de Gen�tica da University College London (Inglaterra) e professor de biologia computacional.

� frente das pesquisas sobre a nova variante, o geneticista su��o falou com exclusividade ao Estado de Minas. Ele acha pouco prov�vel uma onda epid�mica dessa muta��o no Brasil no curto prazo, mas pondera que, por se propagar mais rapidamente, o v�rus pode, sim, ignorar o clima quente do hemisf�rio sul, que, teoricamente, lhe � menos favor�vel.

Confiante no encerramento da fase pand�mica no fim deste ano, Balloux chama aten��o para outras doen�as infecciosas e os efeitos secund�rios da COVID-19, ressaltando a dificuldade na tomada de medidas com tantos par�metros em jogo: “� frequente que venha uma decis�o mais moral e �tica que realmente cient�fica. Onde colocamos mais valor (da vida e da sociedade) � a grande quest�o”.

Quantas muta��es do novo coronav�rus  j� foram registradas? 
O Sars-Cov-2 tem em torno de 20 mil muta��es. A maior parte n�o � frequente. O genoma tem 30 mil bases e certas posi��es tiveram muta��es. Analisei h� alguns meses e est�vamos em torno de 50 mil genomas e 12 mil muta��es. Agora, temos 310 mil genomas conhecidos e n�o longe de 20 mil muta��es.

Quando falamos de nova muta��o, ent�o, � nova entre muitas outras? 
Essa linhagem que observamos da Inglaterra tem 23 muta��es, todas j� conhecidas, e nenhuma ocorre em qualquer outro v�rus. Mas nunca a vimos nessa combina��o, que � �nica. Temos certeza de que nenhuma dessas muta��es por si mesmas d� uma vantagem � cepa, mas pode se tratar de uma organiza��o de diferentes combina��es que, entre elas, fazem essa variante transmitir potencialmente melhor.

O v�rus n�o para de mudar. Poderemos ter mais ainda? 
Com certeza, se pegamos uma linhagem e a seguimos, no fim de um ano teremos algo em torno de 25 muta��es que podem se acumular entre o in�cio e o fim, por ano. Ent�o, cada linhagem, de forma independente, ter� entre 20 e 30 muta��es por ano. Visto que o genoma tem 30 mil, isso representa cerca de 1% dos genomas que sofrem muta��es a cada ano. Bem, a grande parte n�o tem qualquer efeito. S�o muta��es que n�o vemos nunca, porque elas t�m um efeito negativo sobre o v�rus, ent�o, se uma linhagem sofre esse efeito negativo, ela se “apaga” e n�s n�o a observamos.

Professor François Balloux, geneticista suíço(foto: Arquivo pessoal)
Professor Fran�ois Balloux, geneticista su��o (foto: Arquivo pessoal)

'� complicado, porque as medidas s�o tomadas por raz�o de sa�de p�blica, mas �s vezes tamb�m pela rea��o da popula��o'


Como o v�rus influenza, que a cada ano precisa de uma nova vacina para enfrentar a nova cepa? 
Exato. A gripe � tamb�m um v�rus RNA, que s�o um pouco menores e sofrem muta��es muito mais r�pido. A influenza A, ou gripe sazonal, sofre mais r�pido que a COVID-19 e, por isso, fazemos vacina duas vezes por ano: uma para o hemisf�rio sul e outra para o hemisf�rio norte. Isso � necess�rio porque o v�rus evolui e escapa � imunidade dada pela vacina e tamb�m � imunidade natural, que leva cinco anos. Resumindo: se voc� tem uma gripe, est� tranquilo por cinco anos. Depois pode pegar de novo. Mas, visto que tem v�rias linhagens, tem que pegar duas vezes a gripe num ano. As linhagens s�o muito diferentes e � por isso que a vacina da gripe � complicada, � uma mistura de tr�s ou quatro linhagens. A COVID j� � um pouco mais simples. Eu disse 20 mil muta��es, sim, mas distribu�das dentro de todos os tipos de linhagens e nenhuma delas � muito diferente da outra. Na m�dia, se pegamos uma no Brasil, uma na Inglaterra ou em qualquer outro lugar, elas ser�o alguma coisa como 10 ou 12 muta��es e nenhuma delas ser� muito importante, n�o ter�o muito efeito.

� por isso que os laborat�rios dizem  que eles podem se adaptar (�s muta��es)  no que diz respeito �s vacinas? 
Sim, at� agora uma s� vacina cobre todas as cepas. Haver� um momento em que isso n�o ser� mais o caso.

O que sabemos dessa nova variante descoberta na Inglaterra? � mais contagiosa, mas tamb�m mais letal? Qual a diferen�a? 
Parece que ela � mais contagiosa. �s vezes, � dif�cil medir, porque se temos uma epidemia muito forte como em Londres, � dif�cil responder: � porque o v�rus � mais contagioso ou s� porque uma epidemia importante implicou uma linhagem espec�fica, sem que ela seja mais contagiosa? Mas h� muitas evid�ncias e resultados que sugerem realmente que ela � mais contagiosa que a linhagem anterior. Ela n�o � mais letal nem tem sintomas mais severos, com um pouco mais de sorte � mesmo talvez um pouco menos grave.

A raz�o pela qual podemos especular que, potencialmente, e nisso � preciso ser muito prudente, repito, potencialmente, poderia ser menos severa, � que ela tem um gene que se chama ORF8, que n�o � “obrigat�rio” no v�rus. Vimos muito genoma no Sars-Cov-2 onde esse gene n�o � funcional, tem um buraco, uma dele��o (remo��o de um segmento), o que ocorre na linhagem inglesa. Um estudo em Cingapura sugeriu que o gene que tem uma dele��o � menos letal e provoca sintomas menos graves. Mas, se � o caso ou n�o, � ainda muito cedo para dizer. Eu, pessoalmente, estou confiante de que ele n�o � mais letal.

E em rela��o �s crian�as? 
Inicialmente, havia raz�es de suspeitar que se transmitiria mais entre as crian�as, mas n�o � o caso. Isso se deve ao fato de as crian�as terem sido mais testadas nas escolas e tamb�m de a epidemia ter talvez come�ado parcialmente nas escolas. Mas, agora, a vemos com a mesma frequ�ncia, relativamente, em rela��o a pessoas de diferentes idades. Ela � mais transmiss�vel, mas n�o � mais transmiss�vel entre jovens ou idosos ou algo assim, � simplesmente mais transmiss�vel.

Fala-se muito que o modelo de confinamento feito at� agora, de deixar as escolas abertas (no caso da Europa), n�o teria mais efeito. Ent�o, n�o � o caso. Se um novo confinamento � necess�rio, pode-se deixar escolas abertas? 
N�o � que o v�rus se transmita mais entre as crian�as que entre os adultos, mas ele transmite tamb�m. Ent�o, visto que a Inglaterra tem uma epidemia muito avan�ada e quer realmente cort�-la, reduzir a transmiss�o, eles fecham tudo, incluindo as escolas. Mas n�o significa que fech�-las seja mais �til ou eficaz que fechar qualquer outro estabelecimento. As medidas tomadas s�o extremas.  O motivo de fechar escolas � porque foram obrigados a fechar tudo.

Quando um pa�s toma uma medida, geralmente, ela vai em cadeia. A medida inglesa pode promover um novo modelo? 
Tem v�rios fatores e par�metros, ent�o � poss�vel que outros pa�ses sigam, mas n�o � certo. A Inglaterra tem pouca capacidade de tratamento intensivo. Voc� ficar� surpresa com esse dado, mas a Fran�a tem o mesmo n�mero de pacientes COVID-19 nos hospitais que a Inglaterra, mas esse �ltimo pa�s tem um pouco menos de margem de manobra em termos de terapia intensiva, ent�o, se n�o querem hospitais saturados, � o momento de fechar.

N�o estou persuadido de que os outros pa�ses europeus v�o seguir. Esse � realmente um problema espec�fico da Inglaterra e de alguns pa�ses do Leste, como Eslov�quia e Cro�cia, que est�o bem afetados, mas n�o penso que de imediato os pa�ses da Europa Central v�o fechar. � complicado, porque as medidas s�o tomadas por raz�o de sa�de p�blica, mas �s vezes tamb�m pela rea��o da popula��o, depende tamb�m de como as pessoas reagem. Os pol�ticos respondem parcialmente � na��o e parcialmente � demanda do p�blico.

H� um modelo que permita saber ou prever a velocidade com que essa variante vai se espalhar pelo mundo? 
Se se confirma que essa variante � realmente 50% mais transmiss�vel, a princ�pio, n�o h� raz�o para que ela n�o substitua as outras no mundo inteiro. O �nico pa�s onde temos um pouco de dados, al�m da Inglaterra, � a Dinamarca, porque eles sequenciam muito: 2 mil genomas por semana e t�m ainda um bom sistema de acompanhamento. Efetivamente, a propor��o dessa variante aumentou muito r�pido, passou a 30% esta semana, na semana anterior estava em 1,1%. Ele vai aumentar, o que � prov�vel, e, como consequ�ncia, fica mais dif�cil controlar uma epidemia.

Em pa�ses como o Brasil, onde o governo (federal) ainda insiste em negar a doen�a, quais podem ser as consequ�ncias de uma tal velocidade de contamina��o? 
Uma consequ�ncia prov�vel nessa variante espec�fica � o aumento no n�mero de casos, repetindo que ela n�o causa mais mortes, n�o � mais letal, mas se h� mais casos, proporcionalmente, leva a maior n�mero de mortes. Tamb�m, uma considera��o, que � um problema, � que vai deixar mais dif�cil a imuniza��o. Muitos pa�ses, incluindo o Brasil, est�o numa corrida contra o rel�gio para vacinar o m�ximo de pessoas em risco e isso pode se complicar um pouco.

Logo, o n�mero de pessoas que poderiam se vacinar a tempo, realmente antes de ser infectadas, ser� reduzido se essa epidemia se transmite. Ser� um grande problema. Eu ficaria surpreso se, no curto prazo, o Brasil tivesse uma grande onda epid�mica como na Europa, porque o v�rus � sazonal, pode se transmitir em todas as condi��es, todos os climas, mas h� climas que lhe conv�m particularmente bem. 

Mesmo se em pleno ver�o houver uma aglomera��o mais forte? 
Ele se transmite bem menos no exterior, menos quando faz calor e h� sol, fica menos bem no ar. A onda muito grave que vemos atualmente na Europa e parte da Am�rica do Norte se deve ao fato de a transmiss�o ser impulsionada pela esta��o do ano. Claro, o problema � que se ele se transmite melhor, puxa tudo, ent�o ele pode se transmitir melhor em todos os climas e gerar quest�es graves. Na Inglaterra, onde h� uma transmiss�o provavelmente superior do v�rus, tem as condi��es perfeitas de transmiss�o at� fevereiro, mar�o ainda. Praias n�o s�o lugares com mais risco, o que n�o significa que n�o tenha que tomar precau��o.

Estamos pr�ximos de uma solu��o por causa da vacina? 
Acho que a fase pand�mica deve ter fim este ano, talvez um m�s a mais. Agora � o pico no hemisf�rio norte, e gra�as � vacina e parcialmente � imunidade adquirida naturalmente pelas contamina��es, a pandemia vai se transformar progressivamente em endemia. Temos aproximadamente 200 v�rus diferentes respirat�rios em circula��o, como gripe, e quatro coronav�rus que causam resfriado, todos eles provocam problemas e mortes, mas nada comparado � pandemia. Haver� um momento em que a pandemia vai se transformar numa situa��o muito mais aceit�vel. O coronav�rus ser� um dos v�rus que s�o um problema, mas n�o um problema que nos impede de viver, de fazer funcionar a sociedade. Acho que essa transi��o se far� em 2021. 

Estamos no momento COVID-19, mas h� outras doen�as que matam. Como gerir tudo isso? 
� extremamente dif�cil e como efeitos secund�rios da pandemia haver� aumento de outras doen�as infecciosas numa parte do mundo. Penso particularmente na tuberculose na Am�rica do Sul e, principalmente, na �frica do Sul. � verdade que a resposta � pandemia imp�e dificuldades, como campanhas de vacina��o, incluindo a p�lio, doen�a quase erradicada, que pararam completamente. A vacina��o contra o sarampo foi globalmente suspensa.

E h� problemas que v�o al�m das doen�as infecciosas. A previs�o � de que mais de 200 mil crian�as morram de fome no mundo no ano que vem, por causa da destrui��o da economia. Claro que a COVID-19 � um evento de for�a maior, mas tem-se que levar em conta todos os problemas. N�o � a �nica causa das doen�as infecciosas, �nica causa de mortalidade.

� uma conta cara a pagar. 
A conta pode ser muito cara a longo prazo e � um erro dizer que h� a economia e a sa�de. Na verdade, n�o h� economia sem sa�de nem sa�de sem economia. Se um pa�s vai bem, a expectativa de vida aumenta, a mortalidade infantil diminui. A rela��o entre economia e a sa�de num pa�s � bem forte, com algumas exce��es. Se a economia mundial desmorona, custar� muito caro �s vidas humanas.

Haver� outras pandemias no curto ou m�dio prazo? 
A �ltima pandemia que tivemos foi a da gripe, em 2009, n�o muito grave; outras, em 1957 e 1968, que foram bem graves tamb�m, n�o muito longe do que vivemos agora. A Aids, desde os anos 1980, matou 65 milh�es de pessoas e deixou muitas infectadas. E a pandemia mais grave que tivemos foi em 1918-19, a gripe espanhola, que matou mais gente que a Primeira Guerra Mundial. Mas, h� muito mais pessoas mortas de maneira indireta pela pandemia que da doen�a em si mesma. Muitas pessoas mortas de fome.

� muito dif�cil. � preciso tomar as medidas adequadas, mas, ao mesmo tempo, � preciso balancear. � a primeira vez que podemos vacinar t�o cedo numa pandemia e ser� muito �til para encurt�-la e limitar os efeitos secund�rios, porque se o mundo continuar como est� agora durante ainda tr�s ou quatro anos, ser� um desastre. J� �. Mas queremos um desastre o mais curto poss�vel.

Ainda bem que tem a ci�ncia. 
O problema da pandemia � que a ci�ncia se tornou muito politizada. A ci�ncia n�o � realmente separada da pol�tica e n�o � sempre t�o clara. Tem decis�es extremamente dif�ceis, como o fechamento das escolas. Tem que fechar ou n�o? N�o h� uma resposta realmente cient�fica para isso. Depende sempre das condi��es, mas � uma quest�o sobre o que � importante, qual o valor da educa��o de uma crian�a em rela��o a um excesso de mortalidade, quais s�o as implica��es dentro de 10 anos, implica��o humana e econ�mica. S�o coisas extremamente dif�ceis de avaliar, por isso, � frequente que venha uma decis�o mais moral e �tica do que realmente cient�fica. Onde colocamos mais valor � a grande quest�o.


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